27 desafios

511 recomendações

Desafio 11

Atingir uma base orçamental sólida e assegurar a estabilidade do sistema financeiro

Durante a última década, devido à repetição de défices externos cada vez maiores foi-se acumulando dívida externa. Desde 1997 a Balança de Transações correntes publicada pelo FMI – Fundo Monetário Internacional tem revelado, historicamente, um défice muito marcado.

Esta acumulação de dívida externa teve origem inicialmente no setor privado e antecipou o processo da entrada no Euro. A acumulação de dívida externa, mas também interna, tem a sua origem num aumento generalizado do crédito na Economia (segundo os dados divulgados pelo Banco Mundial). Esta tendência para uma maior facilidade na obtenção de crédito que, em parte, pode ser explicada pelo desenvolvimento do sistema financeiro Português na sequência da liberalização do setor iniciada na segunda metade da década de 80 do século XX, resultou também do aprofundamento do processo de integração financeira ocorrido na Comunidade Europeia desde meados dos anos 90 do mesmo século.

Portugal foi dos países da OCDE com maior aumento de dívida pública e privada desde a década de 80 do século XX. Em Portugal, o aumento da dívida distribuiu-se igualmente na década de 90 do século passado e durante a primeira década do século XXI.

Estes dois fatores estão contudo relacionados já que os bancos constituíram o mais importante veículo de acumulação desta dívida interna e externa. Os bancos nacionais aumentaram o recurso a meios de financiamento por grosso (obrigações), por oposição ao retalho (depósitos), aumentando o seu rácio de crédito sobre depósitos para os níveis mais elevados da Europa (de acordo com o Country Report 2011 do FMI).

O desfasamento entre crédito e depósitos foi preenchido pelo recurso a novos mercados.

As titularizações de crédito, tanto colocadas internamente como externamente, foram um mecanismo que facilitou o aumento do crédito interno sobretudo às famílias. As titularizações de crédito permitem a transformação de créditos em obrigações, com diversos perfis de risco e em volumes que garantem uma certa liquidez de forma a interessar um leque mais amplo de investidores. Incidiram, no caso de Portugal, principalmente sobre carteiras de crédito hipotecário mas, também, apesar de em menores montantes, no crédito às empresas e ao consumo. Estas titularizações representavam entre 5 e 7 mil milhões de Euros (3 a 4% do PIB) por ano, de 2003 a 2007, ano em que o mercado fechou para colocações públicas. Estes títulos eram colocados essencialmente no exterior. Tornou-se um hábito para os bancos titularizar, anualmente, parte da sua geração de créditos. Além destas titularizações, os bancos emitiam anualmente obrigações próprias com vários tipos de senioridade e maturidade de forma a preencher o desfasamento de financiamento para além das titularizações.

No caso das empresas, muitas recorreram diretamente aos bancos, com a exceção das maiores empresas privadas que mantiveram um acesso direto ao mercado de dívida externa.

O crédito externo às empresas também incluiu empresas do setor empresarial do Estado que acederam diretamente ao crédito bancário externo graças à garantia pública implícita de que usufruem.

Entre 2000 e 2010, a despesa pública aumentou de 43% para 51% do PIB, as despesas sociais aumentaram de 25,4% para 30,2% do PIB, as pensões cresceram 4,5% mas a receita de impostos manteve-se em 34% do PIB.

Todos estes fatores colaboraram para que em 2010 Portugal fosse uma das economias desenvolvidas com um maior rácio de dívida externa líquida sobre o PIB. A nossa dívida pública atingiu, em 2010, cerca de 100% do PIB (em 2005, era 62% do PIB). Também o nível de endividamento das famílias e das empresas se encontravam em níveis dos mais elevados. Nem as famílias, nem as empresas, nem o Estado apresentam por si só um problema de endividamento único entre estas economias desenvolvidas mas a combinação destes resulta de uma economia muito endividada como um todo.

Analisemos agora a acumulação de dívida pública, à luz de vários dados e indicadores publicados pelo INE e pelo FMI:

A dívida pública em Portugal aumentou substancialmente nos últimos anos, em especial depois de 2008. Além do elemento visível do aumento da dívida pública, verificou-se um movimento de desorçamentação através do Setor Empresarial do Estado e das Parcerias Público-Privadas (PPP), estas últimas, nomeadamente, na construção de Estradas mas também na área da saúde.

No caso do Setor Empresarial do Estado explorou-se a garantia implícita do Estado Português para ganhar acesso direto ao crédito bancário. Assim se cobriu o desfasamento existente entre prejuízos operacionais anuais, devidos à insuficiência tarifária, e os subsídios do Estado orçamentados para o setor. Esta dívida bancária permitia evitar o recurso ao Orçamento do Estado. Aumentou-se o endividamento bancário do Setor Empresarial do Estado de forma a não aumentar o endividamento público como definido até então pelas regras do Eurostat que mantinham o Setor Empresarial do Estado fora do perímetro de consolidação. Em 2010, com as novas regras do Eurostat, os critérios de definição do perímetro do Estado mudaram, mas não o suficiente para que a dívida pública passasse a incluir as dívidas de todas as empresas do Setor Empresarial do Estado. Por outro lado, as PPP permitiam que se mantivesse o nível de Investimento Público sem que este se refletisse no Orçamento de Estado já que estas também se encontravam fora do perímetro de consolidação.

