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511 recomendações

Desafio 9

Concretizar uma justiça capaz de melhor realizar o Estado de Direito

Há problemas indesmentíveis que, de há muito, tolhem a justiça portuguesa.

Muitos desses problemas residem no desempenho dos tribunais, tema ao qual a Plataforma para o Crescimento Sustentável dedicou a sua atenção, dada a influência negativa que tais problemas acarretam para o desenvolvimento da sociedade portuguesa.

São problemas recorrentes, revelados sobretudo no excesso de pendências e nos atrasos processuais ou nas disfunções reconhecidas nalgumas áreas, como a ação executiva ou o segredo de justiça e as prescrições em processo criminal.

São problemas que ocorrem numa das funções soberanas fundamentais do Estado, que desprestigiam objetivamente os operadores judiciários – com a agravante de estes, através dos seus mais altos responsáveis, esgrimirem frequentemente divergências em público, que geram sentimentos de impunidade, que acarretam insegurança no comércio jurídico, que desvirtuam as relações económicas e que atemorizam o desenvolvimento empresarial e o investimento.

Os portugueses muito generalizadamente descreem da sua justiça, seja quanto ao mérito das suas decisões, seja quanto à capacidade dos responsáveis políticos e institucionais de a regenerarem.

Paralelamente o nosso sistema jurídico degradou-se acentuadamente, fruto de uma falta crescente de qualidade da legislação e de um notório abuso da intervenção legislativa, independentemente de quaisquer avaliações de impacto, o que gera insegurança e incerteza jurídicas, nalguns casos insuportáveis.

Pode mesmo falar-se de um desprezo pelo direito, ao ponto de se estar a caminhar, porventura tão impercetível quanto inconscientemente, para um estado de mera legalidade: a legalidade como instrumento de opções políticas, quando deviam ser estas a realizar o estado de direito.

Existe uma sensibilidade claramente insuficiente sobre a dimensão essencialmente jurídica de qualquer decisão pública; ou, pelo menos, concebe-se o direito como mera técnica de redação de normas, ao sabor dos concretos objetivos decisórios.

E, como também se ignora a dimensão valorativa do direito e a natureza determinantemente argumentativa do seu pensamento científico, pura e simplesmente não se percebem os desaires jurídicos, vistos como mera entropia burocrática e como bloqueios inconcebíveis às vontades políticas.

Face à crise que persiste, impõe-se uma análise crítica séria. É necessária uma rutura para que o nosso sistema de tribunais passe a responder às necessidades dos cidadãos e das empresas; uma rutura que traga estabilidade ao dia a dia dos tribunais e a confiança dos cidadãos no seu desempenho. Trata-se de uma mudança profunda e abrangente, sistematizada e articulada, participada e financiada; de algo que seja, simultânea e coerentemente, estrutural e estruturante. Fracassaram de vez as tradicionais intervenções pontuais e desgarradas.

Impõe-se uma atitude de responsabilidade ativa dos titulares das instituições que constituem o nosso sistema de justiça, para que desenvolvam um diálogo construtivo, assumam consensos bem estruturados e suportados em análises serenas e concretizem solidamente as melhorias que urgem nos tribunais portugueses, com assunção pública de compromissos por objetivos progressivos e consistentes.

Sem descurar a qualidade das normas que titulem essas melhorias, há igualmente que assegurar as condições metodológicas e sociológicas para a produção dos reais efeitos reformistas pretendidos. Que passam também por um desafio cultural com que o nosso sistema judicial se confronta: o de ultrapassar o seu tradicional fechamento sobre si mesmo, para se abrir ao escrutínio do seu mérito pelos portugueses. Como é natural nas sociedades abertas e responsáveis e como é, aliás, reclamado pelo verdadeiro sentido de legitimação da justiça quando se afirma que esta se faz em nome do povo.

Neste contexto, defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:

  • Concretizar uma justiça capaz de melhor realizar o estado de direito:
  • independentemente da insuficiência de meios económicos
  • com qualidade em todo o território
  • em tempo útil e com procedimentos equitativos
  • garantindo a reparação coerciva dos direitos violados
  • sem impunidade e assegurando a adequada proteção do segredo de justiça
  • por intermédio de recursos humanos qualificados e apoiada em meios tecnológicos práticos e fiáveis

Orientações Estratégicas

RECOMENDAÇÕES

  • Assegurar que a informação e a consulta jurídicas estão acessíveis aos mais carenciados, devendo ser encaradas como um apoio social básico, disponível pela ação das autarquias locais e das instituições de solidariedade social, com o apoio das profissões jurídicas.
  • Tratar o apoio judiciário com a dignidade inerente à garantia que é. A garantia de acesso aos tribunais, independentemente da condição económica, deve estruturar-se a partir de uma contratualização equilibrada, transparente e sustentável com a Ordem dos Advogados, atenta a responsabilidade social da função exercida pelo advogado.

