27 desafios

511 recomendações

Desafio 22

Fortalecer a família, reconhecendo-a como o primeiro contexto de coesão social e de diversidade

Os temas políticos ligados à família têm vindo a assumir importância crescente nos últimos anos, quer no quadro da União Europeia, quer em Portugal. Os factos que se impuseram na agenda política foram o envelhecimento da população conjugado com as baixas taxas de natalidade, a diversidade das formas e dos modos de viver em família e a necessidade de conciliar a vida familiar com a vida profissional – pedra de toque para o desenvolvimento europeu.  

 

Não obstante, na sociedade portuguesa tem-se mantido a opção pela inexistência de uma política integrada de família. As políticas que afetam a vida das famílias são políticas focadas nos indivíduos, agregando-os em função de uma caraterística (individual) e/ou um problema ou necessidade que os afeta, seja de forma permanente ou temporária. Esta opção faz parte de um paradigma das políticas sociais que vem da segunda metade do século XX e que tem vindo paulatinamente a ser substituído pelo paradigma das políticas sociais integradas. 

As transformações nos modos de vida das famílias, ou dos modos de viver a família, exprimem-se em mudanças na composição das famílias, na alteração do estatuto dos membros da família, na reorganização do quotidiano da vida em família implicando reorganização do tempo e dos espaços em que cada membro da família está ao longo do dia. Estas transformações confrontam as famílias com desafios que assumem expressão política.

Nos anos mais recentes, as tendências no âmbito das políticas de família têm sido a prestação de apoio económico, em particular às famílias mais desfavorecidas, e a promoção da natalidade, através de medidas eminentemente financeiras e circunscritas a satisfazer necessidades pontuais em determinadas fases da vida da criança. 

As medidas que têm sido empreendidas no sentido de promover a conciliação entre a vida familiar e a vida profissional têm incidido sobre a disponibilidade de equipamentos sociais em resposta à necessidade de as famílias se manterem no mercado de trabalho, assegurando o desenvolvimento socioeducativo das crianças.

Neste contexto defendemos as seguintes orientações estratégias e recomendações:

  • Enfrentar a dupla armadilha (baixa natalidade e envelhecimento)
  • Alcançar a igualdade de género e a plena conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional
  • Proteger os cidadãos idosos e encará-los como capital humano na sociedade e na economia
  • Promover a autonomia e a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência
  • Combater a exclusão social e a pobreza

Orientações Estratégicas

Nascem cada vez menos crianças criando uma dupla armadilha demográfica: baixa taxa de natalidade e envelhecimento da população. A natalidade é o principal motor do aumento da população. Considerando a taxa média dos países da OCDE, Portugal continua a apresentar valores abaixo da média. O índice sintético de fecundidade desde 1980 tem-se mantido a níveis abaixo do nível de substituição das gerações (2,1 filhos por mulher). Os estudos de projeção indicam que, até 2015, Portugal vai ter a segunda taxa de fecundidade mais baixa entre os países do mundo (com 1,3 filhos por mulher) – sendo a Bósnia-Herzegovina o país que se projeta como vindo a ter uma taxa de fecundidade ainda mais baixa (com 1,1 filhos por mulher).

Efetivamente, o problema que afeta a população portuguesa traduz-se no aumento da proporção das famílias de filho único. A questão que nos preocupa reside na proporção elevada de famílias portuguesas que tem apenas uma criança. De acordo com as recomendações da OCDE, a mudança tem que ser promovida ao nível da decisão das famílias, investindo em medidas e ações dirigidas à população jovem. As áreas de ação política que favorecem a decisão familiar em relação à natalidade são: a segurança no emprego, a igualdade de género e a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional. 

As políticas de família não têm alcance suficiente para alterar a decisão de um casal em relação à parentalidade mas podem afetá-la. Uma política de família com capacidade efetiva de proteger a família pode contribuir para motivar os adultos a terem filhos, na medida em que a avaliação das condições de risco faz parte do processo decisional.

A antecipação de cenários prováveis, ponderando os custos e os benefícios decorrentes da decisão traduz um tipo de planeamento que normalmente não está associado às decisões com uma forte componente afetiva e de satisfação pessoal. Não obstante não ser de um planeamento de base racional e de uma decisão do tipo pragmático que falamos quando analisamos a decisão de ter (ou não ter) filhos, o facto é que as pessoas decidem tomando em conta fatores conjunturais que se refletem na vida do dia a dia da maior parte da população. Intuitivamente as pessoas conhecem as dificuldades ligadas à inexistência de equipamentos em número suficiente para as crianças, avaliam os obstáculos financeiros, de horário, de acessibilidade aos equipamentos que oferecem serviços de educação e guarda das crianças com qualidade. A legislação promotora da família e protetora dos direitos dos pais assim como as políticas sociais dirigidas à família e às crianças são outros elementos igualmente presentes na decisão.

