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Desafio 3

Alicerçar o sistema educativo na liberdade e responsabilidade, formando gerações criativas, competentes e confiantes

Os alunos do século XXI são nativos digitais e vão viver num mundo cujas estruturas sociais e económicas não conseguimos hoje vislumbrar completamente.

Além dos saberes básicos, têm de adquirir competências de multitasking, trabalho em equipa e produção cooperativa de conhecimento. Terão de ser capazes de fazer a síntese entre a sua pertença simultaneamente local, global e digital. Estes alunos precisam de novas pedagogias, novos modos de aprender, de uma nova escola. Mas esta realidade não nos pode fazer esquecer as crianças e jovens com maiores dificuldades na aprendizagem e com necessidades educativas especiais. A escola portuguesa terá de ser um espaço de educação baseada no rigor, no conhecimento, na inovação e na inclusão.

Num mundo em transformação política e geo-estratégica, o futuro de Portugal e dos portugueses depende também da nossa capacidade para nos projetarmos no futuro sem esquecer o que somos e o que fomos. A nossa História e a nossa cultura são pilares da nossa vivência coletiva e da nossa afirmação no espaço europeu e no mundo.

Também aqui a escola tem um papel inultrapassável e fundador.

Para tanto, a escola portuguesa terá de ser um espaço estruturado mas aberto à comunidade em que se insere e ao mundo; robusto na sua missão essencial de ensinar, mas flexível e adaptável ao futuro.

A construção destes espaços escolares exige uma reformulação organizacional profunda. Para reinventar a escola e fazer mais e melhor ao nível do currículo e da preparação e afetação dos recursos, é necessário criar um quadro claro de princípios estruturantes e funções, definir quem são os agentes da mudança, dar-lhes poder para agir, criar os incentivos adequados e apoiar de forma clara e consistente o processo de mudança (apoio político).

O sistema educativo português deve estruturar-se em torno de:

  • Autonomia
  • Liberdade
  • Comunidade
  • Exigência
  • Inclusão

Orientações Estratégicas

A autonomia das escolas é um conceito já antigo no léxico da administração educativa. Por vezes, surge como um elemento salvífico, cuja consagração iria resolver todos os problemas da escola. A discussão tem oscilado entre os que defendem que as escolas não têm autonomia, os que defendem que as escolas não usam a autonomia que já têm e os que defendem que as escolas não estão preparadas para ter autonomia.

Em nosso entender, a autonomia consiste na legitimidade e no poder de a escola gerir o seu processo de ensino e aprendizagem e concretiza-se (i) na possibilidade de adequar o currículo – dentro de parâmetros nacionais e com exames nacionais – e de (ii) decidir quanto à afetação e uso dos seus recursos: pessoas (docentes e não docentes), instalações, bens e financiamento.

Esta autonomia exige lideranças fortes e capacitadas (liderança de topo, intermédias e de equipas pedagógicas), algum grau de competição que incentive a inovação  e a melhoria contínua, assim como padrões exigentes de avaliação de resultados.

Esta autonomia exige que o País confie nos profissionais da educação, atribuindo-lhes a capacidade de agir. Só assim poderemos esperar que as escolas se tornem espaços de liberdade com responsabilização.

Por outro, é importante que o modelo de financiamento do sistema educativo seja em si mesmo um fator de liberdade e de autonomia.

À luz destas premissas é importante que a autonomia e a responsabilidade das escolas se baseie num conjunto de objetivos e pressupostos. Em primeiro lugar, numa nova estrutura dos ciclos do ensino básico e secundário, na lógica de doze anos de escolaridade obrigatória, com seis anos de ensino básico, em torno de saberes e formações de base, seguidos de seis anos de ensino secundário, determinada por uma aposta, no reforço dos saberes de prosseguimento de estudos ou, alternativamente, nas competências vocacionais, na preparação para a futura aprendizagem ao longo da vida e, principalmente, na promoção do sucesso educativo.

Em segundo lugar, é fundamental concretizar uma nova visão da autonomia da escola, centrada nos agrupamentos de escolas, assumida menos como delegação ou desconcentração de competências centrais e mais como uma autonomia endógena, liberta das direções regionais de educação. As competências do Ministério da Educação devem ser limitadas à garantia de uma uniformidade curricular de base, à inspeção educativa e à regulação, supervisão e avaliação de todo o sistema.

Em terceiro lugar, a autonomia da escola deve ser determinada pela vocação para edificar projetos educativos próprios em cada agrupamento de escolas, adequados à comunidade escolar, passíveis de concorrência com outros projetos educativos, sejam ou não públicos, e animados pelo objetivo de promoção do sucesso educativo de cada aluno.

