27 desafios

511 recomendações

Desafio 8

Reformar o sistema fiscal, alinhando-o com os objetivos de valorização do trabalho, de criação de riqueza e de proteção dos recursos naturais

A fiscalidade tem um papel no crescimento. Esse papel é porventura menor do que lhe é atribuído no discurso político e académico. A Plataforma para o Crescimento Sustentável marca a diferença encarando a fiscalidade com realismo.

Os impostos são sempre uma fonte importantíssima de receita pública. Numa altura de crise, os constrangimentos orçamentais e políticos ditam uma política fiscal expansiva (menos benefícios, aumento da base, manutenção ou subida das taxas). É sobre este quadro político e social que vão ser elaboradas e apresentadas as nossas propostas e análise. O momento em que vivemos determina o quadro de possibilidade de ação política.

Daqui decorre a necessidade de melhoria da forma como são cobrados e geridos os impostos existentes, evitando que, para lá da transferência de riqueza entre o Estado e a sociedade que sempre representam, originem custos adicionais.

A política fiscal dos próximos tempos vai implicar também uma perda de protagonismo dos impostos em detrimento de figuras de fiscalidade bilateral (taxas e contribuições), [1] como forma de manutenção da prestação pública de serviços num quadro de escassez.

Por outro lado, vai ser marcada por um reforço da componente ambiental dos tributos e pelo advento de tributos europeus, ou seja tributos de génese europeia e destinados às necessidades orçamentais europeias.

O crescimento sustentável passará ainda pela utilização extremamente seletiva da política fiscal para o efetivo desenvolvimento económico comum, nomeadamente como instrumento da internacionalização da economia portuguesa, na europa e no mundo, com especial atenção ao espaço de língua portuguesa.

Neste contexto defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:

  • Concretizar uma reforma fiscal que potencie o crescimento sustentável
  • Fomentar a participação e transparência fiscais
  • Aumentar a eficácia na cobrança de tributos
  • Aumentar o nível de garantia dos direitos dos contribuintes
  • Intensificar a reflexão e ação influente de Portugal na política fiscal europeia 
  • e internacional



[1] A fiscalidade bilateral abrange figuras como as taxas e contribuições que oneram cidadãos e empresas que provocam ou aproveitam de um modo especial uma qualquer prestação pública (exemplos: as portagens rodoviárias, as propinas universitárias, as taxas nos hospitais).

Orientações Estratégicas

Num contexto de crise, apesar da pressão para o aumento da receita, os Estados podem reafectar o peso relativo dos impostos, mantendo constante a receita.

Neste quadro, as opções de política fiscal que se façam devem partir de um estudo profundo do seu impacto.

Os impostos com características ambientais representaram em Portugal em 2009 cerca de 8% do total dos impostos, em linha com os 7,4% da média da UE27. [1]

De resto, ao nível da União Europeia, tem-se vindo a registar desde 2008 um ligeiro aumento de receitas relativas a tributos com características ambientais (em % do PIB), de acordo com o Relatório da Comissão Europeia sobre Tendências Fiscais publicado em 2011.

O aumento da tributação ambiental, seja sobre o gás e eletricidade, ou sobre indústrias específicas, pode não só alcançar os objetivos ambientais de redução da poluição, como, eventualmente, permitir a redução da tributação sobre o fator trabalho e sobre o rendimento das empresas.

O aumento dos níveis de tributação por unidade de energia consumida que se tem vindo a registar nos últimos anos pode demonstrar o potencial de angariação de receita deste tipo de tributos.

Por outro lado, num quadro de escassez de recursos, a igualdade tributária assentará não tanto na riqueza de cada um, mas na especial relação entre cada um e o serviço que obtém do Estado, através do maior recurso à já referida fiscalidade bilateral.

Finalmente, atendendo à conjuntura extremamente exigente colocada à capacidade de crescimento da economia nacional, em resultado da necessidade de reduzir o endividamento em torno de metas de consolidação orçamental, é fundamental tirar partido da flexibilidade que o atual regime fiscal já permite, na redução de impostos para atrair investimento externo e criar emprego, como foi o caso do ocorrido com a vinda da Autoeuropa para Portugal.

