desafio 23 - Bem-estar
Reforçar os direitos dos consumidores, com maior acesso à informação e aos meios de resolução de litígios
O mercado europeu de consumo tem uma grande importância quer para as economias que fazem parte da União quer para o ciclo económico global. A componente de consumo na Europa corresponde a cerca de 57% do seu PIB, conferindo-lhe o estatuto de maior mercado de consumo do mundo em termos nominais na atualidade.
Este mercado apresenta especificidades que não deverão ser ignoradas, pois ditarão uma mudança profunda no paradigma de consumo ocidental. Além da Europa, as grandes políticas de consumo de longo prazo focam-se também no grande mercado de consumo que os EUA representam bem como nos países emergentes, em particular, no mercado chinês, cuja dimensão e as perspetivas de evolução do poder de compra da população traz oportunidades e ameaças às empresas ocidentais.
O consumidor médio europeu transformar-se-á nas próximas décadas devido aos processos de mudança demográfica, social e económica que estão a exercer pressão sobre o crescimento do PIB dos países e que tenderão a contrair a procura interna no médio prazo. Isto irá alterar a forma como se consome nos países europeus.
O envelhecimento da população revela-se um fator dominante na alteração dos padrões de consumo nos países desenvolvidos, nomeadamente nos países europeus. A combinação entre o aumento da esperança média de vida e a redução da taxa de natalidade, colocam a população europeia numa trajetória de envelhecimento acima da população norte americana e da população asiática (com exceção do Japão) ), de acordo com dados das Nações Unidas e da Comissão Europeia.
Um outro fator influenciador do mercado de consumo europeu a longo prazo prende-se com o aumento do nível médio de escolaridade da população, especialmente das mulheres, o que implica uma maior participação das mesmas no mercado de trabalho. Verificam-se igualmente alterações a nível das estruturas familiares – casamentos tardios, maternidade tardia, famílias monoparentais, menos crianças por agregado familiar (INE).
Por outro lado, embora a população europeia possa continuar o processo de enriquecimento que tem verificado nas últimas décadas, será de esperar um abrandamento do ritmo de crescimento, atendendo ao envelhecimento da população e consequente quebra da produtividade das economias. Políticas de envelhecimento ativo serão a tendência nos países europeus para (i) assegurar sustentabilidade da segurança social; e/ou (ii) acomodar a incapacidade de substituição dos quadros seniores por quadros mais jovens (embora em alguns países, a médio prazo, se venha a verificar um aumento do desemprego jovem qualificado devido à rigidez dos sistemas laborais vigentes).
Adicionalmente, a sustentabilidade do modelo social europeu implicará reduções nas pensões de reforma, o que fará com que os futuros reformados tendam a estar mais sensibilizados para a necessidade de poupança ao longo da vida, mas também mais limitados em termos de opções de consumo.
Também em Portugal se assiste a uma mudança do paradigma de consumo. As estimativas apontam para uma redução acentuada do consumo devido: (i) aos efeitos das medidas de consolidação orçamental sobre o crescimento do rendimento disponível real das famílias num contexto de recessão económica e de aumento do desemprego; (ii) ao impacto da antecipação de despesa em bens duradouros em 2010 de forma a evitar o impacto fiscal das medidas de austeridade. Esta tendência dever-se-á acentuar em 2012 com os condicionalismos impostos pelo Programa de Assistência Económica e Financeira.
O ano de 2010 encerrou uma década em que o modelo de crescimento económico português se baseou nos incentivos à procura, sem contudo ter sido suportado por um crescimento da produção doméstica que a sustentasse, facto que contribuiu para uma balança comercial deficitária (AMECO[1]). Observa-se uma relação direta entre o défice da balança comercial e o peso do consumo no PIB real, com Portugal a apresentar um peso do consumo sobre o PIB real elevado e mais próximo das economias emergentes da Europa. Uma correção do défice da balança comercial e uma convergência para a média dos países da área do euro implica uma redução do peso relativo do consumo em cerca de 10% do PIB.
