27 desafios

511 recomendações

Desafio 1

Consagrar uma democracia mais participada e uma representação política mais responsabilizada

Num momento de crise económica e de crise de identidade, nacional e europeia, é fundamental estimular a participação cívica e assegurar um debate transparente e aberto sobre as escolhas políticas, evitando que a insatisfação se transforme em deriva antidemocrática.
 
Tem pois de encarar-se este verdadeiro problema, na perspetiva do desígnio assumido pela Plataforma para o Crescimento Sustentável (PCS) de levar a democracia mais longe, à luz do princípio por ela afirmado, na sua Carta Constitutiva, de que é da razão e do mérito que deve emergir o poder, que só com transparência pode ser exercido.

Participar é fazer parte de uma sociedade e tomar parte no desenvolvimento desta, segundo os princípios de que quem participa deve ser ouvido, deve estar informado e deve ter retorno quanto aos resultados do seu contributo. E isto é válido na relação dos cidadãos com os órgãos e agentes do sistema político (nacional, local e europeu), com as organizações e os movimentos cívicos, com os serviços públicos e com os seus interlocutores no mundo do trabalho.

No âmbito da reflexão amplamente participada que fundamenta o presente Relatório, a PCS perspetiva o essencial da regeneração do sistema político português em termos coerentes com a premência de uma maior participação cívica que aquela regeneração pressupõe e apresenta aqui os termos e os fundamentos da sua proposta para uma nova cultura política em Portugal.

Fá-lo à luz da ambição de uma sociedade em que os cidadãos são estimulados a participar de forma plena e ativa, proativa e reativa, na certeza de que através do seu envolvimento podem fazer a diferença, seja a que escala for.

E fá-lo também na convicção de que é possível avançar para novas posturas de representatividade, assegurando maior responsabilização e proximidade dos eleitos para com os eleitores, numa democracia mais exigente, mais participada, mais responsável e mais transparente, em que se reconheça e promova a responsabilidade e a influência das instituições intermédias no fortalecimento da sociedade civil, qual condição de liberdade desta.

Neste contexto, defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:

  • Promover a participação direta dos cidadãos na definição e aplicação das políticas públicas
  • Contribuir para uma sociedade liberal e estruturada a partir da autonomia individual responsável
  • Valorizar as instituições da sociedade civil e garantir as condições de liberdade e responsabilidade dos cidadãos
  • Institucionalizar novos mecanismos de participação cívica
  • Reforçar a relação entre os representantes políticos e os eleitores
  • Assegurar a transparência e escrutínio de quem exerce e como exerce funções públicas

Orientações Estratégicas

Inexistindo sucedâneo viável para a democracia, é muito preocupante o mal-estar que se vive em relação a inúmeros problemas políticos, sociais, económicos, culturais e ambientais a que aquela não tem sabido responder. Esta resposta só poderá obter-se através de mais e melhor participação de todos quantos hoje influenciam de facto a governação: políticos, instituições intermédias, comunicação social e cidadãos.

A participação cívica deve promover-se e estimular-se, mais do que disciplinar-se ou impor-se. A participação ocorrerá se o sistema político a ela se abrir, numa efectiva democratização do Estado e da sociedade, implicando uma governação mais transparente nos conteúdos e nos fundamentos, serviços públicos abertos e a criação de espaços de efetiva participação dos cidadãos na preparação das decisões públicas e no acompanhamento da sua execução.

O que importa é estimular uma cultura de participação, cooperação e decisão colaborativa, com cidadãos estimulados a participar e decisores estimulados a promoverem a participação daqueles.

Os cidadãos participarão mais quando sentirem que essa participação pode fazer a diferença no seu bairro, na sua associação, na sua escola, no seu município, no seu País ou até à escala supranacional. O decisor proporcionará oportunidades de participação porque sabe que as suas decisões serão tão mais eficazes quanto maior for a partilha de informação e o envolvimento da sociedade civil no processo decisório.

A democracia não é meramente formal mas também já não é meramente representativa. A democracia tem de ser participada e a democracia representativa tem de ser responsabilizada.

Dos estudos públicos sobre a participação, a nível nacional e europeu, conclui-se que os portugueses rejeitam a ideia de que as eleições sejam o aspeto central da avaliação que fazem da qualidade da sua participação e do seu envolvimento no sistema político.

Consideram existir outros fatores substancialmente mais importantes para a avaliação do que seja uma boa democracia (com importância redobrada à escala territorial de proximidade), nomeadamente a disponibilidade dos eleitos face ao contacto dos eleitores, a disponibilidade da informação necessária para se fazerem boas escolhas e se responsabilizar quem governa ou a existência de algumas condições básicas de exercício da cidadania, sejam elas legais, culturais ou sociais.

É ainda possível concluir que os portugueses tendem a confiar pouco nas suas instituições. [1] Trata-se de uma constatação preocupante uma vez que as quebras de confiança conduzem a menor comprometimento com a vida coletiva e comunitária.

Mas a grande conclusão a extrair é a de que em Portugal existe ainda um longo caminho a percorrer até se atingir uma cultura de participação e uma prática participativa plena; e que quando tais cultura e prática acontecem são globalmente benéficas, em termos de coesão social e de acerto e aceitação das decisões públicas.

É o que se constata quando os munícipes são envolvidos na formulação de decisões locais; quando os trabalhadores têm oportunidade de contribuir para a resolução dos problemas nas suas empresas; quando as associações e os movimentos cívicos são tidos como parceiros na identificação de problemas e na procura de soluções.

