27 desafios

511 recomendações

Desafio 20

Assegurar uma maior intervenção das organizações da economia social e do voluntariado

Portugal dispõe de um Sistema Público de Segurança Social que se desenvolveu muito mais tarde que o de outros países, sendo que só a partir de 1974 se assumiu o princípio de solidariedade entre gerações e o direito de todos à segurança social.

 

Com efeito, de acordo com a Constituição da República Portuguesa (art.º 63º) “todos têm direito à segurança social”, cabendo ao “Estado organizar, coordenar e subsidiar um Sistema de Segurança Social unificado e descentralizado”, o qual “protegerá os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”.

O papel não exclusivo do Estado no desenvolvimento de um Sistema de Segurança Social é reforçado no n.º 5 do mesmo art.º 63º, quando se refere que “o Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a atividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem caráter lucrativo, com vista à prossecução de objetivos de solidariedade social”. 

De igual forma, a Lei de Bases da Segurança Social (Lei nº 4/2007), refere que a prossecução dos objetivos da Segurança Social, deve ser tarefa não apenas do Estado mas também, e preferencialmente, “das pessoas, famílias e de outras instituições não públicas” – princípio da subsidiariedade –, respeitando, claro está, o princípio da complementaridade, ou seja, promovendo a “articulação das várias formas de proteção social públicas, sociais, cooperativas, mutualistas e privadas com o objetivo de melhorar a cobertura das situações abrangidas e promover a partilha das responsabilidades nos diferentes patamares da proteção social”. Por outro lado, a prossecução dos objetivos de segurança social, deve ser feita num quadro de “autonomia das instituições, tendo em vista uma maior aproximação às populações”.

É neste contexto, que se tem colocado, historicamente, um conjunto de desafios às entidades do “terceiro setor” (de ora em diante designado de economia social e que englobam, nomeadamente, as cooperativas, associações mutualistas, associações/fundações de solidariedade social, associações de voluntários de ação social, misericórdias e centros sociais paroquiais), e que agora importa aprofundar, atendendo às crescentes limitações do Estado enquanto agente organizador, coordenador e financiador do sistema de Segurança Social.

Com efeito, a economia social, composta pelo conjunto de entidades privadas que representam respostas organizadas da sociedade civil a necessidades de proteção social, através da concessão de bens e/ou da prestação de serviços, e que procuram fazer uma utilização social dos lucros obtidos, tem raízes profundas e seculares na sociedade portuguesa, procurado suprir a ausência ou complementar a intervenção do Estado em particular junto dos mais desfavorecidos.

Ainda assim, e apesar de representar em Portugal 5,64% do PIB, 4% do emprego (dados de 2007) e assentar numa rede social de cobertura nacional, a economia social não logrou obter ainda o estatuto que lhe é devido.

Tal resulta, em grande medida, das fragilidades das diferentes estruturas, organizações e mesmo conceções, que se articulam neste amplo espaço.

Neste contexto, defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:

  • Estabelecer um quadro regulamentar da economia social
  • Reforçar a sustentabilidade das entidades da economia social
  • Estimular a cooperação entre as entidades da economia social
  • Fomentar a profissionalização dos recursos humanos
  • Reforçar os mecanismos de autorregulação e supervisão

Orientações Estratégicas

A economia social é ainda uma realidade muito difusa, existindo um vazio quase absoluto no que respeita a informação quantitativa e estatística sobre o impacto das intervenções das entidades da economia social na prossecução dos objetivos de Segurança Social. Qual o seu peso económico, no nosso país? Onde estão os índices que permitam quantificar o seu contributo para a criação de emprego, para a melhoria das condições de vida das populações ou para o combate à pobreza? Onde podem os académicos ou os estudiosos recolher informação substantiva e organizada? Onde podem os técnicos informar-se de forma expedita sobre programas, fontes de financiamento, procedimentos administrativos, legislação aplicável? Enfim, como se podem estruturar e gerir neste cenário novas soluções para as necessidades sociais emergentes?

