27 desafios
511 recomendações
Desafio 14
Tirar partido da economia verde, conservando e valorizando os recursos naturais
As alterações climáticas são um dos mais graves problemas com que a humanidade alguma vez teve que se deparar mas são também impulsionadoras da mudança urgente de um estilo de vida baseado num consumo de recursos naturais insustentável.
O desenvolvimento de tecnologias mais limpas, a par de um novo paradigma de consumo, terá de lançar as bases para a sustentabilidade do planeta e permitir a rápida transição para uma verdadeira economia verde. Uma economia cujo crescimento e emprego são orientados no sentido de reduzir as emissões de carbono e substâncias poluentes, promover a eficiência na utilização de recursos e prevenir as perdas de biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas.
Esta nova tendência internacional, recentemente assumida como ambição e compromisso pela quase totalidade dos países, incluindo Portugal, constitui uma oportunidade única para o país conciliar e aproveitar as sinergias, conhecidas mas muitas vezes pouco potenciadas, entre o crescimento económico e a sustentabilidade ambiental.
Ao ultrapassar largamente, em desafios e em geografia, a política ambiental europeia a que Portugal tem respondido, a transição para uma economia verde global cria novas oportunidades de mercado, de fixação e captação de investimentos e de preservação e valorização do património natural nacional.
Gera também o cenário ideal para uma nova abordagem e diferenciação do país nos mercados internacionais, onde as capacidades e padrões ambientais mais elevados passarão a representar uma vantagem competitiva em países além da zona euro.
Para tirar partido da economia verde, na área ambiental, Portugal terá que potenciar os seus recursos naturais, corrigir ineficiências e conseguir manter, e melhorar, as infraestruturas, serviços, empresas e profissionais do setor do ambiente onde o país investiu nos últimos anos e onde terá de continuar a investir. Atingir este desafio de forma economicamente sustentável, aproveitando as capacidades já desenvolvidas e superando os problemas ambientais ainda existentes, reduzindo e rentabilizando ao máximo o investimento público, implica tornar o país num exportador de produtos, serviços e soluções de alto valor acrescentado, acompanhados de uma melhor qualificação dos recursos humanos e valorização do conhecimento adquirido. Este salto para uma economia verde só será possível com um enquadramento empresarial e ao nível das políticas públicas que favoreça e incentive a qualidade e a inovação.
Os desafios da melhoria da eficiência na utilização de recursos, e todas as políticas e ações que para ela concorram, deverão ter presente a interdependência entre economia, bem-estar social e capital natural, ou seja, o desenvolvimento equilibrado dos três “pilares” da produtividade.
Neste contexto defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:
- Promover a conservação, valorização e eficiência na utilização dos recursos e serviços ambientais
- Concluir o ciclo de infraestruturação ambiental
- Envolver os cidadãos numa transição para a economia verde
- Desenvolver a inovação tecnológica na área das tecnologias limpas
Orientações Estratégicas
A utilização insustentável e as alterações introduzidas sobre os ecossistemas naturais têm sido responsáveis pela degradação ou depleção irreversível destes ecossistemas, afetando o seu importante papel de equilíbrio e regulação naturais e os serviços produtivos que proporcionam, de crescente importância a nível mundial, de que são exemplo os recursos alimentares, os produtos farmacêuticos, a disponibilidade de água ou as paisagens naturais.
A sua contínua degradação tem por isso impactes no ambiente mas também na qualidade de vida e na economia.
Para o evitar, e para potenciar a utilização sustentável do capital natural do país, é fundamental reabilitar os ecossistemas degradados, conhecer e conservar os recursos naturais de que dispomos, valorizando-os e utilizando-os de forma eficiente, encontrar na biodiversidade respostas inovadoras e geradoras de valor acrescentado e incentivar uma produção mais sustentável.
Portugal não é uma exceção à tendência internacional de sobre-exploração de recursos naturais, consumindo 3,5 vezes a quantidade de recursos que produz, bem acima da média Europeia que é de 1,6 (de acordo com o relatório National Footprint Accounts 2010). Por outro lado, os serviços prestados pelos ecossistemas como a biodiversidade, a fixação de carbono ou a depuração da água não são integrados na contabilidade convencional, no modelo económico atual.
