27 desafios
511 recomendações
Desafio 27
Fazer da segurança e defesa, pilares da estratégia nacional
O objetivo de uma sociedade portuguesa segura implica hoje uma visão da segurança nacional que vai muito para além de uma perspetiva autonomizada da defesa militar do País, do desempenho policial, da punição da criminalidade e da proteção civil. Uma visão complexa e integrada da segurança é hoje comummente assumida como imperativa, face às ameaças hodiernas; e, contudo, uma tal visão já de há muito se intuía da conceptualização estratégica, dos objetivos permanentes e da dimensão interdepartamental da defesa nacional.
A PCS assume como essencial a manutenção da relevância estratégica e das capacidades das Forças Armadas e das forças e serviços de segurança no contexto das responsabilidades nacionais, comunitárias e internacionais. Mas encarar seriamente a segurança da sociedade portuguesa implica acautelar, de forma conceptualmente integrada e organizacionalmente sistémica, todos os perigos inerentes às questões coletivas vitais.
A verdade é que não se dispõe ainda em Portugal de um conceito estratégico de segurança nacional nem de um sistema de segurança nacional. Numa dimensão nuclear da soberania, que é uma missão indeclinável do Estado, Portugal revela, por isso, debilidades importantes. Tais debilidades afetam duplamente o devir sustentável da sociedade portuguesa.
Por um lado, potenciam riscos e densificam perceções de insegurança, face ao sentimento de provável incapacidade para defesa do bem-estar e da coesão social, do fluir da vida económica e do normal funcionamento das instituições democráticas caso se concretizem as ameaças indutoras daqueles riscos potenciados.
Por outro lado, ao não pensar estrategicamente a segurança nacional e ao não a organizar sistemicamente, Portugal, não só persiste na ineficiência, ineficácia e irracionalidade financeira patentes no modelo atual de organização e funcionamento das Forças Armadas e das forças e serviços de segurança, como desperdiça oportunidades sólidas de fixar no País conhecimento, investigação, desenvolvimento empresarial e investimento estrangeiro em áreas de tecnologia de ponta e de alta criação de valor.
Há, pois, muito caminho a percorrer em prol de uma política pública de segurança que se constitua em pilar – necessariamente determinante – de uma estratégia nacional de desenvolvimento sustentável da sociedade portuguesa.
Neste contexto defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:
- Definir um novo conceito estratégico de segurança nacional
- Concretizar um verdadeiro sistema de segurança nacional
- Orientar a política de segurança para desígnios estratégicos nacionais
Orientações Estratégicas
Em matéria de defesa nacional e de segurança interna tem sido geralmente possível consensualizar politicamente linhas de rumo importantes. É um exemplo – diferente de outros – da maturidade democrática das instituições políticas nacionais.
De tais linhas de rumo consensualizadas, são de destacar as que têm existido em torno: da afirmação da necessidade de credibilidade das nossas capacidades de defesa militar face às ameaças externas; da imprescindibilidade de honrarmos os nossos compromissos no seio dos sistemas coletivos de segurança da comunidade internacional e da participação em missões humanitárias e de paz, incluindo as capacidades de projeção de forças; da relevância da cooperação militar portuguesa; do mérito do desempenho pelas Forças Armadas de missões de interesse público; do desejo de maiores níveis de eficiência, eficácia e racionalidade financeira na obtenção do produto operacional conjunto dos ramos das Forças Armadas; da vantagem do policiamento de proximidade e da videovigilância, que não necessariamente esquadras e postos de proximidade e que não certamente centenas de milhares de diligências não essencialmente policiais anualmente feitas por polícias; da eficácia das informações e das comunicações de segurança e da sensibilidade de tratamento que reclamam; de maior exigência quanto aos resultados da investigação criminal; do desejável fortalecimento das capacidades da proteção civil; da inadmissibilidade dos níveis da sinistralidade rodoviária; da participação ativa que se requer de Portugal seja na Política Externa e de Segurança Comum – incluindo nas cooperações estruturadas permanentes da Política Comum de Segurança e Defesa –, seja nas competências europeias partilhadas do espaço de liberdade, segurança e justiça e nas competências europeias complementares de proteção civil.