RECOMENDAÇÕES

  • Criar uma política integrada de família adequando as orientações políticas ao contexto social e à estrutura, organização e dinâmica da família na atualidade.
  • Assumir, enquanto Estado, um papel subsidiário em relação à família mas assumir um papel protetor nas situações de inexistência ou de ausência (física e relacional) da família.
  • Adequar as estruturas e os serviços de prestação de cuidados às transformações das famílias, criando as condições para a prestação de um apoio social generalizado, acessível, de qualidade e adequado.
  • Rentabilizar a sinergia gerada pela ação da sociedade civil, organizada em instituições e organizada informalmente nas redes de familiares e de vizinhança.

Portugal está entre os países da União Europeia que apresentam uma taxa mais elevada de participação feminina na atividade profissional – com 69,1% de taxa de atividade feminina das mulheres com idades entre os 16 e 64 anos (dados do Eurostat referentes ao 3º trimestre de 2008, mantendo-se nos 69,5%, segundo dados do Gabinete de Estudos da Segurança Social para o 4º trimestre de 2011). Portugal também é, no conjunto dos países da Europa do Sul, o que apresenta maior proporção de crianças na educação pré-escolar

As mulheres portuguesas conseguem manter a taxa de emprego a tempo inteiro mais elevada da Europa por contarem com a existência de equipamentos de apoio à infância à qual juntam a solidariedade da família. Esta solidariedade é mais expressiva na linha feminina e entre gerações, ou seja, as avós são as pessoas da família que mais contribuem para suportar o equilíbrio feito pelas mulheres entre a esfera pessoal, a sua profissão, a família e o lar. Os dados europeus revelam que o reduzido horário de funcionamento dos equipamentos para as crianças ou a sua inexistência estão correlacionados com a redução do tempo de trabalho das mulheres.

A Carta dos Direitos Fundamentais consagra igualmente a igualdade de mulheres e homens e refere, de forma explícita, o direito à conciliação da vida familiar e profissional. Para além destes textos fundadores, em 2006, o Conselho Europeu de Bruxelas aprovou o Pacto Europeu para a Igualdade entre Mulheres e Homens. 

Em 2010, a Conferência de Baku aprovou a resolução intitulada e destinada a Colmatar o fosso entre a igualdade de jure e de facto entre homens e mulheres. Esta resolução e o respetivo plano de ação (Assumindo o desafio de alcançar a igualdade de género de jure e de facto) traduzem a evidência do hiato entre os direitos legalmente garantidos e o seu pleno gozo e exercício quotidiano. 

Tal como a União Europeia, também a OCDE se tem ocupado desta matéria. Atualmente, a OCDE desenvolve uma iniciativa promotora de igualdade de género em três áreas-chave que representam áreas de oportunidade económica: Educação, Emprego e Empreendedorismo. Esta iniciativa – conhecida como a Iniciativa dos três E’s da OCDE, entendidos enquanto três dimensões chave para a economia – parte da constatação de que apesar das melhorias ao nível da educação e do emprego, a igualdade de género é uma meta que não está alcançada nos Estados-Membros da OCDE. A participação das mulheres no tecido económico fica aquém do que os indicadores da educação e do emprego sugerem. 

A igualdade de género é um princípio fundamental que assenta no pressuposto de que todos os seres humanos são livres para desenvolverem as suas capacidades pessoais decorrendo daqui que existe perda coletiva de capital humano quando a liberdade é coartada, por qualquer situação, maxime a violência. “A Estratégia Europeia de Combate à Violência contra as Mulheres” define a ambição de até 2015 erradicar todas as formas de violência de género na UE.

RECOMENDAÇÕES

  • Promover a equidade na distribuição de tarefas no seio da família, principalmente em função do género, para não se manter a sobrecarga sobre as mulheres.
  • Promover uma flexibilização responsável dos horários de trabalho e dos horários de funcionamento dos serviços (de educação, de apoio à família, de promoção da cultura e lazer), favorecendo a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar assumindo a centralidade da família.
  • Desenvolver medidas legislativas e outras que permitam uma ação diligente na prevenção, investigação e punição dos atos de violência na família.
  • Reconhecer, encorajar e apoiar, a todos os níveis, o trabalho de organizações não governamentais relevantes e da sociedade civil ativa no combate à violência nas famílias e estabelecer uma cooperação eficaz com estas organizações.

