27 desafios

511 recomendações

Desafio 15

Combater as alterações climáticas, promovendo as fontes renováveis e o consumo eficiente e inteligente de energia

A encruzilhada energética em que nos encontramos resulta do facto de ser necessário, em simultâneo, alcançar padrões elevados de segurança do aprovisionamento, de competitividade das economias e de redução das emissões de gases com efeito de estufa. Sendo que estes objetivos têm de ser alcançados num contexto de instabilidade política e conflitos em algumas regiões do planeta, de limite físico das reservas dos recursos energéticos fósseis e, finalmente, de escalada das necessidades globais de abastecimento de energia.
 
Neste contexto, vale a pena regressar ao essencial e perguntar: pode a nossa geração ignorar, adiar, transigir ou errar no que diz respeito ao combate às alterações climáticas? Não, não pode. Se o fizer, ficará para a história como uma geração irresponsável e perdulária. Estamos no limiar de uma verdadeira revolução energética e o que a nossa geração tem pela frente, nos próximos anos, é um desafio tão grande e tão estimulante como o de verdadeiramente transformar economias. Logo, mais do que uma desculpa para o adiamento, a presente crise económica e financeira deve ser encarada como mais uma razão para acelerar o combate às alterações climáticas.
 
Este combate é urgente, é possível e é compensador.

A política energética europeia, na qual Portugal se insere, está assente em três pilares: competitividade, segurança de abastecimento e sustentabilidade. A materialização desta política em 3 objetivos quantificados para o horizonte 2020 (reduzir as emissões, aumentar a penetração de renováveis e reduzir o consumo de energia por aumento de eficiência, todas em 20%) irá moldar de forma decisiva a evolução do sistema energético nacional, que terá ainda de ser compatibilizada com o atual contexto económico-financeiro.

Mas, em que situação está Portugal para enfrentar o desafio do desenvolvimento de uma economia de baixo carbono? Portugal ainda padece de problemas muito sérios:

  • elevada dependência energética do exterior (cerca de 80%), em particular do petróleo (cerca de 55% da energia total), da qual resulta um excessivo peso da balança energética no défice externo (cerca de 50%);
  • falta de visão integrada da área de Energia e Clima, conduzindo a políticas descoordenadas e falta de responsabilização por objetivos;
  • ineficiência no consumo à qual se soma uma insuficiente capacidade de acrescentar valor económico sobre o consumo energético (elevada intensidade energética);
  • elevada intensidade dos transportes no PIB;
  • dificuldade no acesso ao financiamento e custo de capital elevado que, sendo transversal à economia, é particularmente relevante em setores capital-intensivos;
  • deficiente dinâmica competitiva, quer pela reduzida dimensão dos mesmos (restrita ao âmbito nacional), quer por uma excessiva intervenção política na regulação;
  • falta de concorrência e de abertura do mercado;
  • lentidão e falta de ambição na concretização do MIBEL e da harmonização da política energética na Península Ibérica;
  • baixo investimento em I&D;
  • estrutura fiscal incongruente;
  • défice tarifário muito elevado e politização das tarifas de energia;
  • falta de transparência na formulação de preços dos combustíveis;
  • burocracia elevada nos licenciamentos e no acesso a atividade.
 
 

Em Portugal tem-se confundido energia com eletricidade (quando esta representa apenas20% da energia final) e limitado a política energética à continuidade na aposta nas renováveis, aliás, iniciada há muitos anos. Ora, por ausência de liderança política, a nossa ineficiência no consumo de energia está a absorver todos os ganhos obtidos com a maior penetração das renováveis. Por outro lado, a questão não está em apostar ou não nas energias renováveis – obviamente que sim. A questão está em saber em que medida podemos tornar essa aposta mais eficiente, mais coerente e mais competitiva.

Precisamos de liderança, estratégia e reformismo na política de energia. Temos de apostar numa maior eficiência energética no consumo (nas habitações, nos escritórios, nas indústrias e nos transportes), numa maior produção a partir de fontes renováveis – num quadro mais eficiente, mais coerente e mais competitivo e temos, também, de dotar o mercado de energia de maior concorrência, a política tarifária de maior racionalidade e a política fiscal de maior coerência.

Esta nova atitude, consumindo melhor e produzindo de modo mais limpo, só nos traz vantagens: combate as alterações climáticas; reduz a nossa dependência energética do exterior, em especial, do petróleo; e, finalmente, gera oportunidades de negócio.