Contudo, como explicitado, não é hoje suficiente repousar sobre esses tradicionais e relativamente estáveis consensos políticos; adquiridos, alguns, mais como ambição do que como resultado ou, sequer, como prática. Urge compreender as razões desta insuficiência e cimentar um mais exigente consenso político destinado a dotar Portugal de um conceito estratégico de segurança nacionale a erigir entre nós um verdadeiro sistema de segurança nacional.
Tais razões, estão, de há muito, patentes; e são, de há muito, descuidadamente ignoradas. Apesar de contenderem com uma das obrigações primeiras do Estado.
Como referido, encarar seriamente a segurança da sociedade portuguesa implica acautelar de forma conceptualmente integrada todos os perigos inerentes às questões coletivas vitais. São questões como: o abastecimento alimentar, hídrico, medicamentar, energético e de matérias-primas;
o funcionamento das instalações críticas, incluindo das redes cibernéticas; a preservação ambiental, incluindo do clima e da biodiversidade; as disseminações nucleares, biológicas, químicas e radiológicas; a liberdade de circulação, incluindo em rotas marítimas e na utilização do espaço; o equilíbrio demográfico e migratório; o desempenho económico e financeiro, sem esquecer a integridade das fontes de informação, da identidade e do património cultural e das capacidades autónomas de criar e transmitir conhecimento.
Por outro lado, é hoje consensual a necessidade e a urgência de garantir a possibilidade da intervenção militar interna das Forças Armadas a par – conjunta e combinadamente – das forças e serviços de segurança, face às novas ameaças à segurança das sociedades, mais ou menos explícitas e efetivas, tão insidiosas quanto poderosas, de natureza assimétrica e de fonte externa – transnacionais, na expressão que vai fazendo escola –, constituídas basicamente pelo terrorismo e diversos tipos de criminalidade organizada e violenta, em especial as redes dos vários tráficos e de imigração ilegal.
Na verdade, caducado o sistema estratégico bipolar e caducada a capacidade de disciplinar inerente às esferas de influência que o caracterizavam, e globalizado o nosso planeta, a ameaça convencional cedeu a proeminência àquelas novas ameaças, que se concretizaram em agressões efetivas, como a série de atentados terroristas de grande envergadura iniciada com o 11 de setembro.
Aquelas ameaças e estas agressões determinaram a diluição da tradicional fronteira conceptual entre segurança interna e defesa nacional (ou segurança externa) e justificam também, por si mesmas, a pertinência de um novo conceito estratégico de segurança nacional. Pelo que, independentemente de razões para a preservação daquela diferenciação conceptual, não é mais possível dispensar as capacidades das Forças Armadas no apoio às forças e serviços de segurança ou até no complemento destas, disponibilizando maior pujança de prevenção e resposta soberana. É um imperativo – mais do que uma oportunidade – do exigentíssimo ambiente estratégico da atualidade.
Um tal conceito estratégico de segurança nacional vai obviamente bastante mais além do que já hoje – e no atual enquadramento jurídico-constitucional português – é a intervenção militar das Forças Armadas no âmbito lato da proteção civil e das missões de interesse público, nos estados de sítio e de emergência e no policiamento dos meios marinho e aéreo de responsabilidade nacional, incluindo aqui operações de afirmação da autoridade soberana de salvaguarda da vida humana e de preservação ambiental.
Por isso, um tal conceito estratégico de segurança nacional implica um rigor normativo que a recente Lei de Segurança Interna evitou e que a ainda mais recente Lei de Defesa Nacional não teve competência para tratar, pois que toda a intervenção das Forças Armadas em território nacional no uso – ou simplesmente na suscetibilidade de uso – das suas capacidades de coação é uma questão relevantíssima, que não pode deixar de ser tratada pelo legislador com rigor: tipificando os pressupostos, as formas, o processo politicamente participado de decisão e a estrutura de comando das concretas intervenções. Trata-se de uma lacuna grave, que requer suprimento imediato.