Por outro lado, e ao nível do enquadramento legal, a multiplicidade de legislação, alguma dela, desatualizada, dificulta a definição clara do papel da economia social na sociedade, nomeadamente no que respeita ao seu estatuto, papel específico e conjunto de responsabilidades.

RECOMENDAÇÕES

  • Clarificar o conceito de economia social e quem o integra e aprovar uma Lei de Bases da Economia Social.
  • Promover a alteração da legislação específica da economia social, [1] nomeadamente o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social e o Código das Associações Mutualistas, [2]adaptando-os às novas realidades e às exigências comunitárias.
  • Desenvolver estatísticas e métricas adequadas, de forma a garantir uma correta avaliação do papel da economia social no desenvolvimento económico.

 



[1] Na revisão do Estatuto das IPSS (Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro), destacam-se as questões relacionadas com o modelo de governação e com os deveres de divulgação pública de informação.
[2] A revisão do Código Mutualista (Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março), deverá assentar nos seguintes eixos: reforço das exigências ao nível da solvabilidade e composição de carteira; agilização do processo de criação/alteração dos esquemas de benefícios; fomento dos mecanismos de democracia representativa; e reforço das garantias dos direitos dos associados.

Parte significativa (45%) do financiamento das entidades da economia social que prosseguem fins de Segurança Social é assegurada pelo Estado.

Este esforço do Estado, que só em Acordos de Cooperação ultrapassou em 2011 os 1.100 milhões de euros, enfrenta sérios constrangimentos, pelo que se torna necessário promover a criação de fontes alternativas de financiamento. Neste contexto, deverão ser, por um lado, privilegiados os mecanismos (fiscais e outros) que fomentem a transferência voluntária de recursos das famílias e das empresas para a economia social (isto é, mecenato) e, por outro, criadas as condições para que as entidades da economia social possam desenvolver alguns negócios sociais que lhes garantam sustentabilidade financeira.

Para além da diversificação das fontes de financiamento, importa adequar a criação e funcionamento das infraestruturas sociais às reais condições socioeconómicas do país. Com efeito, nem os dirigentes das Instituições devem cair na tentação de criar investimentos sociais de luxo, nem o Estado deve impor regulamentos de funcionamento que se traduzam em despesas correntes de funcionamento e manutenção insustentáveis.

Por outro lado, no planeamento e financiamento público de infraestruturas sociais, o Estado deverá, ao contrário do que aconteceu no passado, ter em consideração as respostas já instaladas, de forma a evitar um excesso de oferta, com consequente impacto na sustentabilidade das instituições.

RECOMENDAÇÕES

  • Lançar os mecanismos (fiscais e outros) que fomentem a transferência voluntária de recursos das famílias e das empresas para a economia social (isto é, mecenato) e criar as condições para que as entidades da economia social possam desenvolver algumas atividades económicas que lhes garantam sustentabilidade financeira.
  • Mapear as organizações do setor que, pelo seu modelo de gestão e competência dos seus membros possam servir de incubadoras a novas iniciativas ou resgatar iniciativas com dificuldades de gestão.
  • Tirar partido da capacidade instalada, material, humana e económica das entidades da economia social no planeamento e desenvolvimento dos sistemas sociais públicos.

O desenvolvimento da rede de infraestruturas sociais observado na última década em Portugal foi caracterizado por alguma desarticulação entre os diferentes intervenientes, conduzindo em muitas regiões do país a um desfasamento claro entre oferta e procura.

A existência de um excesso de oferta em algumas regiões, associada à existência de elevados custos fixos de funcionamento resultantes, quer de imposições legais, quer de ineficácias de gestão, colocam em causa a sustentabilidade das instituições.

Neste contexto, entende-se necessário estimular a cooperação entre as entidades da economia social, promovendo a partilha de infraestruturas, recursos humanos e materiais bem como a aquisição de bens e serviços em conjunto (isto é, central de compras).

De igual forma, considera-se essencial que as Entidades da economia social partilhem experiências em fora mais informais ou de natureza mais institucional, procurando, através deste intercâmbio, desenhar soluções que permitam a otimização dos recursos existentes.