Portugal tem ecossistemas e biótopos de elevada importância ecológica. No entanto, a sua conservação não tem sido uma prioridade, com perdas significativas de biodiversidade, destruição e fragmentação de ecossistemas. De acordo com o Instituto para o Ambiente e Sustentabilidade (IES) da Comissão Europeia, Portugal está entre os países da Europa que maiores perdas de conectividade de habitats registaram entre 1990 e 2006.
A utilização eficiente de recursos, ou seja, a criação de valor por quilograma de matérias consumidas, é também fundamental. Portugal tem a este nível um desempenho que se situa como o 3º pior desempenho dos países da UE-15. Para estes dados contribui também a baixa eficiência ao nível da reutilização de recursos (e também da utilização do recurso solo), com 62% dos resíduos municipais gerados no país terem como destino o aterro, um valor muito acima da média Europeia (na UE-27 é aproximadamente 40%, segundo dados de 2008 da Agência Europeia do Ambiente). Em Portugal apenas 12% dos resíduos são sujeitos a reciclagem material e 7% a reciclagem orgânica (Eurostat, 2012).
RECOMENDAÇÕES
- Valorizar os serviços prestados pelos ecossistemas em Portugal, integrando o seu valor no cálculo do PIB, implementando um sistema de remuneração desses serviços e de créditos de habitat e definindo um modelo de gestão económica e financeira sustentável para parques e reservas naturais.
- Assumir como prioridade a conservação da natureza e da biodiversidade. Rever com urgência a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, acompanhando a nova Estratégia Europeia e respetivas metas até 2020. Manter, recuperar e potenciar os ecossistemas e os seus serviços, recuperando até 2020 mais de 15% dos ecossistemas degradados, através do estabelecimento das infraestruturas verdes adequadas.
- Completar a rede fundamental e complementar de conservação da natureza, desconcentrando a sua gestão e envolvendo as Autarquias e as organizações não governamentais de defesa do ambiente, assegurando os incentivos financeiros adequados através da Lei das Finanças Locais, num quadro de neutralidade fiscal.
- Acelerar a implementação da Diretiva Quadro da Água e dos Planos de Gestão de Bacias associados, como instrumento político-administrativo fundamental para o garante da preservação dos recursos hídricos nacionais e do uso sustentável da água.
- Concretizar, no curto prazo, um programa efetivo de recuperação de passivos ambientais, restauro de ecossistemas e habitats degradados e promoção da conectividade, e evitar a criação de novos passivos ambientais, incluindo novos aterros de resíduos sólidos.
- Atuar ao nível da legislação e do sistema financeiro para a promoção de um novo modelo económico e empresarial sustentável, dando um sinal de preço, de forma a refletir os custos ambientais nos preços dos produtos e serviços.
- Promover incentivos de mercado para produtos e processos produtivos sustentáveis, através da integração de mecanismos fiscais ambientais e instrumentos nacionais e sectoriais de controlo sobre o uso de recursos e de rotulagem e informação dos consumidores.
- Implementar um sistema de créditos de biodiversidade através do qual os proprietários, que protejam e valorizem a biodiversidade, recebem créditos que podem vender aos agentes económicos de modo a que estes possam compensar os prováveis impactes na biodiversidade causados pelos respetivos projetos. Este sistema não substituirá o escrupuloso respeito pela legislação europeia e internacional relativa à proteção dos habitats e das espécies. Trata-se apenas de compensar os impactes ambientais considerados aceitáveis pela atual legislação.
- Ambicionar novos padrões de sustentabilidade: aumentar, em cerca de 4 vezes até 2020, a eficiência na utilização de recursos, correspondendo a 0,93 €/kg de criação de valor por matérias-primas consumidas; assegurar que, até em 2020, 40% de produtos e serviços portugueses no mercado têm rotulagem ecológica, certificação ambiental ou outra, que permita a decisão consciente; atingir um rácio pegada ecológica/biocapacidade entre 2,15 e 2,75 em 2020.
Portugal, com o apoio da União Europeia, realizou ao longo dos últimos anos avultados investimentos na criação de sistemas dedicados à resolução de problemas ambientais, em particular infraestruturas para abastecimento de água, saneamento de águas residuais e tratamento e valorização de resíduos, contribuindo para um forte incremento na qualidade de vida dos cidadãos nacionais, e para a conformidade com os parâmetros europeus e exigências comunitárias.