RECOMENDAÇÕES
- Definir um conceito estratégico de segurança nacional que acautele, de forma conceptualmente integrada, todos os perigos inerentes às novas questões coletivas vitais, assente num inequívoco consenso político e assegurando o envolvimento das Forças Armadas no apoio às forças e serviços de segurança ou até no complemento destas, tipificando os pressupostos, as formas, o processo politicamente participado de decisão e a estrutura de comando das concretas intervenções
É urgente edificar em Portugal um verdadeiro sistema de segurança nacional.
Mesmo que, por razões de organização governativa e administrativa, se limite o sistema de segurança nacional às questões da defesa militar, do desempenho policial, da punição da criminalidade e da proteção civil, um tal sistema tem de resultar da harmonia global do funcionamento destas vertentes entre si, em termos de produzirem conjuntamente segurança de qualidade, isto é, com eficiência, eficácia e racionalidade financeira.
Trata-se de um sistema de segurança nacional que, no mínimo, encare de modo conjunto, integrado e combinado as áreas tradicionais da defesa nacional e da administração interna; com o ordenamento das chamadas zonas urbanas sensíveis, com a política de imigração, com o sistema prisional e de reinserção social e com a muito problemática investigação criminal – pois a impunidade gera sentimentos de insegurança e gera a própria criminalidade, por caducidade dos efeitos dissuasores da punição, tema que o presente Relatório aborda noutro momento.
Para além das razões estratégicas, há também fortes razões de gestão pública estrutural – independentes, portanto, da contingência financeira com que o país se confronta – que aconselham a edificação em Portugal do sistema de segurança nacional aqui preconizado. Destacamos quatro dessas razões.
Em primeiro lugar, o grau de ambição na disponibilização de recursos – humanos, de sistemas de armas, de equipamentos e de tecnologias – que o País tem assumido, sendo certamente compreensível, é notoriamente desconforme com as capacidades financeiras disponíveis e, muitas vezes, até claramente desequilibrado face à relevância, entre si, dos vários objetivos assumidos. Impõe-se, pois, uma reanálise base zero das diferentes programações de recursos, orientada sobretudo para os ganhos de eficiência e de eficácia na produção de segurança em todo o seu ciclo, desde a aquisição e tratamento do conhecimento e informação, passando pela prevenção, alerta e dissuasão, até à efetiva proteção e intervenção.
Em segundo lugar, é realmente notório que persistem níveis elevados de entropia (e de desperdício de sinergias), de ineficiência e de ineficácia na utilização de recursos, com prejuízo continuado para o produto operacional conjunto e combinado das Forças Armadas e das forças e serviços de segurança, incluindo ao nível das informações. Há inexplicáveis duplicações de intervenientes, a par de vazios de competências. E há desaproveitamento das competências especializadas de cada um desses intervenientes. Em suma, não há, na prática, os adequados níveis de complementaridade, de flexibilidade, de interoperabilidade e de polivalência (duplo uso) perfeitamente possíveis na gestão dos recursos existentes. Nesta perspetiva, encarando conjuntamente Forças Armadas e forças e serviços de segurança e valorizando as competências, vocações e tradições de cada estrutura, há racionalização a concretizar na organização funcional global. É necessário orientar o produto operacional das Forças Armadas para capacidades altamente especializadas e de excelência dos seus três ramos, sob efetivo comando conjunto, com racionalização das valências comuns não operacionais e com centralização e partilha das funções de suporte, essenciais, aliás, para assegurar a direção e supervisão política por parte do Ministério da Defesa Nacional.
E é também necessário clarificar as funções policiais, no sentido de melhor caracterizar a função de investigação criminal face ao policiamento de proximidade e ao policiamento de intervenção, sem prescindir de uma polícia de condição militar em todo o território e dando pujança efetiva quer ao policiamento do meio marinho e do espaço aéreo sob autoridade nacional, quer à preservação do ambiente marinho e ao combate aéreo aos incêndios florestais.