RECOMENDAÇÕES

  • Concretizar uma reforma fiscal que potencie o crescimento sustentável, através do aumento da tributação ambiental, penalizando a poluição e a degradação dos recursos naturais, do desagravamento da tributação sobre o fator trabalho e da redução dos impostos sobre o rendimento das empresas, num quadro de neutralidade fiscal.
  • Criar condições para a  substituição do eventual prolongamento, em 2014, da sobretaxa de 3,5% prevista no IRS em 2013, totalizando cerca de 700 milhões de euros, pela introdução de uma taxa de carbono, de 9 euros por tonelada de CO2, sobre todas as emissões nacionais de gases com efeito de estufa, induzindo padrões de produção e de consumo mais sustentáveis e fomentando a eco-inovação;
  • Tirar partido dos instrumentos que na atual lei fiscal já permitem a atração de investimento estrangeiro em condições altamente vantajosas, como foi o caso da Autoeuropa; bem como de profissionais de atividades de valor acrescentado (como é o caso do regime dos residentes não habituais). A flexibilidade prevista deve ser utilizada, em especial, em projetos que, cumulativamente, preencham três requisitos: compromisso de criação de emprego; enfoque nas atividades e bens transacionáveis; envolvimento do sistema científico e universitário nacional nas atividades de investigação, desenvolvimento e inovação.
  • Intensificar a fiscalidade bilateral [2] em setores como a saúde, a educação, a rede de estradas e o acesso às cidades permitindo um desagravamento fiscal geral correspondente.



[1] Doris Prammer, 2011. Quality of taxation and the crisis: tax shifts from a growth perspective.
[2] Taxas e contribuições que oneram cidadãos e empresas que provocam ou aproveitam de um modo especial uma qualquer prestação pública (exemplos: as portagens rodoviárias, as propinas universitárias, as taxas nos hospitais).

O Estado pode informar melhor sobre os impostos que cobra, contribuindo para uma cidadania fiscal de maior qualidade e uma maior previsibilidade quanto à aplicação da lei fiscal.

Uma comunidade fiscal apenas pode exercer o seu controlo sobre as leis fiscais, conhecendo os motivos destas e participando na sua elaboração. Em Portugal, a inexistência de consultas públicas em matérias fiscais e a inexistência quase generalizada de documentos explicativos das inovações e alterações fiscais dificultam a compreensão da lei fiscal por parte de quem a tem de aplicar.

Um crescimento sustentável implica também um permanente acompanhamento, reavaliação e publicitação dos benefícios fiscais atribuídos. A participação da comunidade fiscal na avaliação do sistema fiscal vigente só pode ser feita com base em estatística fiscal completa e atualizada, que deve ser uma prioridade pública. Por último, a política fiscal terá ainda de assumir como prioritário o combate à fraude fiscal.

RECOMENDAÇÕES

  • Alargar o âmbito das obrigações declarativas que devem passar também a abranger tendencialmente todo o património mobiliário cuja transmissão gratuita fora do círculo familiar próximo esteja sujeita a tributação;  esta declaração não implicaria, por si, tributação e ficaria protegida pelo sigilo fiscal.
  • Promover o cruzamento informático automático, em sistema tecnológico específico e protegido pelo sigilo fiscal e pelo segredo bancário, dos dados das declarações de rendimentos e das declarações patrimoniais acima referidas com a informação bancária do contribuinte.    
  • Intensificar o mecanismo da consulta pública em matérias fiscais e divulgação de exposições de motivos relativos à lei fiscal. Publicação de maior número de documentos explicativos das inovações e alterações fiscais.
  • Fomentar a existência de estatística fiscal completa e atualizada e de uma abordagem comparativa com outros países. Acompanhamento, reavaliação e publicitação dos benefícios fiscais atribuídos.

A melhoria da eficácia da cobrança dos tributos existentes diminui a pressão para o aumento dos impostos e a para alterações constantes da lei fiscal, e reduz o desperdício de recursos públicos e privados no cumprimento voluntário e coercivo do sistema fiscal.

Portugal é um país com uma taxa total de tributação sobre as empresas de 43,3%, totalmente em linha com a média europeia (43,4%), de acordo com o Relatório “Paying Taxes 2011” do Banco Mundial, PwC e IFC (International Finance Corporation).