Como resultado deste esforço, desenvolveu-se também um setor económico relevante – através da criação de um número muito elevado de entidades prestadoras destes serviços e de um tecido empresarial com elevado potencial de crescimento – que importa assegurar e dinamizar no quadro da economia verde, a que acresce também a importância económica destes sistemas.
Em 2010, de acordo com o Relatório Anual do Sector de Águas e Resíduos em Portugal, o mercado concessionado dos serviços de águas e resíduos representou cerca de 919 milhões de euros, o que significa 0,53% do produto interno bruto (PIB) nacional.
No entanto, após os elevados investimentos já realizados, as estimativas mais conservadoras apontam ainda para necessidades de investimento igualmente significativas para o período 2007-2016 (3.800 milhões de euros no setor das águas entre 2007-2013 [1] e 805 milhões no setor dos resíduos para o período 2007-2016 [2]).
Além disso, Portugal depara-se hoje com um problema de sustentabilidade económico-financeira destes sistemas e serviços, com consequências de degradação das infraestruturas e da deterioração da qualidade de serviço, o que representa um risco potencial de redução da qualidade ambiental que o país conseguiu atingir e de que os cidadãos já não abdicam.
Considerando a importância dos sistemas de saneamento básico, ao nível da sua manutenção, da melhoria da qualidade e da sua universalização, e no contexto atual de restrições orçamentais, é fundamental tornar estes sistemas financeiramente sustentáveis, através de economias de escala, ganhos de eficiência e gestão, introduzindo no setor os incentivos certos nesse sentido.
RECOMENDAÇÕES
- Adotar uma política de gestão de ativos que conduza a decisões de investimento tendo em conta o cumprimento dos objetivos de cobertura dos serviços e a eficiência operacional (nomeadamente a redução de perdas). Aplicar o princípio da recuperação integral dos custos pelas tarifas, em “alta” e em “baixa”.
- Caminhar para a harmonização tarifária nacional garantindo uma maior acessibilidade ao preço dos serviços nas regiões do interior do país, através da fusão de empresas do litoral com empresas do interior ou da adoção de um mecanismo de perequação tarifária.
- Promover a eficiência e a eficácia na prestação destes serviços, através da adoção de mecanismos de regulação baseados em análises de benchmarking, distribuição de ganhos de eficiência e contratação externa da operação dos sistemas.
- Procurar uma escala ótima para a prestação dos serviços, através da fusão de empresas e da verticalização dos serviços em função do modelo mais adequado a cada região e caso concreto.
[1] Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais (PEASAAR II) 2007-2013.
[2] Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU II) 2007-2016.
A transição para uma economia verde e para um país sustentável, requer a adequação da Administração Pública, da legislação e dos procedimentos administrativos e regulamentares. Requer também uma mudança de comportamentos, através da capacitação e envolvimento dos cidadãos, e da perceção do ambiente como uma questão global e transversal, fundamental para o futuro do país.
A existência de regulamentação coerente, regulação eficaz e capacidade administrativa para assegurar o cumprimento normativo e dar os sinais certos à economia e ao mercado, são condições fundamentais para a implementação da economia verde.
A Administração Pública (AP) em Portugal peca em muitos casos pela falta de objetividade e eficácia, fruto da inexistência de regras claras com que os processos/procedimentos são desenvolvidos e apreciados.
Tal situação coloca em causa o desenvolvimento económico correto, sendo uma das causas reconhecidas de fuga de investimento estrangeiro.
No que respeita à generalidade dos portugueses contribui ainda de forma pouco ativa para a melhoria do estado do Ambiente, sendo pouco informada e preocupada na tomada de decisões com impacte sobre o ambiente. Apesar da existência de legislação específica, cujo objetivo é garantir o acesso à informação e à participação pública nos processos de tomada de decisão, verifica-se um distanciamento entre a população e os problemas ambientais.
Contrariando a média dos cidadãos europeus, que se consideram bem informados sobre os assuntos ambientais (60% dos cidadãos europeus), apenas 46% dos portugueses se considera bem informado, a pior percentagem da Europa, apenas idêntica ao caso espanhol (Eurobarómetro, 2011).
RECOMENDAÇÕES
- Rever e aumentar a eficácia da legislação no sentido da economia verde.
- Implementar uma cultura de exemplo e exigência por parte do Estado, assegurando práticas rigorosas, efetivas e mensuráveis de sustentabilidade dos seus serviços, empresas públicas e infraestruturas, e exigindo o cumprimento legal das entidades com que se relaciona.