Em terceiro lugar, são ainda de assinalar os desequilíbrios crónicos na gestão das carreiras dos homens e mulheres que, com exigentes condições profissionais, militares e não militares, servem a segurança e a defesa nacionais; desequilíbrios que só se têm corrigido com pontuais e dispendiosas medidas excecionais; para, logo depois, a inércia se instalar e se revelarem novos desequilíbrios ao fim de algum tempo.
A visão integrada inerente a uma segurança nacional sistémica apresenta a possibilidade de redimensionar os recursos humanos da segurança nacional de forma a não desperdiçar valências e mediante uma atitude de valorização e respeito pelas expectativas individuais. Destaca-se, neste aspeto, que há condições para perspetivar, a uma década, que os efetivos – e referimo-nos a efetivos totais– das Forças Armadas rondem 30 000 pessoas, incluindo uma percentagem de cerca de 25% de pessoal civil. O processo tem, contudo, de iniciar-se de imediato, percebendo-se que esta meta de redimensionamento não é arbitrária, porque assenta antes numa análise cuidada bottom-up, pensando as Forças Armadas a partir das suas missões naquela perspetiva integrada e sistémica.
Em quarto lugar, as Forças Armadas e as forças e serviços de segurança dispõem de competências e experiências que em muito podem contribuir para a solidificação de setores económicos estratégicos, com forte potencial de crescimento e com investigação, desenvolvimento e inovação endógenos, como acontece com o mar, a aeronáutica ou determinadas tecnologias de informação e comunicação. As Forças Armadas e as forças de segurança devem pois ser concebidas como centros de excelência.
A edificação de um verdadeiro sistema de segurança nacional, enformado pelo seu próprio conceito estratégico, pressupõe a verificação de, pelo menos, três condições cumulativas.
A primeira é uma efetiva direção política da segurança nacional e uma efetiva liderança política do processo de regeneração das estruturas atuais e do seu modo de funcionamento. Tem havido, ao longo dos últimos trinta e seis anos – perspetivando apenas o período posterior à Constituição de 1976 –, lacunas de governação em matéria de segurança nacional. Tais lacunas de governação geram naturalmente ausência de contraditório das visões parcelares e dos interesses particulares e geram também fortes deficiências de controlo. São, porventura, o resultado de falta de conhecimentos e de reflexão que permitam argumentar em áreas complexas. Mas, qualquer que seja a causa, prejudicam inevitavelmente a legitimidade da intervenção política, com a agravante de o permanente incumprimento dos planeamentos gerar desconfiança e mecanismos corporativos defensivos.
A segunda condição é a consolidação do entendimento de que o funcionamento eficiente e eficaz do sistema de segurança nacional pode implicar nova organização governativa e reestruturações dos órgãos de conselho e da Administração em matéria de segurança, sendo que as Forças Armadas se integram na administração direta do Estado. Mas isto deverá ser uma decorrência lógica e natural, sem sobressaltos, de alguns momentos prévios: em que Forças Armadas e forças e serviços de segurança se dediquem integralmente ao produto operacional – mais conjunto e combinado –, assumindo-se centralmente as funções de apoio e de controlo e uma mais ampla partilha de serviços; em que se redesenhem processos de decisão e de funcionamento; em que sejam feitos redimensionamentos internos; em que exista no Governo uma visão de conjunto e em que nele haja capacidade de pensamento estratégico, começando pelo reconhecimento do óbvio valor económico do bem que é a segurança.
A última condição é a coragem de perceber que tal capacidade de pensamento estratégico não é, pura e simplesmente, prever o futuro – sobretudo quanto o futuro já não é o que costumava ser.
RECOMENDAÇÕES
- Estabelecer um sistema de segurança nacional que encare de modo conjunto, integrado e combinado as áreas tradicionais da defesa nacional e da administração interna, a par do acompanhamento de matérias relacionadas com o ordenamento das chamadas zonas urbanas sensíveis, a política de imigração, o sistema prisional e de reinserção social e a investigação criminal.