A conceção dominante de que os idosos se dedicam em exclusivo à vida familiar depois de concluírem a vida profissional está ultrapassada. Mais do que ultrapassada, está ligada à conceção negativa do idoso como um peso para a sociedade. A Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu (numa sessão sobre desafios demográficos e solidariedade intergeracional) reforçou a necessidade de se clarificar que os idosos e os que se aproximam da reforma “não representam um fardo para a economia e a sociedade nem constituem um obstáculo à modernização dos processos de trabalho, mas, pelo contrário, são um trunfo e um valor acrescentado significativo, graças à sua experiência, às suas conquistas, aos seus conhecimentos e à maior lealdade de que dão provas em relação às suas empresas”.  O alargamento da rede de equipamentos sociais é essencial no cumprimento do objetivo da conciliação entre a vida pessoal, familiar e social. Mas o papel do setor público não se esgota no aumento da quantidade de equipamentos para idosos. Aliás, em sociedades em que a presença do setor social e do setor lucrativo nesta área de proteção social são muito expressivas, o papel do setor público tem que ser muito mais ambicioso. Tem que fazer parte desta ambição melhorar a qualidade dos serviços prestados, contribuir para a sua diversidade, garantindo uma cobertura mais ampla das necessidades e da vontade dos idosos. A isto acrescentamos a urgência na regulação da atividade dos equipamentos que devem promover as ligações dos idosos com a família/descendentes.

A família é uma realidade que não é estática e cujas necessidades, expetativas e escolhas na promoção do seu bem-estar variam e adaptam-se às circunstâncias. Esta capacidade de transformação é visível ao observarmos a reorganização das dinâmicas familiares para atender às necessidades de alguns membros da família, satisfazendo-as no seio da família. 

A sociedade portuguesa caracteriza-se por a maior parte dos idosos dependentes ser cuidada na família, por as principais prestadoras de cuidados serem mulheres e sem que se saiba se beneficiam da assistência médica necessária.

As famílias garantem no seu seio a prestação de cuidados aos mais velhos e fazem-no sem contar com formação específica a cuidadores informais e sem contar com um suporte de retaguarda que lhes permita lidar com o esgotamento, sobretudo emocional, envolvido na prestação de cuidados. A percentagem de idosos dependentes que vivem em lares é muito reduzida (cerca de 3% em 2006, segundo dados do European Social Survey), comparando Portugal aos restantes países europeus.

Neste âmbito, o que se verifica é que o Estado assume uma posição social de complementaridade, adotando um papel subsidiário em relação à família e um papel de promotor de condições para o crescimento consolidado do setor social. A lógica de intervenção no âmbito local, que orienta a maior parte das iniciativas da sociedade civil, não permite nem se presta a pensar em termos nacionais. O planeamento estratégico, incluindo a identificação de necessidades e as lacunas na resposta às mesmas, compete ao Estado. 

Os padrões de prestação de cuidados é matéria específica de política de família implicando o devido enquadramento institucional na definição de um sistema de guarda das crianças e de prestação de cuidados a outros familiares, com destaque para os mais dependentes, como os idosos e os doentes. As políticas públicas têm estado focadas na quantidade de equipamentos e de serviços tentando cumprir metas de cobertura do território nacional.

Na atualidade importa focar a qualidade dos serviços e dos cuidados prestados. Isto obriga a definir novas metas e obriga os decisores a assumirem o seu papel de regulação dos sistemas de proteção social.

RECOMENDAÇÕES

  • Promover os direitos dos idosos melhorando o seu bem-estar, assegurando-lhes a escolha de bens e serviços e criando as condições para uma participação ativa na sociedade, como sujeitos autónomos.
  • Valorizar a participação social (pessoal e da família) na definição, desenvolvimento e avaliação das políticas públicas.

Na população portuguesa há cerca de 10% de pessoas com deficiência sendo muito superior o número de pessoas que lidam diariamente com a incapacidade. Os modos de lidar com a incapacidade são muito diversificados e são encontrados pelas famílias das pessoas com deficiência. Se projetarmos o indicador estatístico do número de pessoas com deficiência no número de pessoas das suas famílias e se considerarmos todas as situações de deficiência que não são de natureza congénita, extrapolando o risco de incapacidade, somos forçados a assumir a esmagadora dimensão das necessidades destes cidadãos.

A Estratégia Nacional para a Deficiência − 2011-2013 identifica cinco áreas-chave para o desenvolvimento de políticas. As medidas para combater as desigualdades e as discriminações múltiplas são, na sua totalidade, medidas destinadas à sensibilização do público e formação dos profissionais, colocando o foco na necessidade de integrar as pessoas com deficiência. Do que se conhece acerca da população deficiente na sociedade portuguesa, é possível perceber que são cidadãos com baixos níveis de escolarização e qualificação, reduzidas taxas de atividade económica, acentuados padrões de segregação no mercado de trabalho, manifestos entre os poucos que a ele acedem e muito baixos rendimentos, colocando estas pessoas e as famílias de pessoas com deficiência entre a população em situação de pobreza.

