27 desafios

511 recomendações

Desafio 4

Apoiar a criação artística e assumir a cultura como fator de identidade, de afirmação internacional e de criação de valor

Alicerçando-se a cultura em valores e conhecimento, os valores e os bens que dela emanam, e que são a própria essência da cultura, incorporam a dimensão universal da pessoa. Devem, por isso, ser considerados bens insubstituíveis, não podendo, por conseguinte, ser tratados e analisados como meros bens transacionáveis.

A cultura é elemento crítico da sustentabilidade do desenvolvimento, da igualdade de oportunidades e da competitividade.

Assim, o crescimento económico e o verdadeiro desenvolvimento da sociedade só poderão ser alcançados, de forma integral e duradoura, se forem acompanhados por um efetivo desenvolvimento cultural. Neste contexto, o objetivo de promover o acesso do maior número possível de cidadãos aos bens e atividades culturais, deve ser um objetivo permanente e consistente a prosseguir. A política cultural deve ir ao encontro das pessoas, no sentido de mudare melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, bem como desenvolver o espírito crítico e a cidadania.

Sendo produto e responsabilidade de toda a comunidade, o conjunto de responsabilidades no domínio cultural não deve ser atribuído exclusivamente ao governo; deve ser também assumido, de forma clara e consistente, pelas autarquias locais, e partilhado com os agentes e criadores culturais, universidades, escolas, associações, fundações, empresas e outras instituições e, naturalmente, com os cidadãos em geral.

Num mundo global e competitivo, no âmbito das políticas para a cultura, a Língua, como elemento de comunicação e de manifestação da diversidade cultural, deve ser assumida como um valor insubstituível e, como tal, defendida e valorizada. Deve também ser tido em conta o facto de o português ser uma das línguas mais faladas no mundo e ser a segunda língua mais falada no hemisfério sul. Tendo em atenção o crescimento económico que se vem verificando em alguns países de língua portuguesa, uma política que valorize e promova o conhecimento e disseminação da língua portuguesa deve ser assumida e reconhecida como uma política que prestigia, fortalece e valoriza a influência de Portugal no contexto internacional.

O valor económico da cultura tem sido crescentemente reconhecido, nomeadamente, na progressão das dinâmicas associadas às indústrias culturais e criativas, assim como ao património histórico e urbano contemporâneo, como fortes potenciadores do turismo e economias locais. Mas há necessidade de melhorar os instrumentos de medição do valor da cultura, para que se criem os mecanismos mais adequados à avaliação e análise das políticas públicas para o setor da cultura.

Em 2010, o setor cultural e criativo empregava 81 mil pessoas, representando 1,6% do emprego total da economia portuguesa. Esta população tem níveis de formação superiores ao da média da população portuguesa, com 32,5% com o nível de ensino superior completo e 27,5% com o nível de ensino secundário completo. No entanto, no que diz respeito a estes indicadores, Portugal está ainda significativamente abaixo da média da União Europeia (UE).

As empresas culturais e criativas, em 2010, geraram um volume de negócios de 6,2 mil milhões de euros, destacando-se as que envolveram comunicação de massas (publicidade, televisão, edição, artes do espetáculo).

Em 2010, foram exportados produtos culturais no valor de 57 milhões de euros e o valor de entrada de bens culturais ultrapassou os 223,3 milhões de euros (a tendência de crescimento de exportação de obras de arte em 2011 não corresponde a uma situação de desenvolvimento mas de simples alienação de património em momento de crise).

Em 2010, as autarquias locais, no seu conjunto, assumem uma despesa pública na área da cultura de 433,9 milhões de euros, contra 240,4 milhões de euros do Ministério da Cultura. O orçamento para 2012 da Secretaria de Estado da Cultura foi estimado em 200,6 milhões de euros. Nestes termos, a despesa dos municípios com cultura representa mais de 8% das suas despesas totais, enquanto as do Orçamento de Estado aproximadamente 0,38%.

De realçar a apetência formativa e profissional das novas gerações para a área cultural e criativa.

Em 2010, havia 44.000 indivíduos inscritos no ensino superior (mais 3,8% que em 2009) nestes domínios, correspondendo a 11,5% do total de inscritos no ensino superior.

Também em termos de públicos, há uma tendência de aumento, de acordo com os dados de 2010: houve 16,6 milhões de espetadores de cinema (mas uma queda de, aproximadamente 1 milhão de espetadores em 2011 para valores de 2009, o que faz pensar que esse aumento foi pontual), 10,2 milhões de espetadores de espetáculos ao vivo (com um aumento na música ligeira e redução no teatro), e mais de 9 milhões de visitantes de museus e galerias de arte.