- Clarificar as funções policiais, no sentido de melhor caracterizar a função de investigação criminal face ao policiamento de proximidade e ao policiamento de intervenção, sem prescindir de uma polícia de condição militar em todo o território e dando pujança efetiva quer ao policiamento do meio marinho e do espaço aéreo sob autoridade nacional, quer à preservação do ambiente marinho e ao combate aéreo aos incêndios florestais.
- Orientar o produto operacional das Forças Armadas para capacidades altamente especializadas e de excelência dos seus três ramos, sob efetivo comando conjunto, com racionalização das valências comuns não operacionais e com centralização e partilha das funções de suporte, essenciais, aliás, para assegurar a direção e supervisão política por parte do Ministério da Defesa Nacional.
Pensarmos estrategicamente o país é anteciparmos o nosso futuro a partir do que hoje construímos nos contextos existentes e face a objetivos traçados; não é, de todo, construirmos hoje a partir do futuro que procuramos adivinhar. O desafio do desenvolvimento seguro e sustentável da sociedade portuguesa será, assim, o de, partindo do conceito estratégico de segurança nacional, erigir uma Estratégia Nacional.
Reincide-se neste ponto na afirmação de que existe, no seio das Forças Armadas e das forças e serviços de segurança, o conhecimento para o fortalecimento de setores económicos estratégicos, com grande potencial de crescimento e com investigação, desenvolvimento e inovação próprios, que, sendo estimulado, pode ajudar a atrair ao País conhecimento, investigação, desenvolvimento empresarial e investimento estrangeiro em áreas de tecnologia de ponta e de alta criação de valor.
Não se trata apenas de consolidar o saber e a criação de riqueza nacional no âmbito das diversas manutenções de sistemas de armas e equipamentos; nem de estar obviamente atento às possibilidade que a crise orçamental europeia e as consequentes restrições aos orçamentos de segurança poderão criar para o crescimento das políticas de partilha de equipamentos militares entre os diversos parceiros europeus (pooling and sharing), sempre sem que esta opção possa atentar contra as capacidades próprias de produção de segurança de que o país não deva prescindir.
Sabe-se que a conjugação de vários programas colaborativos entre governos, Forças Armadas e setor industrial conduziu ao desenvolvimento de uma nova política integrada europeia que tem potencial para permitir racionalizar os gastos sem diminuir as capacidades e que o surgimento de uma cadeia de valor industrial integrada na área das indústrias de defesa está a permitir aumentar as capacidades exportadoras da Europa.
Reconhece-se que importa olhar para determinados setores económicos também na perspetiva dos interesses da segurança, agregando-lhes benefícios antes não atribuídos aos respetivos custos, assim perspetivando de forma mais real e positiva a sua viabilidade económica. Pensa-se aqui em setores vitais como o hídrico, o alimentar, o energético ou o farmacêutico, incluindo as necessárias reservas estratégicas de segurança. Pensa-se aqui também nas exigências do controlo efetivo das nossas fronteiras e dos espaços – terrestre, marítimo, aéreo e ciberespaço – de responsabilidade nacional.
Mas, sem prejuízo de tudo isto, importa sobretudo apostar, deliberada e estrategicamente, em determinados setores concretos, como o marítimo e o aeronáutico. São setores relativamente aos quais é, aliás, possível e desejável perspetivar a cooperação técnico-militar já existente com os países da CPLP como uma alavanca mútua para a criação de valor; e em que o triângulo estratégico Portugal-Brasil-Angola pode ser valorizado, nos interesses comuns a serem potenciados que encerra.
A PCS destaca três importantes realidades muito concretas. O potencial do Ártico – um disputadíssimo Global Common: face aos efeitos do aquecimento global, abrem-se aí novas rotas marítimas que reposicionam estrategicamente Portugal na geografia global.
Também o sucesso na extensão da nossa plataforma continental coloca desafios e oportunidades muito significativos. Constitui um desígnio estratégico, que importa acautelar desde já, salvaguardar a soberania de Portugal sobre a sua plataforma continental e a capacidade de dela extrair valor.