Neste contexto, defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:

  • Enfrentar as alterações climáticas e desenvolver uma economia de baixo carbono
  • Reforçar decisivamente a aposta na eficiência energética
  • Promover a descarbonização da matriz energética
  • Potenciar os recursos energéticos endógenos
  • Atrair novas fontes de financiamento
  • Reforçar a estabilidade e independência regulatória

Orientações Estratégicas

As alterações climáticas são, provavelmente, o primeiro grande teste colocado à nossa capacidade de impulsionar uma globalização inclusiva e sustentável. Temos 120 meses, entre 2010 e 2020, para inverter a caminhada inexorável para a mudança climática. Se falharmos as metas, aconselhadas pela comunidade científica para 2020, já não iremos a tempo de atingir o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 20C face ao período pré-industrial.

Está demonstrado que os sinais de mudança climática dos últimos anos são imputáveis às emissões de gases com efeito de estufa e que a nossa inação dará origem, nas próximas décadas, a um significativo aumento da temperatura com consequente aumento do nível médio do mar, do degelo dos glaciares e ao aumento da frequência e intensidade de fenómenos climáticos extremos, com consequências para a saúde e bem-estar de todos os seres vivos.

Mas o adiamento ou falta de ambição na resposta ao desafio das alterações climáticas será, igualmente, perdulário. Seja porque o custo da inação é muito maior do que o da mitigação, isto é, redução das emissões, seja porque as oportunidades económicas que podem ser geradas pelas novas tecnologias de baixo carbono suplantam largamente os respetivos custos. Estamos, portanto, no limiar de uma verdadeira revolução energética.

Tecnologias como os carros elétricos, as redes inteligentes de energia, a nova geração de tecnologias para as energias renováveis, a gestão otimizada e local dos consumos e produção, a captura e sequestração de carbono e a exploração mais eficiente dos reservatórios de combustíveis fósseis assumirão um papel central no nosso modelo de desenvolvimento nas próximas décadas.

A eficiência no consumo de energia estará na base de um novo modelo energético, valorizando comportamentos de utilização eficiente de novas tecnologias. Para que esta revolução tecnológica de baixo carbono ocorra, é imprescindível definir metas e instrumentos ambiciosos de redução das emissões no período pós-2012.

Em Portugal, é chegado o momento de passar à ação de um modo equitativo e custo-eficiente. Isto é, as emissões devem ser reduzidas em todos os setores (e não apenas nos setores da energia e indústria) e o critério para a definição das medidas deve ser o do custo de abate de carbono e não o da facilidade. Mas é também necessário promover a uma maior integração, ao nível institucional, das políticas de clima, energia e transportes à semelhança do que vem acontecendo em vários Estados da UE. Por outro lado, temos de incorporar a imprevisibilidade das mudanças climáticas nas diversas políticas públicas.

Em Portugal, o Estado esvaziou-se de competências sobre uma visão prospetiva do setor energético nacional sendo hoje, na prática, incapaz de antecipar – de forma quantificada – a evolução do setor a médio/longo prazo em distintos cenários e de avaliar instrumentos (adotados ou a adotar) de política energética de forma rigorosa. 

RECOMENDAÇÕES

  • Estabelecer metas e instrumentos mais ambiciosos de redução das emissões, no período pós-2012, num quadro de equidade (reduções em todos os setores e não apenas nos setores da indústria e da energia) e de custo-eficiência (o critério para a definição das medidas deve ser o do custo de abate de carbono e não o da facilidade).
  • Assumir novos objetivos de médio e longo prazo de redução das emissões de gases com efeito de estufa per capita:  6,5tCO2eq [1] até 2020 e 2 tCO2eq até 2050.
  • Definir um Plano de Ação para Clima e Energia, contrariando a atual fragmentação de planos e projetos, que, a partir de atividades de planeamento energético de médio e longo prazo, estabeleça todos os compromissos e politicas de: redução das emissões de gases com efeito de estufa, investimento em créditos de carbono em países em vias de desenvolvimento, produção de energia (em especial na vertente renovável),  gestão do consumo (em especial, nas opções de eficiência energética), investigação e desenvolvimento, roteiros nacionais e setorais de desenvolvimento de baixo carbono.
  • Estabelecer, no âmbito do referido Plano de Ação para Clima e Energia, um Orçamento de Carbono, atribuindo responsabilidades diretas, a cada ministério, pelas metas de redução das emissões no respetivo setor.
  • Reforçar as competências do Estado no domínio do planeamento energético de médio/longo prazo.
  • Integrar, ao nível institucional e governamental, as políticas de energia, transportes e alterações climáticas e responsabilizar diretamente cada ministério pelas metas de redução das emissões no respetivo setor.
  • Desenvolver os esforços políticos e diplomáticos capazes de celebrar um acordo urgente em torno de um novo regime climático pós-2012, de natureza vinculativa, de reforçar os objetivos europeus de redução das emissões de gases com efeito de estufa, passando de 20% para 30% até 2020 e de aprofundar a cooperação em matéria de energia e clima com os países em vias de desenvolvimento.
  • Incorporar, de forma transversal, nas políticas, estratégias e planos nacionais, o risco, a adaptação e a preparação de todos os setores para as mudanças climáticas disruptivas.
  • Promover a inovação e desenvolvimento de novas metodologias, técnicas e tecnologias para uma melhor preparação para os fenómenos climáticos extremos e imprevisíveis.
  • Reduzir as emissões específicas por unidade de energia primária de 3 tCO2[2]/tep [3]em 2009 para 2,75 tCO2/tep em 2020 e 2,3 tCO2/tep em 2030.