De acordo com os estudos que têm vindo a ser realizados sobre a situação do setor cultural e criativo, hoje sabemos que certos comportamentos culturais têm correspondência direta com níveis de riqueza existentes (o caso dos países escandinavos) ou com níveis de riqueza expectáveis (os países de Leste), no quadro de modelos de sociedade que consideramos desejáveis. Sabemos, inclusivamente, que as opções de instalação de empresas e desenvolvimento de negócios não tomam em conta só elementos como a estabilidade social e o sistema jurídico e económico mas também os graus de literacia das populações.

Apesar dos vários indicadores nacionais relativos ao setor cultural, disponibilizados pelo INE, Instituto Nacional de Estatística, e pelo Eurostat, revelarem que Portugal está ainda abaixo da média divulgada pelo Eurostat para a UE, a sociedade civil portuguesa tem um tecido rico em termos de participação cultural. Do lado amador, são milhares as associações que promovem a música (entre conservatórios, bandas filarmónicas e outras), o teatro e a dança (teatro amador, ranchos folclóricos, nomeadamente), as artes visuais e aplicadas. Do lado profissional, milhares de organizações culturais não lucrativas promovem em todo o país atividades culturais, sendo crescente o reconhecimento nacional e internacional da qualidade dos resultados apresentados.

É com esta diversidade que Estado, empresas e sociedade civil devem contar na tarefa em que nenhuma das partes se poderá demitir das suas responsabilidades para que, também através da cultura, possamos fazer de Portugal um país melhor para todos.

O crescimento inteligente, sustentável e inclusivo baseado numa economia do conhecimento e inovação tem a cultura e a cência no seu centro.

Para o futuro de Portugal, não queremos só crescimento. Queremos que o crescimento seja sustentável e inclusivo. Este objetivo geral da Estratégia 2020 da UE serve bem aos propósitos do modelo de desenvolvimento expectável para o nosso país. Neste tipo de modelo, a sustentabilidade não se coloca só a nível económico ou ambiental.

Coloca-se também, e de forma decisiva, na sustentabilidade dos desafios para o Estado, para as empresas e para a sociedade civil, em termos da sua capacidade de resposta e crescimento. A capacidade de resposta depende de três elementos básicos: condições económicas, condições formativas e condições culturais. As condições económicas permitem garantir estabilidade para a ação. As condições formativas permitem responder aos desafios profissionais. Mas só as condições culturais permitem às últimas duas a criação de valor acrescentado estável, que decorre de uma literacia integral.

Como noutros países, temos de encontrar, em termos de prossecução de políticas nacionais, consenso político sobre alguns objetivos estáveis para a cultura a médio e longo prazo. A falta deste acordo tem custos económicos e sociais muito elevados, com as sucessivas mudanças, meramente acidentais, de acordo com cenários eleitorais que não correspondem ao legítimo exercício da alternância em democracia mas a simples alterações de circunstância. Nesse sentido, consideramos que:

    • A cultura e a criatividade contribuem decisivamente para crescer mesmo em ambiente de austeridade, sendo dos mais importantes ativos das sociedades contemporâneas;
    • Os decisores públicos e privados em Portugal devem mudar o paradigma da relação com a cultura, deixando de a considerar como simples coadjuvante da ação política para a reconhecer como parte do centro das prioridades de pensamento e ação;
    • Devem existir novas estratégias e recursos alocados a esta mudança de paradigma, não na perspetiva ultrapassada da subsidiodependência mas na visão contemporânea de interesse público, de desenvolvimento socioeconómico e avaliação e controlo de resultados;
    • A cultura não tem valor económico se antes ou ao mesmo tempo não tiver valor intrínseco autónomo. A tentativa de transformação de todos os bens culturais em bens de mercado é um erro, tanto para o sistema de mercado como para o equilíbrio e desenvolvimento de sociedades democráticas e justas.
    • Não é possível definir e debater opções para a área da cultura de forma assertiva (aspetos essenciais de qualquer sociedade democrática) sem a criação de padrões de valoração consensualizados e sem melhorar os procedimentos estatísticos, nomeadamente, com a implementação da conta satélite da cultura pelo INE, assim como pela contribuição ativa para o desenvolvimento dos parâmetros para a área da cultura do Eurostat e para a harmonização de recolha e organização de dados nos países da União Europeia.