Em quarto lugar, é importante criar as condições para um quadro de pessoal docente e não docente mais estável e mais entrosado com os respetivos projetos educativos, evitando, a médio-prazo, os concursos centralizados de docentes.

Em quinto lugar, definir um modelo de financiamento dos agrupamentos com base em critérios transparentes que premeiem os bons resultados dos projetos educativos, sem influência de rankings cegos, reconhecendo os esforços de melhoria dos resultados escolares face às dificuldades específicas de cada comunidade educativa. No modelo de financiamento das escolas deve ser igualmente valorizada a procura por parte das famílias, em torno, do número de turmas constituídas.

Em suma, todo o sistema educativo tem muito a ganhar com a introdução de alguma competição saudável, sendo fundamental garantir às comunidades a estabilidade e previsibilidade que lhes permitam desenvolver os seus projetos educativos de forma sustentada e sustentável.

Recomendações:

  • Concretizar uma nova visão da autonomia da escola, determinada pela vocação para edificar projetos educativos próprios em cada agrupamento de escolas, adequados à comunidade escolar, passíveis de concorrência com outros projetos educativos, sejam ou não públicos, e animados pelo objetivo de promoção do sucesso educativo de cada aluno. As competências do Ministério da Educação devem ser limitadas à garantia de uma uniformidade curricular de base, à inspeção educativa e à regulação, supervisão e avaliação de todo o sistema.
  • Conferir aos agrupamentos de escolas o poder de contratar os seus recursos humanos e financiar aqueles agrupamentos tendo por base critérios transparentes que premeiem os bons resultados dos projetos educativos – reconhecendo os esforços de melhoria dos resultados escolares face às dificuldades específicas de cada comunidade educativa – e que tenham em atenção o número de turmas constituídas, enquanto elemento de valorização da escolha da escola por parte das famílias.
  • Criar um modelo de governação dos agrupamentos baseado em lideranças pedagógicas claras e legitimadas.
  • Assegurar  a avaliação independente e externa dos agrupamentos de escolas e dos professores e a existência de exames nacionais para avaliação dos alunos no final de cada ciclo de ensino.

O princípio da liberdade abrange quer a liberdade de ensinar, quer a liberdade de aprender. A liberdade de aprender traduz-se no direito de escolha de percurso educativo e de escola pelos encarregados de educação.

Esta liberdade não pode ser tratada fora de uma visão articulada e global para o sistema educativo.

A liberdade de escolha tem como objetivo primordial incentivar o fortalecimento da adesão dos alunos (e das suas famílias) à escola que frequentam. Trata-se de criar laços com a escola que promovam a interdependência e a criação de verdadeiras comunidades educativas. Simultaneamente, trata-se de criar incentivos à criação de projetos educativos claros e criadores de valor. Mas é uma liberdade regulada, onde imperam princípios de transparência e equidade que garantem que são os alunos que escolhem a escola e não o contrário. Neste sentido, a escolha da escola pelas famílias deve ser constituir um critério importante nas decisões sobre a rede global de ofertas educativas.

Desta forma, a liberdade de escolha de escola será uma poderosa alavanca de melhoria e concorrência dos projetos educativos. A riqueza do sistema educativo português residirá na diversidade e qualidade da oferta e na sua adaptação a diferentes meios e contextos, sendo importante que a rede de agrupamentos de escolas seja flexível.

Devemos caminhar progressivamente, numa lógica de racionalização, coerência e pluralidade das ofertas educativas, no sentido de uma rede nacional de serviço público de educação e formação, integrada pelas escolas públicas, particulares e cooperativas, reconhecendo ao ensino privado um justo papel de cooperação, liberdade e complementaridade na satisfação de uma função pública.

RECOMENDAÇÕES

  • Definir, com a flexibilidade necessária atendendo à procura, uma rede nacional de educação e formação, integrada pelas escolas públicas, particulares e cooperativas, reconhecendo ao ensino privado um justo papel de cooperação, liberdade e complementaridade na satisfação de uma função pública.
  • Estabelecer a regra da liberdade de escolha ilimitada na rede de oferta pública (escolas públicas estatais e privadas). Após dois anos, pelo menos 10%, e após quatro anos, pelo menos 20%, dos alunos deverão frequentar uma escola da sua escolha e não apenas a que fica mais próxima do seu local de residência.
  • Estabelecer regras claras de acesso, não discriminação e bonificação para apoio para crianças e jovens com necessidades educativas especiais ou dificuldades de aprendizagem.