é hoje relativamente consensual ser mais do que improvável o sucesso do desenvolvimento sustentável sem o envolvimento da sociedade civil, o que implica naturalmente uma mudança de paradigma na organização desta.

A responsabilidade de transformar a participação num processo de maior significado, realizado com regularidade e naturalidade e com real capacidade de influenciar a mudança cabe tanto ao Estado como a todos os atores da sociedade civil.
E as escolas, concebidas como uma comunidade local essencialmente participada e participativa para um serviço público educativo de excelência, devem não só dar o exemplo de um tal tipo de organização colaborativa, como solidificar nas crianças e jovens uma cultura responsável de envolvimento e participação nos problemas, nas soluções e nos respetivos processos de negociação, decisão e verificação dos resultados, pois, como disse António Sérgio, “para se aprender a cidadania é mesmo indispensável praticar a cidadania nos contextos de aprendizagem”.

As escolas, dentro e para além delas, são verdadeiros portais de disseminação dos valores e procedimentos próprios de uma cultura democrática sustentável. Importará investir, por exemplo, na ciência participativa, mobilizando as crianças e jovens e os professores e demais comunidade escolar para a produção e tratamento da informação e dos dados sobre sustentabilidade nas suas várias vertentes, assim comprovando práticas, experiências e conhecimentos com investigação científica e assim exercitando a cidadania sustentável e a participação cívica junto das comunidades envolventes.
Por outro lado, a participação pode ser estimulada, quer através de medidas setoriais e direcionadas a um público-alvo concreto, quer através da concretização de instrumentos transversais, cuja massificação – em termos geográficos e etários – contribuirá para demonstrar a diversidade da prática da participação e para a tornar mais recorrente e espontânea.

Referimo-nos a ações de sensibilização e cativação dos cidadãos para o valor das diferentes formas de participação. Referimo-nos à disponibilização de ferramentas web de envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão (crowdsourcing); para além das redes sociais, o crowdsourcing permite o lançamento de um desafio aos cidadãos utilizadores daquelas redes e a canalização organizada da sua criatividade para uma tarefa específica ou para uma resolução de um problema concreto.

Referimo-nos à simplificação (eventualmente certificada) da linguagem escrita, visando uma compreensão mais generalizada e imediata da documentação e uma tomada de decisão mais informada por parte dos cidadãos, área em que muito pode ser feito ainda que sem prejuízo do rigor técnico necessário.

Ou referimo-nos ao consumo colaborativo, uma nova prática comercial que possibilita o acesso a bens e serviços sem que haja necessariamente uma aquisição, porque compartilhar, emprestar, alugar e trocar substituem o verbo comprar, indo de encontro às principais tendências deste início de século, resultantes da crise económica e de uma nova cultura de maior sustentabilidade, e gerando o ressurgimento do sentido de pertença a uma comunidade e de participação colaborativanela, mais cimentando a seriedade e a confiança dos participantes e a dimensão social da propriedade. Tudo áreas em que há bons exemplos comparados.


RECOMENDAÇÕES

  • Conferir mais transparência e abertura por parte dos serviços públicos, assegurando espaços de efetiva participação dos cidadãos na preparação das decisões públicas e no acompanhamento da sua execução.
  • Fazer da escola um exemplo na solidificação, nas crianças e jovens, de uma cultura responsável de envolvimento e participação nos problemas, nas soluções e nos respetivos processos de negociação, decisão e verificação dos resultados. A participação de alunos nos conselhos gerais de agrupamentos e nos conselhos pedagógicos das escolas, o investimento na ciência participativa, o envolvimento das crianças e jovens na definição da visão e missão da escola ou mesmo na elaboração de estratégias mais abrangentes, são algumas formas de envolvimento que garantem a devolução de resultados aos alunos.
  • Estimular a participação dos cidadãos através de medidas setoriais e direcionadas a um público-alvo concreto como, por exemplo, através de um maior envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão crowdsourcing (canalização organizada da sua criatividade para uma tarefa específica ou para uma resolução de um problema concreto) e no desenvolvimento do consumo colaborativo (uma nova prática comercial que possibilita o acesso a bens e serviços sem que haja necessariamente uma aquisição, porque compartilhar, emprestar, alugar e trocar substituem o verbo comprar).

 



[1] O estudo European Social Survey (2002 a 2008), demonstra que no caso concreto do índice de confiança dos cidadãos nos respetivos Parlamentos, 35% dos portugueses confiam muito pouco ou nada nesta instituição, sendo que na Dinamarca este índice é de 4% e em Espanha de 16%.

 

Portugal vive em crise. Ela é o resultado de debilidades estruturais hoje não mais disfarçáveis, cuja correção reclama um novo processo de decisão política, compatível com as exigências de uma sociedade emancipada, que não abdica da concertação do interesse geral nacional e das respetivas políticas de desenvolvimento, que já não podem deixar de ser explícitas quanto ao modo, ao tempo, aos meios e aos objetivos.

Uma sociedade emancipada é uma sociedade liberal e estruturada a partir da autonomia individual responsável, em que são tão incontornáveis as liberdades individuais quanto os conflitos entre as mesmas, a impossibilidade de todas satisfazer e a necessidade de critérios valorativos de opção e de síntese entre elas, base da formulação do interesse geral e do desenvolvimento.