O modelo da organização judiciária está ultrapassado, é dispendioso e não responde às necessidades da justiça.

Mais do que uma revisão do mapa judiciário, Portugal precisa de um redesenho amplo das competências dos tribunais, em termos do território, da matéria, do valor e da hierarquia. Um redesenho que consagre, quer a integração dos tribunais administrativos e fiscais na organização dos tribunais judiciais, a par da extinção do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, quer que concretize, na primeira instância, uma especialização total – porque abrangente de todo o território nacional –, estruturada na distinção de competências em razão da matéria.

Dando sentido próprio a esta mesma dicotomia constitucional, haveria, assim, tribunais judiciais especializados, em função da especialização dos interesses a julgar, e tribunais judiciais de competência específica, em função da especificidade do direito a realizar. A jurisdição especializada deve integrar os seguintes tribunais: criminais; de instrução criminal; de execução de penas; de família e menores; cíveis; administrativos; do trabalho. A jurisdição específica deve integrar os seguintes tribunais: de comércio; da regulação e supervisão; fiscais; marítimos.

A todos estes tribunais corresponderia uma única hierarquia, com a segunda instância nas Relações, no topo da qual o Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser claramente privilegiado o seu papel na uniformização da aplicação do direito.

Alguns dos tribunais de primeira instância (principalmente os tribunais criminais e os tribunais cíveis) poderiam, em função da forma processual a tramitar, organizar-se em juízos de grande instância, de média instância e de pequena instância; sendo que estes juízos e todos os demais tribunais de primeira instância poderiam desdobrar-se em unidades orgânicas.

Como referido, numa opção deliberada pela qualidade das decisões – sem prejuízo da criação de tribunais especializados mistos nos casos em que o baixo volume processual o aconselhe –, cada uma das duas jurisdições de primeira instância abrangeria todo o território nacional, correspondendo a competência territorial de cada um dos respetivos tribunais a comarcas ou a círculos judiciais, delimitados, neste caso, pela agregação de comarcas, podendo existir círculos de âmbito nacional.

Tudo sem prejuízo: do funcionamento do tribunal coletivo, sendo o caso; das especificidades da insularidade dos Açores e da Madeira; da criação de condições de adaptação dos recursos afetos aos tribunais à natural dinâmica da realidade processual.  

Dada a competência material dos tribunais de competência específica, nestes deveriam poder julgar juristas de mérito, recrutados por concurso, sempre sem prejuízo das garantias e incompatibilidades constitucionais e legais.

Os julgados de paz desempenham um papel da maior importância na resolução de proximidade da conflitualidade social mais corrente e menos intensa. É um papel que deve ser estimulado, difundido e perspetivado em conjunto com o mapa dos tribunais judiciais.

Aos tribunais compete muito mais do que a mera tramitação de processos. Compete-lhes servir o cidadão e servir as empresas.

Por isso, para além do redesenho da organização das competências dos tribunais aqui preconizado, importa que cada tribunal, cada juízo e cada unidade orgânica seja adequadamente administrado e financiado, segundo padrões de gestão profissional, com afetação de recursos transparente e regras de conduta e hierarquias claras, com objetivos traçados e avaliação de desempenhos e resultados, num ambiente de funcionamento que garanta qualidade, eficiência e eficácia. 

RECOMENDAÇÕES

  • Redesenhar as competências dos tribunais, em termos do território, da matéria, do valor e da hierarquia. Um redesenho que consagre, quer a integração dos tribunais administrativos e fiscais na organização dos tribunais judiciais (a par da extinção do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais), quer a concretização, na primeira instância, de uma especialização total – abrangente de todo o território nacional –, estruturada na distinção de competências em razão da matéria. Assim, haveria tribunais judiciais especializados, em função da especialização dos interesses a julgar, e tribunais judiciais de competência específica, em função da especificidade do direito a realizar. A jurisdição especializada deve integrar os seguintes tribunais: criminais; de instrução criminal; de execução de penas; de família e menores; cíveis; administrativos; do trabalho. A jurisdição específica deve integrar os seguintes tribunais: de comércio; da regulação e supervisão; fiscais; marítimos.