Na última década tem havido um esforço grande de vários atores para criar maiores laços entre as escolas e as comunidades em que se situam. Quer aproximando os poderes locais da escola, quer criando parcerias entre a escola e o tecido empresarial e cultural local. Contudo, essas ligações são acontecimentos ocasionais (salvo o caso de algumas autarquias) e não constituem um pilar da vida da escola. Em consequência, o enraizamento da escola na comunidade e a responsabilização desta por aquela e vice-versa são processos frágeis e não sustentados ou sustentáveis no atual contexto.

Porém, e à semelhança do que sucede no sistema social em geral, a escola tem de se fundar e funcionar em redes alargadas. O crescimento sustentável do país depende, também, da nossa capacidade de nos organizarmos em rede e potenciarmos os recursos materiais e imateriais de cada nó.

Na visão de sistema educativo que propomos, as escolas são organizações fortemente articuladas com a comunidade que servem e têm, com esta, relações de interdependência. A autonomia não se exerce em isolamento mas em parceria. Isto implica uma clarificação e reformulação de duas funções distintas: uma função conceptual e estratégica, na qual a comunidade deverá estar envolvida plenamente e  uma função de direção e gestão, em que esse envolvimento não poderá esquecer a necessidade de eficiência e eficácia.

RECOMENDAÇÕES

  • Incentivar a participação dos municípios/comunidades na vida dos agrupamentos de escolas, na conceção e edificação dos projetos educativos e na própria definição do seu funcionamento e avaliação.
  • Criar diferentes modelos de regulação local da educação que poderão ser adotados pelas comunidades locais.
  • Criar mecanismos de incentivo à constituição de redes locais de qualificação que incluam o ensino de adultos e modalidades de aprendizagem ao longo da vida, em articulação com plataformas digitais universitárias.

Uma crítica ao sistema educativo português, amplamente divulgada na opinião pública, é a sua falta de exigência. Nas versões mais moderadas, esta crítica refere-se à falta de exigência de algumas modalidades de formação. Alegadamente, esta falta de exigência consubstancia-se em níveis educacionais menos bons que “os do meu tempo” e em resultados dos alunos portugueses abaixo dos de outros países, medidas nos programas de avaliação internacional como o PISA (Program for International Student Assessment, da OCDE) ou o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study, da IEA, International Association for the Evaluation of Educational Achievement).

Se, quanto ao primeiro efeito, nada há a anotar, dado que se trata de uma perceção largamente influenciada pelo sistema de crenças e pelas lentes de cada um, quanto à segunda, as razões destes resultados são multifatoriais. Contudo, é hoje pacífico na comunidade científica que a existência de objetivos claros e ambiciosos contribui fortemente para a obtenção de bons resultados. As altas expectativas dos docentes quanto aos seus alunos são um fator promotor de sucesso educativo. Não expectativas em abstrato, mas sim expetativas quanto à sua capacidade para aprender o currículo. Um currículo robusto, claro, completo. Com uma componente nacional básica e complementado por cada escola no âmbito da sua autonomia.

Esta exigência reforçada no sistema e a criação de espaços para cada escola colocar fasquias pedagógicas adaptada a cada aluno permite também que as escolas não esqueçam os alunos que têm, em cada momento, capacidade para atingir níveis de verdadeira excelência educativa. Precisamos de escolas e docentes focados nos resultados (todos os resultados) de cada um dos seus alunos: seja nos que têm dificuldades a vencer, seja nos que têm potencial a estimular e valorizar.

E o princípio da exigência, hoje, não se coloca apenas ao nível das aquisições académicas dos alunos. Coloca-se, também, ao nível do seu desenvolvimento pessoal e social. Nesta linha, é importante que a escola incorpore, no seu ensino e aprendizagem, competências sociais que capacitem os jovens para construir o seu futuro e serem construtores ativos do futuro coletivo das comunidades em que se inserirem.

Tradicionalmente, as questões da exigência têm sido abordadas na perspetiva das aprendizagens dos alunos. Mas é fundamental que se coloquem, também, ao nível do desempenho profissional do pessoal docente e do pessoal não docente, bem como do cumprimento dos seus deveres pelos diversos parceiros na comunidade. À autonomia e responsabilidade das escolas temos de juntar exigência quanto aos resultados, que devem ser criteriosamente perspetivados e avaliados.

Para tanto, é fundamental haver dados sobre o desempenho do sistema e de cada um dos seus componentes. Atualmente, o sistema ainda é muito opaco, o que já não é justificável atendendo à tecnologia existente ao nível dos sistemas de informação e de business intelligence.