Não é uma sociedade moralista mas também não é uma sociedade eticamente neutral. É uma sociedade capaz de maximizar a liberdade individual delimitando-a no respeito por processos transparentes e participados de decisão sobre as políticas públicas de desenvolvimento, suportados na vitalidade cultural dos cidadãos e na sua capacidade de valoração relativa das diferentes visões e opções sobre o devir coletivo.

Não é uma sociedade unanimista mas é uma sociedade plural e complexa e, ainda assim, capaz de identificar com justiça o interesse geral a prosseguir, utilizando mecanismos de gestão de conflitos e de geração de sínteses, num debate democrático fundamentado para a concertação de opções entre as diferentes conceções desse interesse geral.

Uma sociedade democrática deixará de ser uma sociedade aberta e livre quando a conformação dos variados interesses sociais ocorra sem a legitimidade resultante da concertação do que deva ser a síntese da pluralidade e, quando necessário, mediante a objetivação de valores enformadores dessa síntese.

Como a PCS afirma na sua Carta Constitutiva, precisamos em Portugal de “afirmar uma sociedade de valores e de consciências: Mais do que uma sociedade do conhecimento precisamos de uma sociedade de consciências, reabilitando a visão humanista e personalista, adequando-a aos desafios do nosso tempo”. E aí mesmo se alerta para que “a sociedade portuguesa não está imune aos sintomas da cultura materialista e individualista, dado o empobrecimento do bem-comum e da cidadania, o totalitarismo de uma sociedade de lazer e de direitos, a preferência pelo relativismo em detrimento dos valores, as derivas dos oportunismos à custa do aniquilamento da responsabilidade eticamente fundada, o culto do imediato e do curto-prazo em desfavor da reflexão prospetiva, a apropriação dos direitos das gerações futuras por parte das atuais gerações, a falta de sentido comunitário”.     

Pensarmos estrategicamente o País é anteciparmos o nosso futuro a partir do que hoje construímos nos contextos existentes e face a objetivos traçados; não é, de todo, construirmos hoje a partir do futuro que procuramos adivinhar. Dada a premência da mudança estrutural a empreender, é urgente que o País reconheça haver melhorias sensíveis a concretizar na operacionalização da nossa democracia, procurando que a decisão da maioria, em si mesma legítima, se legitime também no interesse geral da nação. O que implica uma sólida perceção, jurídica e política, do processo de as sociedades liberais erigirem nos tempos de hoje um rumo suficientemente estável de governação pelo interesse geral.

A PCS toma posição sobre um tal processo e sobre o debate moderno relativo ao liberalismo – assente que está a insuficiência da visão clássica – que nele se pressupõe.

Assumindo uma visão de liberalismo ético, a PCS testemunha, quer o perigo da indiferença axiológica do neutralismo no condicionamento da ação política, quer a insuficiência da perspetiva, dita realista, dos meros procedimentos de expressão da pluralidade de valores e interesses.

Não confundimos a liberdade com a democracia, não desistimos da sociedade justa e não concebemos a ação política como mero reflexo deontologicamente vazio dos interesses de facto prevalecentes.

Concebemos a democracia certamente como uma plataforma de expressão da pluralidade de valores e interesses; mas concebemo-la simultaneamente como uma plataforma de legitimação substantiva da liderança política, isto é, de afirmação do mérito político pela revelação de uma estratégia concretizável para o país e de demonstração do merecimento da mesma como programa de governo.

RECOMENDAÇÕES

  • Contribuir para uma sociedade liberal e estruturada a partir da autonomia individual responsável, em que são tão incontornáveis as liberdades individuais quanto os conflitos entre as mesmas, a impossibilidade de todas satisfazer e a necessidade de critérios valorativos de opção e de síntese entre elas, base da formulação do interesse geral e do desenvolvimento.
  • Afirmar a democracia não só como uma plataforma de expressão da pluralidade de valores e interesses mas também como uma plataforma de legitimação substantiva da liderança política, isto é, de afirmação do mérito político pela revelação de uma estratégia concretizável para o País e de demonstração do merecimento da mesma como programa de governo.

Sendo a questão atual do liberalismo, como já se deixou antever, a dos procedimentos políticos capazes de assegurarem a expressão, ampla e fidedigna, das opções individuais de liberdade, visando a legitimação substantiva – não apenas adjetiva – do rumo do devir da comunidade, o conteúdo ético e político da liberdade anda ligado a uma norma de conduta do liberalismo, traduzida na assunção da autonomia humana responsável como um bem em si mesmo e pressupondo uma orientação apriorística do Estado para garantir a cada indivíduo uma efetiva igualdade de oportunidades na formação completa do seu ser, qual condição da expressão ética na concertação do interesse geral, através de processos políticos de expressão plural, nos quais se confrontam diferentes conceções de bem, incluindo no compromisso entre diferentes gerações (ética do futuro).

Diz sobre este ponto a Carta Constitutiva da PCS: “É tempo de à sociedade dos direitos suceder uma sociedade dos direitos e dos deveres, da liberdade e da responsabilidade, da confiança nas instituições e nas comunidades. Uma sociedade estribada na liberdade dos presentes, sem pôr em causa os direitos dos vindouros. Uma sociedade estruturada na ética do futuro: a ética que, aplicada no tempo presente, reabilita o tempo futuro. Uma sociedade que pugna pela solidariedade entre gerações”.   