As atuais regras dos processos de natureza não criminal são labirínticas, privilegiando o formalismo, gerando inutilidade de procedimentos e favorecendo a intenção dilatória. Podem e devem ser notoriamente simplificadas, em prol de uma tramitação transparente, da verdade material e da realização ajustada do direito.

Focalizado no julgamento e na decisão da causa e garantindo princípios processuais fundamentais – de igualdade das partes, garantia de defesa, produção adequada da prova, contraditório e audição das partes antes da decisão –, o juiz deve dirigir realmente o processo em função das especificidades da causa, articulando com as partes o fluir processual concreto em audiência preliminar.

Com exceção do processo criminal, deve erigir-se um tronco processual único – e estável no tempo – para todas as causas da competência dos tribunais judiciais, em torno do qual se estatuam as especialidades de tramitação estritamente necessárias.

Questões processualmente tão básicas quanto entrópicas como as dificuldades na citação ou na notificação têm de ser corrigidas, neste caso mediante a obrigação de manutenção de um domicílio judicial, único e atualizado – à semelhança do domicílio fiscal ou coincidindo com este – que permita considerar aquelas validamente efetuadas.

Muita litigância pode ser evitada pelo próprio Estado e não o é. A matéria tributária tem sido disso um infeliz exemplo, que abrange também as contribuições para a Segurança Social.

Não estando obviamente em causa o combate à fuga aos impostos e demais tributos, não é concretamente compreensível, de todo, a atitude da Administração tributária quando recusa debater com o contribuinte o direito a tributar de que se arroga.

Quando não está disponível para informar devidamente o contribuinte, quando faz liquidações de tributos sem a devida fundamentação, quando não se pronuncia em tempo sobre as reclamações ou quando recorre por sistema das decisões judiciais que lhe são desfavoráveis, a Administração tributária não só demonstra uma vocação meramente cobradora – pouco consentânea com princípios constitucionais fundamentais a que a atividade administrativa e os tributos se subordinam – como transfere para os contribuintes um pesado e injusto ónus de litigância, com sobrecarga perfeitamente evitável dos submersos tribunais fiscais.

RECOMENDAÇÕES

  • Erigir um tronco processual único – e estável no tempo – para todas as causas da competência dos tribunais judiciais (com exceção do processo criminal), em torno do qual se estatuam as especialidades de tramitação estritamente necessárias. Questões processualmente tão básicas quanto entrópicas como as dificuldades na citação ou na notificação têm de ser corrigidas, neste caso mediante a obrigação de manutenção de um domicílio judicial, único e atualizado – à semelhança do domicílio fiscal ou coincidindo com este – que permita considerar aquelas validamente efetuadas.

O processo de execução tem-se revelado uma das chagas da justiça portuguesa, contribuindo para o descrédito desta e para a insegurança do comércio jurídico. Importa enquadrar este desafiante problema num novo paradigma de análise.

Desde logo importa prevenir a necessidade de execuções; e fazê-lo ainda a montante do processo de condenação, em sede de regulamentação substantiva das próprias relações jurídicas mais potenciadoras de incumprimentos.

Veja-se, a título de exemplo, como pode evitar-se equilibradamente muitos milhares de créditos suscetíveis de execução no âmbito dos consumos em massa de comunicações e internet, de água e de energia através de mecanismos como a caução, o pré-pagamento, a interrupção atempada do serviço ou a própria imposição residual de um ónus de perda do crédito pela sua concessão com risco; assim se contribuindo igualmente, seja para a sustentabilidade dos consumos, seja para a sanidade das práticas comerciais, seja para a contenção da própria litigância judicial.

Por outro lado, deverá reconfigurar-se o processo executivo – sem prejuízo das especificidades da execução para prestação de facto – como uma diligência eficaz de penhora de bens e de pagamento ou entrega dos mesmos ao credor, embora sob controlo judicial e suscetível de oposição com fundamentos bem delimitados, tendo esta efeito suspensivo apenas mediante a prestação de garantia idónea.

Uma tal reconfiguração do processo executivo pressupõe acesso a bases de dados sobre património e a disponibilidade de sistemas eletrónicos de execução das penhoras de bens e venda destes.

Pressupõe também que a própria instância condenatória possa assegurar uma sentença que, enquanto título executivo, não careça mais de ser liquidada. Pressupõe, por fim, que a suficiência dos demais títulos executivos – cujo rigor nos critérios legais de suficiência deve ser muito apurado – seja testada e confirmada por uma injunção não contestada, assim se evitando o comum enxerto de natureza declaratória numa instância sem essa vocação. 