Neste sentido, a opção tenderá naturalmente para apostar na criação de consórcios nacionais de investigação e exploração e na viabilização dos que, de origem externa, permitam uma participação portuguesa de peso, suscetível de impedir a usurpação dos recursos da plataforma por terceiros. A obtenção de financiamento para desenvolvimento de projetos de exploração da nossa plataforma continental é, de per se, um desígnio estratégico, que está intimamente dependente da capacidade de Portugal se assumir como um destino aliciante para o investimento estrangeiro; mas também da aposta no empreendedorismo nacional.
Haverá de distinguir-se muito claramente entre a atividade de exploração dos recursos e os recursos em si mesmos pois, se a primeira pode conceber-se como franchisada, os segundos – sob pena de dissipação de valor – não são alienáveis conjuntamente com a atividade de exploração, devendo o Estado preservar a sua capacidade de livre determinação nesta vertente. Portugal pode também colaborar, ativa e estrategicamente, com alguns dos seus parceiros da CPLP nas respetivas reivindicações de extensão das suas plataformas continentais.
O desenvolvimento de um cluster da indústria aeroespacial e da defesa em território português deve constituir-se como outro objetivo estratégico nacional.
Portugal dispõe, aliás, já hoje, de reconhecidas competências industriais de excelência na área da manutenção e dos componentes aeronáuticos e dispõe de recursos humanos com elevada formação científica e tecnológica, de instituições capazes de produzir investigação de qualidade e de uma rede de pequenas e médias empresas atuantes nos domínios aeroespacial e da defesa.
À escala nacional portuguesa, a indústria aeroespacial e da defesa da União Europeia traduz um enorme potencial: representou, em 2010, um volume de negócios de 163 mil milhões de euros, empregando setecentas mil pessoas.
Sendo politicamente bem definidos e planeados os investimentos necessários à garantia das capacidades operacionais das Forças Armadas e das forças de segurança portuguesas, o País tornar-se-á num destino interessante para investimentos de empresas multinacionais dos setores aeroespacial e da defesa.
Portugal pode aqui usufruir também da sua profunda ligação geoestratégica com os Países da CPLP, apresentando-se como uma plataforma de baixo risco para que multinacionais dos setores aeroespacial e da defesa a eles tenham acesso.
Se fizermos o que pode e deve ser feito, o volume de negócios anual do setor aeroespacial e da defesa a atuar a partir de Portugal poderá representar, pelo menos, 1% do PIB até 2020 e, pelo menos, 1,5% até 2030.
E fazer o que deve ser feito passa por ações como:
- uma aposta sustentada nos programas da Agência Espacial Europeia;
- a criação de condições para a instalação em Portugal de centros de treino internacionais nas áreas aérea e naval, aproveitando as excelentes infraestruturas e condições naturais disponíveis;
- a aposta em parcerias com empresas multinacionais do setor aeroespacial e da defesa para estabelecimento de programas de suporte logístico integrado, a longo prazo, articuladamente com a sustentação logística dos equipamentos e armamentos das Forças Armadas e das forças de segurança, suscitando a localização de polos de manutenção em Portugal;
- a formalização e divulgação de um plano estratégico do setor aeroespacial e da defesa, que defina as linhas do desenvolvimento das políticas públicas neste domínio, com estabilidade temporal, de objetivos e de meios.
RECOMENDAÇÕES
- Salvaguardar a soberania de Portugal sobre a sua plataforma continental e a capacidade de dela extrair valor. Apostar na criação de consórcios nacionais de investigação e exploração e na viabilização dos que, de origem externa, permitam uma participação portuguesa de peso, suscetível de impedir a usurpação dos recursos da plataforma por terceiros.
- Desenvolver um cluster da indústria aeroespacial e da defesa em território português. Criar condições para a instalação em Portugal de centros de treino internacionais aproveitando as excelentes infraestruturas e condições naturais disponíveis; apostar em parcerias com empresas multinacionais do setor aeroespacial e da defesa para estabelecimento de programas de suporte logístico integrado, suscitando a localização de polos de manutenção em Portugal.