Uma outra condição de liberdade essencial reside na existência de um leque aberto de instituições intermédias, mediadoras da relação entre o indivíduo e o Estado, capazes de apurarem progressivamente a reflexão ética em torno do interesse geral e de assim contribuírem para a coesão social de modo sistemático e endógeno.

Mas não se pretende uma sociedade consolidada se não for também uma sociedade aberta, emancipada e participativa.

Para que aquela consolidação possa constituir-se em fator de aprofundamento democrático (abertura, emancipação e participação), isto é, para que as referidas instituições intermédias sejam motor de liberdade individual e não de constrangimento ou manipulação é vital que elas gerem reflexão estratégica e deontológica conclusiva, sendo plenamente plurais e assegurando a formação plenamente participada da sua vontade coletiva, e que exerçam efetivamente todas as funções que para elas possam ser devolvidas, em termos territoriais ou funcionais, numa opção deliberada de subsidiariedade.

Em suma, sendo as instituições intermédias estruturas essenciais à participação dos cidadãos, é fundamental que assegurem as condições que proporcionem aos participantes uma experiência positiva, de intervenção livre e emancipada e não de constrangimento corporativo.

Das instituições intermédias – e, dentre elas, dos partidos políticos – depende muito do fechamento atual da sociedade portuguesa; mas também só delas poderá depender a abertura que se ambiciona da sociedade portuguesa porque, se funcionarem como devem, serão elas a poder garantir grande parte da expressão da liberdade individual responsável, qual direito-dever individual de participação cívica e de intervenção na construção da vida civil de Portugal.

O ímpeto dos cidadãos para se envolverem em processos participativos prende-se sobretudo com a defesa de convicções, com a preocupação com uma questão concreta, com a partilha de interesses, que não meramente profissionais, ou com a vontade de usar uma competência para um fim altruísta.

A existência de instituições intermédias – organizações associativas e movimentos, locais, nacionais, transnacionais ou internacionais, formais, não formais ou informais – constitui um veículo importante para pôr em prática aquele ímpeto motivacional dos cidadãos interessados em ter um papel mais ativo, pois elas podem disponibilizar recursos, know-how, organização e apoio logístico e permitir a geração de massa crítica.

As instituições intermédias são assim, muito frequentemente, a porta de entrada dos cidadãos nos processos participativos; mas entre cidadãos, instituições intermédias e Estado tem de existir confiança e os processos participativos têm de ter qualidade.

Nesse sentido, as instituições intermédias têm, como se sublinhou, de funcionar democraticamente, têm de estar dotadas de meios que lhes permitam agir como plataformas da participação ativa e têm de dispor de competências capazes de promover debate e formalizar conclusões.

Mas têm igualmente de se autorregular em termos que permitam escrutínio e accountability, não apenas numa perspetiva de prestação de contas, mas sobretudo de resposta permanente e transparente a quem participa, seja contribuindo seja beneficiando, sobre o grau de concretização dos compromissos assumidos e de envolvimento neles dos respetivos membros.

Ferramentas como regulamentos de funcionamento equilibrados e garantes de processos transparentes, códigos de ética e conduta, relatórios certificados com independência e plena informação online são determinantes para atestar a qualidade da gestão e do funcionamento das instituições, para granjear confiança e para criar e generalizar uma cultura diferenciadora de boas práticas.

Por outro lado, o chamado “terceiro setor” deve ver reforçada a sua atuação, através da valorização das sinergias com o Estado e da potenciação da complementaridade entre ambos, implicando isso partilha mútua e atempada de informação sobre objetivos e ações para os concretizar e igualmente envolvimento recíproco nas decisões públicas em matéria social e de utilidade pública. A contratualização de funções entre o Estado e o “terceiro setor” tem aliás vantagens reconhecidas ao nível da capacitação, organização e autonomização deste e da melhoria dos serviços disponibilizados aos cidadãos, numa lógica de maior proximidade e individualidade, sem prejuízo da transparência, da monitorização e da avaliação públicas.

RECOMENDAÇÕES

  • Garantir o funcionamento democrático das instituições intermédias, enquanto plataformas de participação ativa, e o seu escrutínio e accountability, não apenas numa perspetiva de prestação de contas, mas sobretudo de resposta permanente e transparente a quem participa, seja contribuindo seja beneficiando, sobre o grau de concretização dos compromissos assumidos e de envolvimento neles dos respetivos membros.
  • Assegurar, no âmbito das instituições intermédias, a existência de ferramentas para atestar a qualidade da gestão, para granjear confiança e para criar e generalizar uma cultura diferenciadora de boas práticas, tais como regulamentos de funcionamento equilibrados e garantes de processos transparentes, códigos de ética e conduta, relatórios certificados com independência e plena informação online.
  • Reforçar a contratualização de funções entre o Estado e o “terceiro setor” que tem, aliás, vantagens reconhecidas ao nível da capacitação, organização e autonomização deste e da melhoria dos serviços disponibilizados aos cidadãos, numa lógica de maior proximidade e individualidade, sem prejuízo da transparência, da monitorização e da avaliação públicas.
  • Promoção de métodos de participação que aumentem a confiança dos cidadãos nas associações. É importante focar no fortalecimento da vertente democrática destes fóruns dotando-os de meios para que possam agir como plataformas da participação ativa. Temos de apostar na capacitação de técnicos e associações dotando-os de know-how em matéria de facilitação e dinamização de debates, de estímulo à partilha de opiniões de participação ativa e de competências de liderança e empreendedorismo, com visto a um exercício de cidadania mais responsável e sustentável.