 




[1] Tonelada equivalente de dióxido de carbono.

[2] Tonelada de dióxido de carbono.

[3] Tonelada equivalente de petróleo.

A eficiência energética é, provavelmente, o ponto mais consensual no debate nacional sobre política energética. Trata-se da estratégia mais custo-eficiente para, simultaneamente, reduzir a dependência energética externa e o défice externo associado, bem como melhorar a sustentabilidade ambiental do sistema.

Adicionalmente, e por abranger atividades muito intensivas em mão de obra (auditorias, certificação, instalação, manutenção e monitorização, sempre junto dos diferentes pontos de consumo), é fonte de criação de emprego.

Contudo, muito pouco caminho tem sido percorrido, sendo por isso necessário um novo impulso.

É urgente reduzir a nossa procura interna de energia desde o sistema de oferta até ao mais pequeno utilizador.

Espera-se que a energia elétrica usada para fins específicos deva tomar uma parte cada vez mais significativa do mercado. No entanto, esta deverá ser desenvolvida num quadro de eficiência e de penalização ao desperdício.

Por outro lado, os restantes 80% dos usos de energia final de Portugal que correspondem aos transportes e às utilizações térmicas na indústria e nos edifícios deverão ser alvo de medidas de racionalização sérias e abrangentes.

A eficiência energética “não-elétrica” terá de ser uma prioridade pelas intervenções previstas para os setores dos transportes, indústria e dos edifícios. 

RECOMENDAÇÕES

  • Definir uma política nacional para a elaboração de Planos Energéticos Municipais sendo os municípios obrigados a seguir Regulamentos de Energia e a criar mecanismos de registo e controle que permitam exercer, monitorizar e validar políticas regionais e locais (com estratégia nacional) de eficiência energética.
  • Criar mecanismos de concorrência entre edifícios de serviços no que concerne ao seu desempenho energético e ambiental, criando barreiras à massificação da utilização de equipamentos de climatização pouco eficientes.
  • Promover a expansão das smart-grids (redes inteligentes); de equipamentos para carregamento de veículos elétricos e gestão da energia, recorrendo às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), mediante adequado enquadramento regulatório no médio longo prazo de recuperação de investimento, dado o seu elevado contributo para acesso dos consumidores a novos serviços e gestão eficiente da respetiva fatura energética, bem como facilitador de mudança de fornecedor, acrescendo por isso a competitividade no mercado.
  • Assegurar a liderança do próprio Estado em matéria de redução de consumos de energia nos edifícios públicos, nas frotas e na iluminação pública. Estabelecer um sistema de Registo do Consumo de Energia do Estado (RCEE), capaz de suportar o registo obrigatório do consumo de energia de todos os organismos e entidades do Estado, fomentando a transparência, comparabilidade e investimento em eficiência energética.
  • Fixar objetivos realistas para a melhoria das “classes” energéticas dos edifícios na reabilitação urbana e reformular e fiscalizar o mercado de certificação energética.
  • Criar mecanismos que dinamizem o mercado de Empresas de Serviços Energéticos (ESE).
  • Criar mecanismos de mercado que fomentem resultados na eficiência energética do lado do consumo. Nesse sentido deve aplicar-se um sistema de certificados brancos a toda a economia nacional (exceto nos setores abrangidos pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão ou por taxas de carbono), incluindo a definição de protocolos de medição e verificação, a formação de profissionais credenciados e a criação de um sistema de registo. O processo de certificação das poupanças deve ser iniciado pelos consumidores intensivos de energia aproveitando, expandindo e desenvolvendo o Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia (SGCIE) na indústria.
  • Reduzir a dependência energética para 73% em 2020 e 65% em 2030 e reduzir a intensidade energética do PIB, equiparando-a à média da UE em 2020.