A oportunidade política que está colocada com a ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é inadiável. O Estado português não pode continuar a deixar às famílias o ónus de ‘cuidar’ das pessoas com deficiência no espaço privado das suas residências recorrendo ao suporte das organizações associativas. Os efeitos perversos desta situação são vários. Em primeiro lugar, as pessoas com deficiência são sujeitos de direitos humanos, em plena igualdade competindo ao Estado garantir os direitos, liberdades e garantias. Em segundo lugar, a sobrecarga das famílias tem impacto direto sobre a dinâmica familiar, afetando por exemplo, a possibilidade de os adultos cuidadores acederem ao mercado de trabalho nas situações em que na família há uma criança deficiente. Em terceiro lugar, há um impacto indireto na economia e na participação social plena na sociedade – por via da perda/desperdício do valor humano de cada uma das pessoas (deficientes e cuidadores).

RECOMENDAÇÕES

  • Promover a independência e autonomia das pessoas com deficiência, eliminando a sua dependência em relação à família e libertando a família do ónus de ser o principal cuidador.
  • Aprofundar a dimensão de afirmação de cidadania das pessoas com deficiência e permitir que possam votar por via eletrónica.
  • Melhorar a capacitação das organizações, qualificando os responsáveis pelas organizações, os técnicos e todos os profissionais no sentido dos direitos humanos.

A Estratégia 2020 definida pela Comissão Europeia enquadrou este compromisso e definiu 5 objetivos, a cumprir até 2020. Estes objetivos incluem reduzir em 25% a proporção da população que vive abaixo do limiar da pobreza, ambicionando que 20 milhões de pessoas deixem de estar na pobreza. Várias instâncias internacionais, e em particular europeias, reconhecem o direito universal a um nível adequado de recursos que permita um nível de vida digno, e a necessidade de um rendimento adequado a ser garantido a todos os cidadãos que têm recursos insuficientes (isto é, para aqueles que vivem em situação de pobreza). 

A pobreza é uma característica dominante na sociedade portuguesa. Da população residente em Portugal, 18% encontrava-se em risco de pobreza (dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento [EU-SILC- Survey on Income and Living Conditions] referentes a 2007). Este risco era ligeiramente mais elevado para as mulheres em idade ativa (19% face a 17% para os homens). O risco de pobreza na população com mais de 65 anos era de 26%, sendo (igualmente) mais elevado para as mulheres idosas (27% face a 24% para os homens). Das crianças, 21% estava em risco de pobreza (infantil, incluindo os indivíduos dos 0 aos 17 anos de idade).

Portugal é sucessivamente mencionado entre os Estados-Membros da União Europeia por causa da pobreza infantil, por traduzir a dificuldade de uma sociedade se afirmar inequivocamente numa posição de desenvolvimento social. Entre os países da União Europeia (a 27 Estados-Membros) a proporção (estimada) de crianças em situação de pobreza varia entre os 10% nos países nórdicos e os 33% na Roménia.

Se analisarmos a estrutura da pobreza infantil, percebemos que o risco de pobreza infantil (ainda) é mais acentuado nas famílias monoparentais (34%) e nas famílias com 3 ou mais crianças (25%). Isto verifica-se num contexto em que se consolida uma tendência consistente no aumento da proporção de famílias monoparentais femininas. Os estudos indicam que as sociedades que apresentam maior sucesso na prevenção da pobreza infantil são as sociedades que possuem medidas de política que combinam uma melhoria no acesso a uma remuneração adequada dos adultos (pais das crianças) com uma melhoria no acesso a serviços essenciais, nas áreas da educação, habitação, saúde e serviços sociais e com uma prestação de apoio financeiro a todas as famílias (com cariz universal, portanto). 

Este equilíbrio entre a cobertura universal e as medidas específicas, dirigidas a segmentos da população, é absolutamente necessário num contexto de contenção da despesa pública e quando se sabe que as medidas genéricas e extensivas são medidas de baixo impacto sobre a pobreza.

RECOMENDAÇÕES

  • Assegurar uma intervenção precoce com fins preventivos em áreas como a educação e saúde.
  • Monitorizar a implementação de políticas para garantir o acesso a bens e serviços de forma equitativa, independentemente da região em que se reside, da posição que se ocupa na estrutura das ocupações profissionais, da formação académica, do género e da idade.
  • Combater a pobreza infantil, enquanto fenómeno social autónomo.
  • Estimular o desenvolvimento de inovações sociais eficientes no apoio à família, com destaque para a mediação, os centros de aconselhamento familiar e o desenvolvimento de competências socioparentais.