O aprofundamento da qualidade da democracia portuguesa não dispensa uma reflexão crítica sobre o próprio sistema político que a operacionaliza, partindo da assunção de que a regeneração política implica uma participação dos cidadãos cada vez mais intensa, responsável e exigente, capaz de impor padrões de qualidade, de verdade e de rigor na cultura política e no perfil e no desempenho dos políticos, reclamando uma governação em prol do interesse geral e recusando a sismografia da opinião pública ou publicada.

E não basta afirmar esta necessidade de participação renovada dos cidadãos na vida política; é necessária uma orientação deliberada para ela, que assenta, antes de tudo, nas políticas de qualificação dos recursos humanos. A regeneração da democracia portuguesa implica, pois, a criação de mecanismos de participação que estimulem o exercício de uma cidadania ativa e autónoma. Um Estado mais democrático, com os cidadãos a participarem nas decisões da vida política e pública e a controlarem a ação governativa, é um desígnio da modernidade.

A Constituição e a lei já preveem a possibilidade de os cidadãos apresentarem, não apenas petições aos órgãos do Estado e iniciativas de referendo, mas também iniciativas legislativas à Assembleia da República. O Tratado de Lisboa veio prever uma iniciativa deste tipo a ser dirigida à Comissão Europeia; e, em geral, importa aproximar os cidadãos das instituições da União Europeia, nomeadamente ativando as ferramentas do Tratado de Lisboa em matéria de cidadania política, entre o mais responsabilizando ativamente os parlamentos e os partidos políticos nacionais sobre a construção europeia.

Aquelas possibilidades de iniciativa legislativa dos cidadãos são da maior importância, devem ser juridicamente repensadas e melhoradas – nomeadamente diminuindo realisticamente o número mínimo de cidadãos seus subscritores e apurando o processo de estes acompanharem a tramitação legislativa respetiva – e devem acima de tudo ser usadas com maior frequência, competindo aqui um papel determinante a organizações intermédias como as universidades, incluindo especialmente as faculdades de direito, as ordens profissionais e os parceiros sociais, sem esquecer movimentos organizativos específicos gerados no seio da sociedade civil.

Paralelamente, tal número mínimo de cidadãos deverá poder requerer ao Tribunal Constitucional a declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade das leis com força obrigatória geral.

Os cidadãos devem poder pronunciar-se em referendo, de natureza vinculativa ou consultiva, dependendo da matéria, sobre as decisões políticas relativas às grandes opções estratégicas para o devir da sociedade portuguesa, tipificadas constitucionalmente, como em matéria de segurança nacional, incluindo a alimentar e energética, de funções do Estado e serviço público ou de sistema monetário e estrutura da tributação (não nos referimos, obviamente à cobrança de impostos).

Se quisermos primar pela qualidade da nossa Administração Pública devemos apostar numa relação de maior cooperação entre prestadores de serviços e utentes, assumindo que os cidadãos podem ter um papel de coprodutores de serviços públicos. Os painéis de cidadãos que acompanham o desenvolvimento de determinados serviços públicos e que interagem com os responsáveis pelos mesmos permitem identificar falhas e sugerir melhorias, qual contributo para o aperfeiçoamento constante de todo o setor público prestador de serviços.

Ao nível local é importante envolver os munícipes na formulação da respetiva estratégia de desenvolvimento e estreitar a cooperação entre eles e os órgãos autárquicos e seus titulares, segundo princípios de horizontalidade dos processos de tomada de decisão. Neste aspeto, Portugal deve abalançar-se a uma nova abordagem, mais apostada na criação de fóruns híbridos, compostos por organizações autárquicas, organizações da sociedade civil e por cidadãos, numa lógica mais espontânea, espoletada por processos de Agenda 21 Local ou através de modelos mais formais como os conselhos municipais de políticas públicas, visando estreitar a cooperação entre munícipes e dirigentes locais na procura de soluções e na gestão dos recursos, mediante a participação no debate inerente ao processo decisório sobre temas estratégicos da vida local e a ampliação da monitorização do público sobre a ação governativa de cada circunscrição territorial.

E há espaço para se desenvolver com solidez, paulatinamente, a experiência dos orçamentos locais participativos, com verdadeira dimensão deliberativa, o que requer a sedimentação de métodos e práticas, com suporte em guiões procedimentais bem estruturados.

A modernização do mundo empresarial suporta-se hoje também em fatores como o grau de autonomia no trabalho, de oportunidade de capacitação, de liberdade criativa e de participação. A participação dos trabalhadores na vida da sua empresa traduz-se no aumento da sua satisfação e do seu sentimento de pertença, no reforço do seu compromisso para com os resultados coletivos e na consolidação da coesão interna. No entanto, o envolvimento dos trabalhadores e o estímulo à sua participação só serão eficazes se conduzidos de forma correta e orientados para o aumento da motivação, do conhecimento e das competências e para a concretização de mecanismos de auscultação para a tomada de decisão capazes de gerar o sentimento de envolvimento nela, seja ao nível mais estratégico, seja na resolução de problemas concretos.

Por outro lado, a criação de oportunidades de voluntariado em grupos de trabalhadores permite que estes se centrem numa outra realidade para além da sua empresa, quebrando rotinas, valorizando o altruísmo, potenciando a cultura de colaboração e fortalecendo o sentimento de pertença à organização que representam, tudo com um óbvio efeito de replicação desta cultura de responsabilidade, participação e colaboração no seio da própria empresa.