- Reformular a política de tributação ambiental e benefícios fiscais, eliminando os subsídios ambiental e socialmente nocivos, com aferição anual de resultados e benefícios, aumentando a transparência e melhorando a sua aplicação.
- Envolver os cidadãos na construção da economia verde, educando para a sustentabilidade, promovendo escolhas de consumo sustentável e fomentando a participação da população e a cidadania responsável.
- Assegurar uma transição inclusiva para a economia verde, através de programas de reconversão de profissionais, processos e empresas dos diversos setores, nomeadamente dos tradicionais, com vista à sua adequação e benefício na economia verde, orientando-os para a identificação de novas oportunidades e implementação de medidas de adaptação.
O desenvolvimento de uma economia verde traz consigo a oportunidade ímpar de criação de um cluster e tecido empresarial forte, apoiado nas pequenas e médias empresas do setor do ambiente, virado para a inovação e para a internacionalização, que permita dar resposta às necessidades de evolução nacional nesta área e também à procura internacional, que se prevê elevada e crescente. Impulsionar o crescimento e reforço desse tecido empresarial será também uma forma fundamental de assegurar e financiar a transição do país para a economia verde.
Além de fundamental para o crescimento e atualização, ou mesmo reinvenção, de diversos setores da economia nacional, incluindo setores tradicionais, este processo será também uma oportunidade de recuperação para algumas empresas do setor do ambiente em graves dificuldades de sobrevivência no mercado, e que, com o incentivo e sinais certos, poderão transferir e adaptar as suas competências para novos serviços e produtos necessários na economia verde, a nível nacional e internacional.
Um dos principais indicadores para identificar o nível de atividade da economia verdade é o “emprego verde”, ou seja, o número total de trabalhadores empregados em empresas de serviços ambientais (que inclui serviços de prevenção, controle ou tratamento de impactes ambientais e/ou poluição) e em atividades diretamente dependentes da boa qualidade ambiental (energias renováveis, ecoturismo, agricultura biológica, etc.).
De acordo com o Observatório Europeu do Emprego, em Portugal existiam, em 2007, aproximadamente 200 mil empregos verdes, correspondente a cerca de 4% do emprego total nesse ano. É de estimar que, face à continuidade da aposta nas energias renováveis nos anos seguintes (nomeadamente hídrica e eólica) esse número seja hoje ligeiramente superior. Na UE existem no total 8,7 milhões de empregos verdes, o que representa, também, aproximadamente 4% do emprego total da UE.
Por outro lado, a eco-inovação, ou seja, a inovação orientada para a sustentabilidade, tem uma importância transversal a todas as áreas-chave descritas, sendo um fator crítico para se aumentar a eficiência na utilização de recursos, para a criação de empregos verdes ou definição de novas abordagens e soluções.
RECOMENDAÇÕES
- Aproveitar a dinâmica empresarial inovadora e as fortes capacidades e currículo das empresas nacionais do setor do ambiente, atuando em setores chave para o crescimento, onde exista maior potencial de valorização e preservação de recursos endógenos nacionais e maior contribuição inovadora e tecnológica, com potencial de exportação no âmbito da economia verde.
- Elaborar planos plurianuais de ação detalhada, para a manutenção e desenvolvimento de infraestruturas “verdes” e projetos ambientais no país, que permitam às empresas conhecer antecipadamente os investimentos e apoios estruturais nestas áreas, preparando-se e capacitando-se para a sua contribuição e investimento na infraestruturação “verde” do país.
- Criar um Fundo nacional para o Investimento “Verde”, direcionado para apoiar a construção e manutenção de infraestruturas ambientais, recuperação e regeneração de passivos ambientais e para a investigação e inovação na área das tecnologias limpas, financiado a partir de parte das verbas arrecadadas pela fiscalidade ambiental em vigor.
- Remover as barreiras existentes às tecnologias mais limpas já existentes, à investigação e à inovação, nomeadamente as distorções de concorrência e de mercado, subindo-os na ordem de mérito da escolha nacional.
- Criar condições e incentivos para o reforço do investimento nacional em investigação e desenvolvimento (I&D) na área da eco-inovação, nomeadamente no setor privado, de forma a atingir, em 2020, 2% do PIB (que corresponde à média atual da UE-27 na I&D em geral).