RECOMENDAÇÕES

  • Prevenir a necessidade de execuções, atuando a montante do processo de condenação, em sede de regulamentação substantiva das próprias relações jurídicas mais potenciadoras de incumprimentos.
  • Reconfigurar o processo executivo como uma diligência eficaz de penhora de bens e de pagamento ou entrega dos mesmos ao credor, embora sob controlo judicial e suscetível de oposição com fundamentos bem delimitados.

O exercício da ação penal pelo Ministério Público tem sido muito controverso e tem denotado ineficiência e ineficácia. Existe um sentimento de impunidade; e de impunidade diferenciada, em função dos diferentes extratos sociais. Isto corrói a confiança nas instituições e a coesão social.

Ao Procurador-Geral da República compete uma direção efetiva do Ministério Público, devendo prestar contas pelos resultados deste, em particular face às prioridades de política criminal que, com pragmatismo, sejam politicamente fixadas.

Sem prejuízo da sua autonomia e da organização hierárquica em que se estrutura, o Ministério Público deve adquirir flexibilidade concreta de funcionamento, que lhe permita permanentemente constituir as equipas com as competências necessárias à preparação exemplar do processo penal em função de cada caso.

O Ministério Público deve dirigir efetivamente o inquérito criminal e a intervenção neste da polícia criminal, que aqui lhe está funcionalmente subordinada e que deve atuar sob sua direta orientação logo desde o momento inicial da notícia do crime, sendo inadmissíveis investigações autónomas ou sem limite temporal, sobretudo se incidentes sobre pessoas determinadas. Nesta perspetiva, devem ser encaradas muito parcimoniosamente as delegações genéricas nas polícias das competências do Ministério Público no âmbito do inquérito.

A preparação exemplar do processo penal tanto pode justificar, sempre fundamentadamente, o seu arquivamento ou a sua conclusão pela acusação, devendo aliás ser o magistrado que acusa a defender a acusação até à conclusão do julgamento; mas deve igualmente fundamentar com tendência acrescida, nos limites da lei, a iniciativa do Ministério Público para a suspensão provisória do processo, mediante a imposição ao arguido das adequadas injunções e regras de conduta; tal como implica a utilização, tão efetiva quanto criteriosa, dos processos sumário, abreviado e sumaríssimo.

Na Polícia Judiciária, integrada na administração direta do Estado através do Ministério da Justiça, devem tendencialmente confluir todas as valências policiais investigatórias especiais disponíveis, sem prejuízo da missão das demais polícias na prevenção e deteção criminal e na execução de atos de inquérito que lhes forem delegados pelo Ministério Público, preferencialmente em termos concretos.

Não é admissível a proliferação hoje existente de queixas em matéria criminal totalmente infundadas.

Independentemente das demais consequências que tal atuação possa merecer, deverá sujeitar-se a uma taxa as queixas-crime arquivadas por falta inequívoca de fundamento.

Nos casos, hoje expressamente delimitados, em que o inquérito criminal está sujeito a segredo de justiça, este tem de ser garantido efetivamente, sob pena de prejuízo para a investigação e ofensa dos direitos dos sujeitos processuais, particularmente do arguido, que assim sofre uma condenação cívica e vê praticamente obnubilada a presunção da sua inocência.

É possível assegurar efetivamente o respeito pelo segredo de justiça, como acontece noutros sistemas!

É uma questão de procedimentos e normas de conduta solidamente fixados e de responsabilização firme pelas infrações destes procedimentos e normas, bem como de disponibilização de alguns meios físicos e tecnológicos de proteção do processo e da informação que nele se contém. 

RECOMENDAÇÕES

  • Atribuir maior flexibilidade de funcionamento ao Ministério Público, que lhe permita permanentemente constituir as equipas com as competências necessárias à preparação exemplar do processo penal em função de cada caso.
  • Conferir ao Ministério Público a capacidade para dirigir efetivamente o inquérito criminal e a intervenção neste da polícia criminal, que aqui lhe está funcionalmente subordinada e que deve atuar sob sua direta orientação logo desde o momento inicial da notícia do crime, sendo inadmissíveis investigações autónomas ou sem limite temporal, sobretudo se incidentes sobre pessoas determinadas.
  • Fazer confluir todas as valências policiais investigatórias especiais disponíveis na Polícia Judiciária (integrada na administração direta do Estado através do Ministério da Justiça), sem prejuízo da missão das demais polícias na prevenção e deteção criminal e na execução de atos de inquérito que lhes forem delegados pelo Ministério Público, preferencialmente em termos concretos.
  • Sujeitar a uma taxa as queixas-crime arquivadas por falta inequívoca de fundamento, de modo a evitar a inadmissível proliferação hoje existente de queixas em matéria criminal totalmente infundadas, independentemente das demais consequências que tal atuação possa merecer.
  • Assegurar a responsabilização firme pelas infrações das normas do segredo de justiça, bem como disponibilizar os meios físicos e tecnológicos de proteção do processo e da informação que nele se contém.