RECOMENDAÇÕES

  • Explorar plenamente a possibilidade de os cidadãos apresentarem, não apenas petições aos órgãos do Estado e iniciativas de referendo, mas também iniciativas legislativas à Assembleia da República e à Comissão Europeia (tal como previsto no Tratado de Lisboa). Nesse sentido deve ser reduzido o número mínimo de cidadãos subscritores e apurado o processo de estes acompanharem a tramitação legislativa respetiva. Paralelamente, tal número mínimo de cidadãos deverá poder requerer ao Tribunal Constitucional a declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade das leis com força obrigatória geral.
  • Conferir aos cidadãos o direito de poder pronunciar-se em referendo, de natureza vinculativa ou consultiva, dependendo da matéria, sobre as decisões políticas relativas às grandes opções estratégicas para o devir da sociedade portuguesa, tipificadas constitucionalmente, como em matéria de segurança nacional, incluindo a alimentar e energética, de funções do Estado e serviço público ou de sistema monetário e estrutura da tributação (excluindo a cobrança de impostos).
  • Reforçar o papel dos painéis de cidadãos que acompanham o desenvolvimento de determinados serviços públicos e que interagem com os responsáveis pelos mesmos de modo a identificar falhas e sugerir melhorias.
  • Envolver os munícipes na formulação da estratégia de desenvolvimento local e estreitar a cooperação entre munícipes e dirigentes locais, nomeadamente através: da criação de fóruns híbridos, compostos por organizações autárquicas, organizações da sociedade civil e por cidadãos; numa lógica mais espontânea, espoletada por processos de Agenda 21 Local; ou através de modelos mais formais como os conselhos municipais de políticas públicas.
  • Desenvolver, gradualmente, a experiência dos orçamentos locais participativos, com verdadeira dimensão deliberativa, o que requer a sedimentação de métodos e práticas, com suporte em guiões procedimentais bem estruturados.
  • Criar uma cultura empresarial que promova uma maior participação dos funcionários nas discussões relativas a algumas decisões estratégicas, abrindo espaço ao surgimento de novas ideias que melhorem o desempenho da organização. 

O exercício das funções políticas com maior proximidade relativamente aos cidadãos eleitores implica sobretudo uma maior responsabilização individual dos deputados perante os seus eleitores, através de uma componente de círculos uninominais no âmbito do nosso sistema proporcional, o que permitiria ainda clarificar a vocação do círculo nacional e dos respetivos deputados.

A Assembleia da República, sede da democracia representativa, deve constituir-se, a partir dos partidos nela representados, no espaço por excelência da consolidação do interesse geral, o debate político de natureza mais elevada, a ser feito com transparência e com auscultação permanente da sociedade e a ser nesta repercutido pela mão da comunicação social, num fluxo biunívoco e institucionalizado entre a sociedade e o Parlamento, mutuamente profícuo e responsabilizador. Só assim se valorizará os méritos da democracia representativa, se dignificará a função de deputado da nação, se responsabilizará as oposições e se evitará a tentação, perigosa, do sobredimensionamento da democracia direta.

Por outro lado, a PCS considera que a aproximação entre eleitores e deputados e a maior responsabilização política destes passa igualmente pela possibilidade de o voto traduzir, para além da escolha de um partido político, a escolha dos deputados concretos a eleger, independentemente da posição ocupada na lista apresentada pelo partido.

Conhecedora do contraditório em torno do voto eletrónico, a reflexão da PCS aponta para a clara vantagem do mesmo, pressupondo sistemas tecnológicos fiáveis. As vantagens do voto eletrónico, simultaneamente presencial e remoto, são notórias em termos de segurança da votação e apuramento dos resultados mas também em termos de comodidade e motivação do exercício do direito de votar, podendo contribuir para a diminuição da abstenção.

Sobre a abstenção, a PCS entende que deve, paralelamente à consolidação do voto eletrónico, evoluir-se juridicamente quanto aos efeitos da mesma. Assim, votar deve continuar a ser um direito e um dever cívicos a exercer livremente e sem obrigatoriedade. Mas como dever cívico essencial que é, votar deve corresponder juridicamente a um ónus para efeitos bem delimitados, isto é, deve assumir-se que quem se abstém de votar não deve poder aceder a muito específicas vantagens da vida do país, como, dentro de certo prazo, ser eleito ou subscrever petições aos órgãos do Estado, iniciativas de referendo ou iniciativas legislativas.

Importa ainda tirar consequências da distinção entre o voto em branco e a abstenção. Esta distinção é muito relevante pois o cidadão que vota optando por um voto em branco pretende, na maioria das vezes, transmitir tanto que acredita na democracia e que valoriza a eleição ou o referendo como que não se revê em qualquer das alternativas políticas apresentadas. Do voto em branco pode pois presumir-se um especial significado político, com leituras relativas à legitimidade emergente da votação. A PCS entende que os votos em branco devem ser contabilizados na eleição presidencial e no referendo, com a consequência de maior probabilidade de segundas voltas eleitorais, no primeiro caso, e de só se dever considerar vinculativa a resposta referendada que obtenha mais de metade dos votos não nulos. Por outro lado, nas eleições legislativas, regionais e autárquicas o apuramento oficial dos resultados deve simular, paralelamente e sem efeitos jurídicos, os mesmos resultados com contabilização dos votos em branco na atribuição de mandatos, permitindo assim ao País uma sensibilização sobre a verdadeira dimensão da legitimidade jurídico-política emergente dessas eleições.