RECOMENDAÇÕES

  • Incentivar as entidades da economia social a aderir ou a organizar e constituir associações, uniões, federações ou confederações que as representem e defendam os seus interesses.
  • Introduzir no quadro legislativo os mecanismos que fomentem a mobilidade dos recursos humanos entre entidades da economia social.
  • Rastrear as organizações com dificuldades de gestão, de forma a poderem beneficiar da integração em unidades que pelo seu modelo de gestão e competência dos seus membros possam ser consideradas como modelares.      
  • Enquadrar e fomentar as iniciativas de âmbito empresarial das entidades da economia social que possam ser desenvolvidas como atividades auxiliares geradoras de recursos.
  • Incentivar as entidades da economia social a estabelecerem acordos para a partilha de infraestruturas
  • Promover a criação de mecanismos partilhados de compras, que permitam às entidades da economia social reduzir os seus custos de funcionamento.

A necessidade de profissionalização da gestão das entidades da economia social não é um assunto recente. Ainda assim, e apesar do relativo consenso sobre esta necessidade, pouco foi discutido sobre a efetiva implementação desta profissionalização. Com efeito, o facto das entidades da economia social promoverem a utilização social dos lucros obtidos, tem alimentado a ideia de que o seu funcionamento pode ser alicerçado em trabalho voluntário e não remunerado. Por outro lado, a profissionalização da gestão das entidades da economia social não é uma tarefa fácil, uma vez que a simples transposição para estas das ferramentas e técnicas de administração de Entidades Privadas pode não ser recomendável.

Daqui resulta a necessidade de se desenvolver, em articulação com os representantes do setor, um plano nacional coerente e coordenado de profissionalização e formação dos recursos humanos das entidades da economia social, de forma a garantir a elevação dos padrões de qualidade na gestão e administração destas instituições.

RECOMENDAÇÕES

  • Desenvolver uma formação especializada dirigida aos membros da direção e quadros das entidades da economia social.
  • Apoiar a partilha de experiências bem sucedidas entre as entidades da economia social, quer em Portugal quer no estrangeiro.
  • Assegurar a integração dos colaboradores das entidades da economia social em programas de estágios em organizações de outra natureza designadamente empresas privadas.

A prossecução dos objetivos da Segurança Social por parte das entidades da economia social implica a intervenção destas em áreas muito diferenciadas e que vão desde a construção e gestão de infraestruturas de apoio à infância ou aos cidadãos dependentes, passando pela gestão hospitalar, fundamentalmente a cargo das misericórdias, ou pela previdência complementar através do desenvolvimento, colocação e gestão de produtos de cobertura de risco longevidade por parte das associações mutualistas.

A diversidade de intervenções, bem como a natureza e especificidades de cada um dos seus stakeholders, tem colocado dificuldades crescentes não só às entidades que tutelam a economia social, mas também, e fundamentalmente, aos stakeholders que, em muitos casos, não conseguem encontrar interlocutores que arbitrem as suas divergências com as entidades das economias sociais. 

Esta situação é tanto mais relevante quando se constata que muitas das entidades da economia social apresentam um modelo de governação completamente desalinhado com as melhores internacionais, no que respeita à transparência, democraticidade e accountability.

Neste contexto, importaria desenvolver mecanismos que permitam otimizar a relação entre as entidades da economia social e os seus stakeholders, de forma a assegurar a melhoria da qualidade dos serviços prestados e a garantir os direitos estabelecidos.

Entende-se ainda essencial a alteração do atual modelo de controlo e supervisão das atividades desenvolvidas pelas entidades da economia social, sem prejuízo do indispensável desenvolvimento dos mecanismos de autorregulação e de disclosure de informação.

RECOMENDAÇÕES

  • Incentivar as entidades da economia social a adotarem códigos de conduta.
  • Promover as boas práticas no que respeita à governação das entidades da economia social, desenvolvendo um conjunto de recomendações relativas à governação.
  • Assegurar a divulgação pública dos apoios públicos ou de outra proveniência às entidades da economia social, bem como a remuneração dos seus órgãos sociais. 
  • Fomentar a partilha de responsabilidades de supervisão entre ministérios em algumas das áreas de intervenção das entidades da economia social.