O número de horas necessárias para o cumprimento fiscal é de 275 horas, acima da média europeia de 209 horas e da média da OCDE (195h), segundo a mesma fonte.

RECOMENDAÇÕES

  • Racionalizar o sistema, de forma a diminuir o número de horas necessárias ao cumprimento das obrigações fiscais.
  • Consolidar e alargar o regime simplificado de tributação para sujeitos passivos de menor dimensão.
  • Capacitar a inspeção tributária, quer num contexto digital, quer numa relação de acompanhamento prévio e contemporâneo do contribuinte (horizontal monitoring).
  • Encorajar a mobilidade de membros da comunidade fiscal entre o setor público e o setor privado.

Mais do que as taxas efetivas de impostos, o nível de garantia dos direitos dos contribuintes empresariais e singulares é indicador de desenvolvimento.

Portugal vive ainda num patamar baixo de desenvolvimento, com demoras crónicas nos tribunais tributários de primeira instância, o que funciona sempre a favor do Estado, sobretudo num contexto de alta pressão fiscal, desequilibrando a justa repartição dos encargos tributários. Atualmente, os processos pendentes nos tribunais tributários representam um valor total de 10,5 mil milhões de euros, segundo números oficiais divulgados no Portal do Governo.

Este facto, aliado à falta de publicação das decisões dos tribunais tributários de primeira instância, representa uma clara negação aos contribuintes de previsibilidade sobre a aplicação da lei fiscal e é dificilmente compreensível por investidores estrangeiros.

RECOMENDAÇÕES

  • Eliminar demoras crónicas nos tribunais tributários de primeira instância e publicar as decisões dos tribunais tributários de primeira instância.
  • Racionalizar e simplificar o sistema de garantias, nomeadamente através da unificação de meios processuais, fim do recurso hierárquico em caso de reclamação graciosa e fim da participação do Ministério Público no contencioso tributário.

Nunca como agora estiveram tão próximos os tributos europeus. Neste contexto, é necessária a reflexão e atuação para a salvaguarda das especificidades da economia portuguesa, nomeadamente através de uma posição sobre o regime de tributação de base comum consolidada (CCCTB) [1]e um papel ativo na discussão do futuro da tributação indireta e do setor financeiro.

A política fiscal deve permitir promover a relação de Portugal com os seus mercados naturais, nomeadamente mercados lusófonos. Uma medida de política fiscal internacional neste contexto poderia ser a promoção de um acordo multilateral com países lusófonos que abrangesse várias matérias fundamentais para as relações económicas entre os dois espaços (acordo de dupla tributação, acordo de troca de informações e assistência mútua em matéria fiscal, acordo de segurança social, acordo de proteção de investimentos).

A inserção de Portugal na confluência das rotas marítimas (novo Canal do Panamá) e como primeiro porto de entrada na União Europeia deve conduzir a política fiscal a privilegiar a simplicidade de importação de mercadorias em trânsito para a União.

RECOMENDAÇÕES

  • Promover um acordo multilateral com países lusófonos para as relações económicas entre os dois espaços (acordo de dupla tributação, acordo de troca de informações e assistência mútua em matéria fiscal, acordo de segurança social, acordo de proteção de investimentos).
  • Privilegiar a simplicidade de importação de mercadorias em trânsito para a União Europeia de forma a inserir Portugal na confluência das rotas marítimas e como primeiro porto de entrada na União Europeia.
  • Intensificar a reflexão e atuação para a salvaguarda das especificidades da economia portuguesa, nomeadamente através de uma posição sobre as questões relevantes da fiscalidade europeia.
  • Assumir um papel ativo na discussão do futuro da tributação indireta e do setor financeiro.

 




[1] O CCCTB (Common Consolidated Corporate Tax Base), proposto pela Comissão Europeia em 2011 e em discussão entre os Estados-Membros, consiste na criação de um conjunto de regras fiscais em matéria de tributação das sociedades, comum ao nível da União Europeia (UE), que possibilita às empresas ou grupos empresariais que atuam em vários países da UE, a adoção de uma base tributável única, calculada em termos consolidados, para todas as suas empresas nos diversos Estados-Membros que adiram ao modelo de tributação.