RECOMENDAÇÕES

  • Aumentar a responsabilização individual dos deputados perante os seus eleitores, através de uma componente de círculos uninominais no âmbito do nosso sistema proporcional e da possibilidade de o voto traduzir, para além da escolha de um partido político, a escolha dos deputados concretos a eleger, independentemente da posição ocupada na lista apresentada pelo partido.
  • Consagrar o voto eletrónico, pressupondo sistemas tecnológicos fiáveis,  com vantagens ao nível da segurança da votação e apuramento dos resultados mas também em termos de comodidade e motivação do exercício do direito de votar, podendo contribuir para a diminuição da abstenção.
  • Legislar de forma a que, ainda que o voto deva continuar a ser um direito e um dever cívicos a exercer livremente e sem obrigatoriedade, se assuma que quem se abstém de votar não deve poder aceder a algumas específicas vantagens da vida do País, nomeadamente, subscrever petições aos órgãos do Estado, iniciativas de referendo ou iniciativas legislativas.
  • Contabilizar os votos em branco na eleição presidencial e no referendo, com a consequência de maior probabilidade de segundas voltas eleitorais, no primeiro caso, e de só se dever considerar vinculativa a resposta referendada que obtenha mais de metade dos votos não nulos. 

Revelam-se no funcionamento do sistema político português algumas questões prementes ligadas à credibilidade e respeitabilidade dos políticos e dos partidos e à necessidade de eliminação de quaisquer suspeições quanto à prossecução exclusiva do interesse público. Neste sentido, exige-se maior rotatividade na titularidade dos cargos políticos, a recondução do regime de imunidades dos políticos aos objetivos para que estas foram concebidas ou a imposição de códigos de conduta publicamente conhecidos.

Muito do que de criticável ocorre no sistema político português tem origem nos partidos políticos, por vezes meras coutadas de interesses ou guardas pretorianas das suas lideranças. Como alguém escreveu recentemente noutro país, a política gripou porque os partidos políticos conseguiram evitar assumir normas (de efetiva democraticidade, entenda-se) sobre o seu funcionamento interno.

Mas importa reconhecer, em contrapartida, que os partidos políticos são indispensáveis, pois que a regeneração da democracia portuguesa não pode deixar de passar por um novo modo de funcionamento dos mesmos, que permita aos portugueses neles se sentirem adequadamente representados, evitando a exteriorização abrupta de tensões sociais e a proliferação das pressões corporativas.

Sendo os pilares da democracia e a estrutura social intermédia fundamental em termos políticos, os partidos têm de comprometer-se exclusivamente com o interesse geral e, para isso, têm de tornar-se espaços de confluência do mérito, transparentes, abertos – não apenas aos militantes – e bem regulados internamente, com regras de funcionamento de todas as estruturas internas não discriminatórias e que gerem concorrência interna, com eleições primárias nas escolhas dos candidatos, com financiamento exclusivamente público, com despesas elegíveis legalmente tipificadas e com fiscalização e aprovação judicial dos financiamentos e das contas das respetivas campanhas internas.

Só esta nova cultura dará aos partidos políticos o sentido da austeridade do poder, o referencial ético (naturalmente segregador de quem não o demonstre) e a capacidade de reflexão, de visão de conjunto, de traçar rumos de desenvolvimento e de proposta devidamente concretizada quanto aos processos, aos meios, ao tempo e aos objetivos.

A ideia de que em Portugal a corrupção alastra sem controlo na política e na vida pública é, objetivamente, tão especulativa quanto muito perigosa. Os corruptos – políticos ou não, funcionários públicos ou não – devem ser punidos de acordo com a consagração penal do respetivo crime e no respeito pelos princípios basilares do direito penal. É uma muito má opção procurar dar resposta política àquele sentimento popular e populista de corrupção generalizada pela via não do verdadeiro e direto combate à corrupção mas antes da “invenção” de tipos criminais desrespeitadores daqueles princípios fundamentais do direito penal.

A transparência da vida pública e a prevenção global da corrupção deve conseguir-se sobretudo em termos transversais a toda a sociedade, paralelamente ao combate à fraude fiscal. O combate à fraude fiscal – na componente que depende apenas das opções políticas nacionais – deve caminhar em duas direções fundamentais, muito rigorosas e complementares, potenciadoras dos esforços e resultados que nesta matéria se têm vindo a verificar, incluindo quanto ao regime já existente das manifestações de fortuna ou acréscimos patrimoniais injustificados:

  • alargamento das obrigações fiscais periódicas de declaração patrimonial, que devem passar também a abranger tendencialmente todo o património mobiliário cuja transmissão gratuita fora do círculo familiar próximo está já sujeita a tributação; declaração que obviamente não implica por si tributação e que fica protegida pelo sigilo fiscal;
  • cruzamento informático automático (no respeito pelo regime do tratamento deste tipo de dados), em sistema tecnológico específico e protegido pelo sigilo fiscal e pelo segredo bancário, dos dados das declarações periódicas de rendimentos e das declarações periódicas patrimoniais acabadas de referir com a informação bancária do contribuinte, sem que aos resultados desse cruzamento possa ter acesso a Administração tributária, mas podendo esta, em contrapartida, solicitar informações adicionais para efeitos fiscais (e eventualmente sancionatórios) quando o referido cruzamento de dados revelar, também de forma automática, desconformidades. 