A legitimidade democrática do sistema de justiça, enquanto tal, constrói-se também pelo mérito funcional dos seus operadores e que estes sejam capazes de ver reconhecida a sua ação pelos portugueses. São os portugueses que convocam o sistema de justiça para a prudente decisão dos seus mais relevantes interesses e que são dele a única razão de ser.

A ciência e a tradição jurídicas portuguesas têm mérito reconhecido.

Mas é muito desigual a qualidade dos operadores judiciários, com algumas lacunas assinaláveis, não apenas no saber jurídico e no saber jurídico especializado, mas também em conhecimentos complementares na área empresarial e económica e financeira e em competências essenciais ao nível da expressão oral e escrita, da utilização das tecnologias de informação e comunicação, da gestão eficiente de processos e da organização do trabalho judicial.

São lacunas que a formação profissional inicial e contínua deve despistar, avaliar e colmatar, sendo também impreterível instituir um tronco comum na formação de magistrados e advogados, que lhes permita partilhar uma perspetiva convergente do trabalho cooperativo que a ambos compete.

A formação e a organização do trabalho dos funcionários judiciais devem garantir que o desempenho das secretarias judiciais evolua para uma verdadeira assessoria ao juiz na gestão processual, libertando este para a essência da tarefa de julgar: análise dos factos, da prova produzida e da argumentação jurídica desenvolvida, para uma fundamentação convicta da decisão. Para bem poder decidir impõe-se uma contingentação criteriosa de processos por magistrado, com afetação específica de recursos adicionais nos processos mais complexos.

Deverá ser absolutamente excecional e bem tipificado na lei o desempenho por magistrados de funções públicas não inerentes à sua magistratura. 

Porque não correspondem a uma verdadeira reengenharia de processos, os complexos sistemas de gestão da tramitação dos processos judiciais têm claudicado, seja no distanciamento para com as necessidades sempre concretas de cada ação e para com o funcionamento sempre concreto de cada um dos diferentes operadores judiciários, seja nas reais competências tecnológicas destes, seja nas limitadas condições das redes de transmissão de dados, seja no hardware ineficaz.

A desmaterialização dos processos judiciais e da respetiva tramitação pode, em muitos casos, ser acentuadamente disfuncional. Em muitos casos é-o de facto!

Noutros está fortemente limitada por razões tecnológicas. Ela deve, pois, ser deixada à livre opção de cada operador judiciário e duvida-se que deva constituir um objetivo governativo.

É urgente repensar a informatização do trabalho judiciário, numa ótica de redesenho de métodos e processos de atuação. Para serem mais eficientes e eficazes, estes métodos e processos de atuação têm, antes de tudo o mais, de ser realistas e de suportar-se em tecnologia acessível, fiável e transparente. A aposta deve ser feita sobretudo nas comunicações eletrónicas e na disponibilização online dos dados judiciais sobre o andamento do processo, o que permite uma suficiente interação e acesso dos intervenientes processuais e até o controlo automático de prazos relevantes, nomeadamente em processo criminal. 

RECOMENDAÇÕES

  • Assegurar, através da formação e da organização do trabalho dos funcionários judiciais, que o
    desempenho das secretarias judiciais evolua para uma verdadeira assessoria ao juiz na gestão processual, libertando este para a essência da tarefa de julgar: análise dos factos, da prova produzida e da argumentação jurídica desenvolvida, para uma fundamentação convicta da decisão.
  • Impor uma contingentação criteriosa de processos por magistrado, com afetação específica de recursos adicionais nos processos mais complexos.
  • Reservar para casos excecionais e bem tipificados na lei o desempenho por magistrados de funções públicas não inerentes à sua magistratura. 
  • Suportar a informatização do trabalho judiciário em tecnologia acessível, fiável e transparente. A aposta deve ser feita sobretudo nas comunicações eletrónicas e na disponibilização online dos dados judiciais sobre o andamento do processo, o que permite uma suficiente interação e acesso dos intervenientes processuais e até o controlo automático de prazos relevantes, nomeadamente em processo criminal.