O imperativo da descarbonização das economias – no qual o setor energético, por representar 80% das emissões, tem um papel crucial – não se esgota nos objetivos quantificados definidos para 2020. Com efeito, o Conselho Europeu da UE assumiu como meta reduzir em pelo menos 80% as emissões de CO2 até 2050.

Para tal, torna-se incontornável aumentar a eletrificação do consumo de energia (que apenas representa 20%-25% do consumo energético) e descarbonizar a produção de eletricidade. Para além de reduzir as emissões, esta estratégia permite também uma maior eficiência no uso da energia primária e, no caso de Portugal, estender a um maior espectro do consumo energético a valia das energias renováveis a nível de independência energética, reduzindo-se assim a elevada dependência do petróleo (superior a 50%). 

RECOMENDAÇÕES

  • Promover a eletrificação dos transportes e reformular a iniciativa Mobi.e, impulsionando o modelo simplificado de revenda e eliminando barreiras à entrada de novos operadores de postos de carregamento de baixo custo.
  • Promover a expansão das frotas de transportes públicos e/ou de serviços municipais a gás natural.
  • Incentivar, através da melhoria da regulamentação ambiental, a migração de indústria para gás natural ou eletricidade.
  • Reduzir a dependência do petróleo para 35% em 2030 (partindo de 52% em 2010), diversificando as fontes de energia para os transportes, elevando o peso da eletricidade para pelo menos 15% em 2030 (partindo de cerca de 1% atualmente).

Até à data, Portugal apenas dispõe de recursos energéticos endógenos sob a forma de energias renováveis. O seu aproveitamento sob a forma de eletricidade ou calor/frio são, do lado da oferta, a única forma de reduzirmos a dependência energética externa. 

RECOMENDAÇÕES

  • Incentivar os aproveitamentos de média/grande escala, incidindo nas tecnologias maduras e competitivas.
  • Apostar, ao nível da pequena escala, nas tecnologias despacháveis com benefícios locais claros (biomassa de proximidade e biogás).
  • Fomentar as tecnologias maduras e competitivas na micro geração (no calor: solar térmico; a prazo, atingindo-se o grid parity (paridade da rede), solar fotovoltaico para eletricidade, potenciado por modelos de negócio tipo net metering [1]).
  • Atrair investimento estrangeiro para projetos de fornecimento de energia limpa em indústrias grandes consumidoras de energia elétrica.

 




[1] Sistemas que permitem o cálculo de créditos, e respetiva compensação, entre a energia gerada pelos microprodutores e a energia consumida a partir da rede.

 

A mudança de paradigma acima preconizada requer capital. Ao fazê-lo, o sistema energético estará a substituir, com ganho, custos variáveis (tipicamente combustíveis importados) por custos fixos (investimento, desejavelmente com forte incorporação nacional), pelo que estes ganharão peso na estrutura global de custos. Para garantir o êxito desta evolução, importa atrair financiamento a custo competitivo o que, por sua vez, implica estabilidade regulatória e respeito pelos contratos firmados para baixar o risco ao investidor. 

RECOMENDAÇÕES

  • Defender junto das instâncias Europeias a taxação da poluição ambiental, nomeadamente CO2, revertendo os fundos em benefício dos consumidores e para a constituição de um fundo para financiar projetos de eficiência energética.
  • Modular carga fiscal sobre tecnologias em função da sua classe de eficiência energética.

A liberalização dos mercados energéticos é um processo relativamente recente em Portugal, sendo ainda necessário atuar a vários níveis de forma a garantir a sua plena implementação. 

RECOMENDAÇÕES

  • Despolitizar as tarifas de gás e de eletricidade, concretizando a liberalização destes setores.
  • Reforçar a independência dos reguladores face ao poder político, bem como a sua capacidade de atuação – em particular a nível de supervisão – em face da crescente liberalização dos mercados.
  • Aumentar a transparência dos vários mercados de energia, garantindo efetiva concorrência.
  • Promover a integração do mercado nacional (de petróleo, gás natural e eletricidade) em âmbitos regionais cada vez mais alargados – ibérico e europeu.