Os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos devem ter – como atualmente já têm em termos mais particulares – um ónus de publicitação das suas declarações fiscais periódicas de rendimentos e de património, sendo que em caso de desconformidades detetadas deve acrescer aos efeitos fiscais, contraordenacionais e criminais gerais que venham a suscitar-se de tal indício uma significativa penalização por causa da violação de uma obrigação de verdade declaratória que, em razão do imperativo de transparência que ela reclama, deve considerar-se determinante em democracia.

Por outro lado, é necessário que quem exerce funções políticas governativas e, em geral, cargos públicos disponha da autonomia inerente à própria noção de accountability. Nesse sentido, o princípio deve ser o da autonomia de decisão com escrutínio e responsabilização quanto aos fundamentos e resultados da mesma.

Dentro desta mesma lógica de autonomia para a responsabilidade de quem governa, é oportuno referir que o funcionamento do Tribunal de Contas não pode, de todo, direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente, contribuir para que a decisão política sobre a oportunidade e o mérito da despesa pública não seja integralmente assumida pelos governantes, pois trata-se de uma ponderação política e orçamental que compete essencialmente aos órgãos de governo devidamente fiscalizados politicamente e sujeitos ao escrutínio público. Em contrapartida, o julgamento da legalidade das despesas públicas e da contratação pública pelo Tribunal de Contas deve ser apurado, incluindo em matéria de recursos, com garantia sempre de um duplo grau de decisão.

Também a relação entre a comunicação social e a política tem de melhorar. É fundamental estabelecer mecanismos de estruturação de uma relação mais justa, equilibrada e transparente entre quem exerce o poder e quem informa, permitindo o acesso jornalístico às fundamentações documentadas das decisões, como contrapartida de um direito ao contraditório político imediato e com visibilidade equivalente à peça a contraditar.

O acesso dos cidadãos, incluindo investigadores, e das organizações intermédias aos fundamentos da decisão política e pública – salvaguardadas obviamente matérias classificadas nos termos da lei – é algo de decisivo para uma democracia participada e emancipada. Essa informação deve ser obrigatoriamente reduzida a escrito e ficar documentada e registada, independentemente do respetivo suporte, e à mesma devem os cidadãos ter acesso sem abuso. Portugal tem um regime de acesso aos documentos administrativos, mas é decisivo sedimentar esse acesso na prática constante, como sinónimo de uma cultura de cidadania responsável e de transparência política e pública, incluindo quanto à atuação dos órgãos de soberania.

Mas, não basta ter acesso à informação que enforma as decisões públicas. É fundamental reforçar a base científica das políticas públicas, devendo o Governo e o Parlamento agir como gestores de risco, envolvendo a comunidade científica na avaliação custo-benefício das iniciativas legislativas e suscitando a discussão pública das decisões de caráter estratégico. Trata-se de um tema decisivo para a qualidade da nossa democracia e para a correta perspetivação do interesse público. Decidir sobre o devir coletivo na base de uma legitimidade democrática exige – o que muitas vezes não acontece – fundamentação das decisões públicas com uma solidez técnica e científica inquestionável. E mais exige que este tipo de fundamentação constitua o núcleo central do processo, aberto e participado, de concertação do interesse geral. E muito se dignificaria o debate político e a informação pública se – quer na fase decisória, quer na fase de avaliação de resultados e de aferição de responsabilidades políticas – ambos passassem a incidir também sobre os fundamentos técnicos e científicos das escolhas públicas.

RECOMENDAÇÕES

  • Assumir uma visão integrada do combate à corrupção e fraude fiscal, conferindo a esse combate uma totalmente nova dimensão de obrigações preventivas e de instrumentos de controlo.
  • Legislar de forma a que os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos tenham – como atualmente já têm em termos mais particulares – um ónus de publicitação das suas declarações fiscais periódicas de rendimentos e de património, sendo que em caso de desconformidades detetadas deve acrescer aos efeitos fiscais, contraordenacionais e criminais gerais, que venham a suscitar-se de tal indício, uma significativa penalização por causa da violação de uma obrigação de verdade declaratória que, em razão do imperativo de transparência que ela reclama, deve considerar-se determinante em democracia.
  • Comprometer os partidos políticos exclusivamente com o interesse geral, tendo para isso, de tornar-se cada vez mais espaços de confluência do mérito, transparentes, abertos – não apenas aos militantes – e bem regulados internamente, com regras de funcionamento que gerem concorrência interna, com eleições primárias nas escolhas dos candidatos, com financiamento exclusivamente público, com despesas elegíveis legalmente tipificadas e com fiscalização e aprovação judicial dos financiamentos e das contas das respetivas campanhas internas.
  • Assegurar o acesso dos cidadãos, nomeadamente investigadores, e das organizações intermédias aos fundamentos da decisão política e pública – salvaguardadas obviamente matérias classificadas nos termos da lei. Essa informação deve ser obrigatoriamente reduzida a escrito e ficar documentada e registada, independentemente do respetivo suporte, e à mesma devem os cidadãos ter acesso.
  • Reforçar a base científica das políticas públicas, devendo o Governo e o Parlamento agir como gestores de risco, envolvendo a comunidade científica na avaliação custo-benefício das iniciativas legislativas e suscitando a discussão pública das decisões de caráter estratégico.