Assim, defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:

  • Cuidar dos modos como se acolhe e promove a pluralidade cultural
  • Valorizar a cultura enquanto fator de coesão social e de crescimento da economia
  • Promover um património comum, material e imaterial
 

Orientações Estratégicas

O conhecimento das competências de leitura e de operação matemática que os relatórios PISA, Program for International Student Assessment da OCDE nos dão são muito valiosos. Mas não podemos esquecer que correspondem a simples indicadores de literacia funcional que não cobrem um vasto leque de competências que correspondem não só a elementos distintivos entre diferentes culturas como elementos explicativos para certas diferenças nacionais, a nível social e económico. Assim é com o património dos saberes tradicionais, das culturas locais, das culturas técnicas, das especificidades que se desenvolvem em cada geração em função da comunidade de crenças, da comunidade sociocultural ou étnica e que devem corresponder a oportunidades de valorização pessoal e comunitária e não a dispositivos de segregação.

É função do Estado garantir a pluralidade de manifestação cultural, sem ignorar ou tratar por igual agregados que por dimensão social são diferentes, procurando exercer um juízo equitativo que efetue uma discriminação positiva nas situações de carência mas que não menospreze ou diminua a expressão de realidades sociais pré-existentes.

O Estado não pode exercer uma política de gosto mas deve exercer políticas públicas na área da cultura que promovam o seu acesso, presença e pluralidade, enquanto bem social reconhecido como bem social básico.

Se é verdade que alguns dos maiores problemas do país e do Mundo são sanitários ou educativos (acesso a cuidados primários de saúde ou acesso à educação básica), outros deles são culturais. Questões que se levantam em Portugal como a baixa produtividade, o excessivo tempo de trabalho, a utilização extensiva de viaturas individuais, as elevadas taxas de abandono precoce escolar, não serão também culturais?

Por outro lado, parte significativa do sucesso de cidades como Nova Iorque, Londres, Paris, Berlim ou Madrid, e no caso nacional, Lisboa ou Porto, não se deve à cultura?

E como não considerar a diversidade linguística e o valor das línguas como elemento de grande relevância política? Não é uma língua uma distinção cultural?

E ao mesmo tempo, poderoso elemento de veiculação de ideias, projetos e concretizações?

Não é a língua portuguesa um dos mais importantes ativos que Portugal pode articular na cena internacional? Um dos veículos decisivos para a concretização responsável da pluralidade é a sociedade em rede, hoje suportada nas redes digitais. É nesse pressuposto que se fazem as seguintes recomendações:

RECOMENDAÇÕES

  • Contribuir para a Agenda Digital Europeia, com o aumento da produção de conteúdos culturais lucrativos e não lucrativos em língua portuguesa.
  • Registar, documentar e promover a expressão de culturas locais, tradicionais ou minoritárias
  • assim como de expressões contemporâneas.
  • Promover, tanto na educação formal como na informal, a criatividade, a aprendizagem ao longo da vida e a educação artística, através de estratégias e programas que visam promover as sinergias entre a educação, a inovação tecnológica e a cultura.
  • Desenvolver parcerias criativas entre o setor cultural e outros setores (tecnologias da informação e comunicação, turismo, energia, transporte, urbanismo e requalificação urbana, indústrias da saúde, vestuário e calçado, políticas sociais) para reforçar o impacto social e económico dos investimentos nos domínios do setor cultural e da criatividade, em particular no que diz respeito à promoção do crescimento e do emprego, do desenvolvimento e da capacidade de atração das regiões e das comunidades locais.
  • Promover a diferenciação dos destinos turísticos no território nacional atendendo à sua diversidade cultural e criação de marcas territoriais.
  • Transferir para as áreas metropolitanas e municípios competências do Estado nos domínios da preservação, reabilitação e valorização do património, da promoção e apoio às artes e às indústrias criativas que tenham impacto directo e positivo no desenvolvimento das comunidades locais e regionais respectivas.

É importante que a sociedade portuguesa, no seu todo, valorize as suas competências patrimoniais (naturais, construídas, móveis e simbólicas) e a criação contemporânea (nas artes, na literatura, no design, nas aplicações na educação, no território, na indústria, no comércio, no lazer, no turismo) enquanto condição de liberdade individual e coletiva. Esta valorização é estratégica para a competitividade e emprego, mas também para a inclusão.

Em Portugal, há mais de 20% de portugueses abaixo do limiar da pobreza.[1]

Deve ser promovida a possibilidade de acesso e desenvolvimento cultural (independentemente da localização no território, condição social ou económica), sem os quais não há democracia plena. A aposta humanista e personalista tem na cultura um elemento determinante, não só para os mais pobres mas para todos os que, com capacidade empreendedora, pretendem que a cultura e a criatividade sejam fonte de trabalho e criação de riqueza.

Numa sociedade que enfrenta dificuldades de índole económica e social, as políticas culturais e a presença da atividade cultural nas comunidades podem contribuir para atenuar o impacto de mudanças de um padrão de mero consumismo para um padrão de opções mais esclarecidas nos comportamentos pessoais e sociais.