O aumento do rendimento disponível das famílias a taxas superiores às do produto, a estabilização das taxas de poupança em níveis baixos (diferencial de crescimento entre 1999 e 2009 foi de 0,3%), a redução do nível geral de preços e as condições de financiamento favoráveis são os principais fatores que contribuíram para o acréscimo do consumo na última década. Conclui-se que o ligeiro ajustamento do consumo para níveis mais baixos e a desaceleração do crescimento do rendimento disponível em 2009, num contexto de recessão, assinala aquela que deverá ser a tendência a partir de 2011.
Assiste-se assim a uma mudança de paradigma, com o modelo económico a deixar de se focar em fatores dinamizadores da procura e a focar-se crescentemente em fatores dinamizadores da oferta. A evolução da procura externa líquida passará a ser determinante na atenuação de efeitos recessivos que decorram do processo de ajustamento da procura interna.
Um novo equilíbrio de consumo poderá implicar uma recomposição da respetiva estrutura. Embora a mesma possa ser muito específica a cada região e tenha subjacente uma multiplicidade de fatores, faz sentido uma análise comparativa com outros Estados-Membros europeus como referência das possíveis alterações nos padrões de consumo.
Nos últimos dez anos, Portugal foi um dos países europeus cujo peso da componente consumo no PIB real mais cresceu, contrariando a tendência da média europeia.
O peso do consumo no PIB em Portugal aumentou cerca de 4% em dez anos. O valor de 2010, 10% acima da média europeia, demonstra que Portugal divergiu face aos principais Estados-Membros, acentuando uma diferença que já se verificava no início da moeda única.
Também a composição do consumo das famílias portuguesas mudou ao longo da última década. Entre 1999 e 2007, verificou-se um aumento do peso de categorias como habitação e a energia (+1,8%), lazer e cultura (+1,2%) e a restauração e hotelaria (+1,2%), em detrimento de categorias como o vestuário (-1,8%), o transporte (-0,9%) e o mobiliário (-0,8%).
Estas alterações poderão corresponder a mudanças culturais e de hábitos, mas também decorrem de uma maior acessibilidade a bens e serviços de consumo de menor custo.
Se tomarmos como referência a evolução da estrutura de consumo média europeia (AMECO), observamos que, contrariamente a Portugal, os países europeus moderaram na última década o consumo de bens e serviços de lazer e hotelaria, o que demonstra que Portugal também divergiu em categorias de consumo mais voláteis e sensíveis à evolução da conjuntura económica e do rendimento disponível.
Um estudo de 2009 do Eurostat mostra que durante a crise de 2008, os consumidores europeus alteraram os seus hábitos de consumo. Dentro do que seria de esperar, em média os consumidores europeus substituíram bens/serviços de lazer e bens de equipamento, nomeadamente telecomunicações, por bens de primeira necessidade (alimentação e saúde).
Na última década, o crédito bancário teve um desenvolvimento expressivo, enquanto suporte da evolução do consumo das famílias e da atividade dos diversos setores de atividade. O crédito total concedido às sociedades não-financeiras nos últimos dez anos apresentou uma tendência crescente até 2008, tendo registado um ligeiro abrandamento em resultado da crise financeira e económica. Os setores de atividade que registaram um aumento da sua quota-parte do crédito neste período foram o setor da hotelaria e restauração, o imobiliário, a construção e os transportes. Estes setores associam-se a parcelas importantes do cabaz de consumo português ou viram o seu peso aumentar na estrutura do consumo ao longo da década passada.
Do cruzamento destas informações, surgem indicações não surpreendentes sobre as classes de consumo cujo ajustamento poderá ser mais incisivo a médio prazo: a despesa em lazer e bens duradouros, pelo peso relativo que representam na estrutura do consumo em Portugal, evolução relativa nos últimos anos e natureza mais discricionária e pró-cíclica. Esta correção do consumo e das respetivas componentes terá repercussões na evolução relativa de vários setores da economia e no mercado do crédito, direta e indiretamente, por via da procura dirigida aos setores.
Neste contexto defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:
- Reforçar os mecanismos de informação financeira aos consumidores
- Conferir mais capacidade às entidades reguladoras e alterar os mecanismos de resolução de litígio em matéria de consumo