RECOMENDAÇÕES

  • Utilizar os exames nacionais como instrumento consistente e fiável para a ação pedagógica das escolas e para a monitorização dos resultados do sistema.
  • Criar um sistema de business intelligence de apoio à gestão de cada escola.
  • Concretizar a definição dos perfis específicos de desempenho profissional dos professores e assegurar a avaliação do desempenho de cada escola e dos resultados do sistema de educação e formação.

Ao nível da inclusão, existem os tradicionais problemas individualizáveis (dificuldades de aprendizagem e necessidades educativas especiais, abandono escolar, maus tratos e negligência, entre outros), um problema geral (a rede social de apoio) e um novo problema de participação na economia do conhecimento.

Quanto aos problemas individualizáveis – que se traduzem na falta de adaptação da oferta educativa às situações especiais de muitos alunos – a questão do equilíbrio entre os recursos necessários e os recursos existentes tem levado a que, mau grado melhorias paulatinas ao longo dos tempos, não exista ainda uma política de inclusão robusta e transversal a todo o sistema educativo.

Uma tal política de inclusão pressupõe uma nova ideia de equidade educativa, indo mais longe do que a mera ligação desta à ação social escolar e  à educação especial. É, de facto, preciso ir mais além. Deve assumir-se a equidade educativa como um desígnio primeiro do sistema educativo, centrando o serviço da escola no cidadão e procurando ver a justiça do sistema não simplesmente pela perspetiva da distribuição dos recursos mas pela eficácia dos resultados concretos da aprendizagem de cada criança e de cada jovem.

Quanto aos problemas gerais, a situação é de falta de articulação e de uma estratégia sistémica adequada.

Os serviços e projetos de apoio e integração social, públicos e privados, utilizam recursos importantes da sociedade e têm um papel fundamental na construção de uma sociedade mais coesa e justa.

Ao sistema educativo cabe tradicionalmente uma importante missão (e é um instrumento potencialmente muito poderoso) de promoção social e de combate à exclusão, o que justifica o relevante investimento público na educação para todos. Contudo, os esforços de promoção da integração e coesão não se constituem como uma rede suficientemente articulada e coerente e com uma liderança clara que potencie esta utilização dos recursos.

Ao nível da intervenção Estatal, o problema coloca-se logo na débil articulação entre os serviços e respostas da responsabilidade de diversos ministérios: segurança social, educação, justiça, juventude, desporto, só para indicar os principais.

Por fim, quanto ao novo problema de inclusão na economia do conhecimento, o cumprimento do objetivo nacional de doze anos escolaridade obrigatória, efetiva e com qualidade, é fundamental para que o país possa convergir com os seus parceiros europeus, quer economicamente, quer socialmente.

O conhecimento, por força do seu alto valor acrescentado na economia mundial, é a mais poderosa alavanca para ultrapassar o nosso atraso estrutural.

Considerando (i) a abrangência geográfica e social do sistema educativo, (ii) a qualificação dos recursos humanos de que dispõem e (iii) a quantidade de recursos materiais das escolas, estas são as organizações mais bem posicionadas para serem os nós das redes locais de inclusão.

É necessário concentrar nas escolas os recursos de apoio à inclusão e a sua gestão. Esta concentração da gestão – em rede – dos recursos existentes permitirá, não só melhorar a rede social geral, mas também dotar cada escola de melhores condições de resposta às necessidades individualizáveis que neste momento já existem.

RECOMENDAÇÕES

  • Concentrar nos agrupamentos de escolas a coordenação das políticas públicas de apoio/intervenção junto das crianças e jovens, passando para a sua gestão direta algumas destas políticas (e respetivos recursos).
  • Dotar as escolas de meios de apoio acrescidos a crianças e jovens em situação de risco, com dificuldades na aprendizagem ou com necessidades educativas especiais, procurando promover o sucesso educativo e combater o abandono escolar, assegurando a igualdade de oportunidades, nunca perdendo de vista que o sucesso é um conceito relativo, suportado no mérito individual de superação de dificuldades e limitações.
  • Estabelecer os mecanismos institucionais que promovam a reflexão, a partilha de boas práticas e de recursos nesta matéria e que, simultaneamente, façam a monitorização do sistema e devolvam às escolas dados quantificados sobre o seu desempenho em matéria de inclusão.
  • Assegurar elevados níveis de efetividade da escolaridade obrigatória de doze anos.
  • Atingir uma percentagem de 50% dos alunos do ensino secundário em vias profissionalizantes e vocacionais.
  • Criar incentivos para que os melhores docentes lecionem os alunos com mais dificuldades.
  • Criar sistemas robustos de apoio e acompanhamento das escolas sitas em territórios educativos de intervenção prioritária.