A cultura gera competências para enquadrar dificuldades pessoais e sociais e para criar soluções. É um ativo do campo da duração, da resistência, da capacidade de resposta e da resiliência.

A cultura contribui com perspetivas sincrónicas e diacrónicas de coesão social – somos culturalmente hoje o que produzimos, mas também o que recebemos das gerações passadas. Devemos às gerações futuras a transmissão desse conjunto de valores, conhecimento e património material e imaterial. Defendemos que deverão ser concebidos modelos baseados em parâmetros que permitam fazer uma avaliação que transcenda a métrica contabilística imediata, respeitando sempre os valores da sustentabilidade, da responsabilidade e o rigor financeiro.

RECOMENDAÇÕES

  • Transformar o modelo hierárquico da Administração Pública num modelo colaborativo, impulsionando uma maior autonomização da gestão de instituições culturais públicas.
  • Promover uma maior articulação a nível nacional da gestão de Fundos Estruturais na sua relação com as políticas culturais e integração das políticas culturais, educativas e científicas, de modo a, numa futura orgânica governamental, criar o Ministério do Conhecimento, agregando as áreas da educação, ciência e cultura.
  • Tornar acessível a todos os estudantes que frequentam o ensino pré-escolar, básico e secundário a participação em pelo menos cinco atividades culturais por ano letivo.
  • Substituir a disciplina de Educação Visual e Tecnológica, no ensino básico e secundário, por uma disciplina de Educação Artística, tendo por objetivo, mais do que criar competências performativas, estimular a criatividade e a inovação, promover a criação de hábitos de fruição cultural, fomentar o conhecimento e o interesse dos mais jovens pelas diversas áreas de criação artística, designadamente da música, das artes plásticas, das artes performativas, do cinema e do audiovisual, num contexto de formação integral e humanista.
  • Favorecer o acesso a atividades culturais das populações residentes em locais distantes das cidades ou das regiões onde a oferta artística e cultural é mais diversificada e frequente.
  • Criar melhores quadros de incentivos fiscais a particulares e organizações que suportem ou queiram suportar atividades culturais em território nacional e para intercâmbios internacionais, ou presenças internacionais da cultura portuguesa.
  • Apoiar o desenvolvimento de clusters de indústrias culturais e criativas, em diversas regiões, com recurso a mecanismos de capitais de risco e matching funds [2] nomeadamente nas áreas de: design têxtil, cerâmica e vidro, animação, audiovisual e televisão, conteúdos digitais, arquitetura, arquitetura de interiores e arquitetura paisagística, produção cinematográfica e audiovisual, música e engenharia de som, produção e gestão cultural e adoptar medidas específicas adequadas à promoção e difusão internacional da cultura e da criação artística contemporânea portuguesas.
  

 
[1] Mecanismo através do qual o financiamento público é atribuído em percentagem ou valor proporcional ao financiamento privado conseguido pela entidade beneficiária. 

 


 
[2] De acordo com um estudo publicado em 2010 pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).

A pluralidade e a coesão são objetivos estratégicos que conduzem a um sentido de identidade vivido e não simplesmente enunciado. A identidade afirma-se pois como processo dinâmico e participado. No que respeita ao património, designadamente os museus, galerias, palácios, monumentos e outros, estas instituições conferem identidade ao indivíduo e ao grupo, esclarecem os percursos das diferentes comunidades que habitam em territórios comuns, institucionalizam valores e transformam-nos em património comum, sendo por estas razões importantes ativos identitários e de coesão social.

As instituições culturais devem ser consideradas como dispositivos que contribuem para equilibrar as entropias decorrentes do devir histórico, visto terem capacidade para agregar a diversidade e dar-lhe leitura ou propostas de leitura, tornando-a parte do todo e constituindo-se como instituições aglutinadoras de valores intangíveis.

RECOMENDAÇÕES

  • Reabilitar e ter em uso integral todo o património declarado como património nacional, fazendo reverter 1% do valor da despesa do Estado em empreitadas públicas para um fundo de reabilitação do património.
  • Desenvolver as organizações e projetos culturais nas zonas interiores do país, documentando e promovendo a salvaguarda das expressões culturais locais e regionais, materiais e imateriais.
  • Estabelecer redes locais, integrando instituições culturais, escolas, empresas, autarquias, de promoção de atividades culturais no território.
  • Promover a internacionalização de conteúdos culturais de autores, criadores e produtores portugueses, designadamente através do apoio à edição, tradução, distribuição e difusão de obras e conteúdos culturais portugueses e do apoio a projetos de itinerância internacional.
  • Incentivar as coproduções, em especial com os países da CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, nos domínios das artes do espetáculo, do cinema e do audiovisual e da produção de conteúdos culturais a difundir e disponibilizar através das plataformas e redes digitais.