Olhando para a evolução da dívida pública pode verificar-se que foi depois da crise de 2008 que grande parte se acumulou. O aumento verificado, a partir de 2010, deve-se em parte à reversão do processo de desorçamentação anterior, com a inclusão das Estradas de Portugal, do Metro de Lisboa e Refer no perímetro do Estado. Este salto reflete portanto uma realidade anterior que apenas não se encontrava refletida nas estatísticas disponíveis.

Este aumento da dívida pública foi também acompanhado de um forte aumento da despesa desde 2009. Contudo, e como vimos acima, dada a extensão do processo de desorçamentação, este aumento da despesa orçamental não reflete com fidelidade o aumento do peso do Estado nestes últimos anos.

Olhando para dados mais desagregados da despesa até 2009, último ano para o qual existem dados do INE, identificamos 70% da despesa nas rubricas Remunerações de Empregados e Prestações Sociais.

Os dados demonstram que é nas Prestações Sociais que se verifica um aumento mais importante nos últimos anos, nomeadamente, na sub-rúbrica Proteção Social. Este aumento é também muito evidente na sub-rubrica Saúde (não incluindo neste caso remunerações) onde se nota um aumento depois de 2007, apesar de já em 2003 se ter verificado um importante salto discreto. As remunerações dos trabalhadores, depois de terem visto aumentos significativos no fim dos anos 90 e princípio deste século, mantiveram-se bastante estáveis em percentagem do PIB.

A despesa, em percentagem do PIB, manteve-se até 2006, vindo depois a crescer nos últimos anos, em simultâneo com o aumento do crédito interno à economia. Assim, a evolução da despesa não atuou como contrapeso ao aumento do crédito privado, como seria aconselhado, mas acentuando as necessidades de financiamento externas da economia portuguesa (ver aumentos do défice externo durante este período).

O grande aumento da despesa (orçamentada) ocorreu em 2009, em boa parte devido ao aumento da despesa em Proteção Social, o que seria esperado dado a recessão vivida pela economia portuguesa nesse ano.

No que diz respeito ao Setor Empresarial do Estado, as Empresas Públicas tinham, em 2010, segundo o relatório de 2011 da Direção Geral do Tesouro e Finanças, um endividamento de 32 mil milhões de Euros, cerca de 20% do PIB. Situação tanto mais preocupante quanto esta dívida é suportada por resultados líquidos negativos. Como descrito acima, verificou-se, nos últimos anos, uma tendência para um aumento do recurso a empréstimos (desorçamentação). Em 2010, as fontes de financiamento foram as seguintes: 2,4 mil milhões de Euros de Recursos Próprios, 1,5 mil milhões de Euros de Subsídios, 375 milhões de Euros de Dotações de Capital e 3,1 mil milhões de Euros de Acréscimo do Endividamento (empréstimos). 45% deste acréscimo do endividamento teve origem na Parpública, mas o Parque Escolar, Refer e Estradas de Portugal também se endividaram em mais de 400 milhões de Euros em 2010, altura em que se assistiu a um aumento dos empréstimos de curto prazo para 5,4 mil milhões de Euros.

As necessidades de financiamento do Setor Empresarial do Estado, sem contar com as renovações de empréstimos em 2010, era de 7,5 mil milhões de Euros. Incluídas as renovações de empréstimos, as necessidade aumentam para 12,9 mil milhões de Euros. Em 2010, a Parpública tinha 10,2 mil milhões de Euros de dívida, a Refer 6 mil milhões de Euros, o Metropolitano de Lisboa 3,8 mil milhões Euros, a CP 3,3 mil milhões de Euros, o Metro do Porto 2,3 mil milhões de Euros e as Estradas de Portugal 2 mil milhões de Euros.

Segundo o Documento de Estratégia Orçamental 2011-2015, o valor das responsabilidades por pagamentos futuros do Estado aos parceiros privados, no âmbito das PPP, representavam, em agosto de 2011, 14% do PIB, dos quais mais de 50% em PPP rodoviárias.

Analisemos o contexto europeu, em matéria de estabilidade, coordenação e governação da zona Euro: a 2 de março de 2012, os Chefes de Estado ou de Governo de todos os Estados-Membros da UE, com exceção do Reino Unido e da República Checa, assinaram o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (TECG).

O Tratado visa preservar a estabilidade de toda a área Euro. Este tratado inclui um Pacto Orçamental que prevê:

  • O objetivo de médio prazo para o défice estrutural anual (ajustado para o ciclo económico e excetuando medidas temporária e one-off) não pode exceder 0.5% do PIB nominal (a não ser que o rácio da dívida sobre o PIB esteja abaixo de 60% e não ponha em risco a sustentabilidade de longo prazo das contas públicas; nesse caso, o limite poderá ser 1%);
  • A regra deve ser introduzida no sistema legal dos Estados-Membros de preferência na Constituição ou a um nível equivalente ou então garantindo o seu cumprimento por parte dos processos orçamentais nacionais. A regra terá de incluir um mecanismo de correção automática, em caso de desvio, de forma a que medidas sejam imediatamente tomadas pelo governo do país em incumprimento, corrigindo os desvios orçamentais num dado limite temporal. O Tribunal de Justiça verificará a transposição desta regra a nível nacional;
  • Os países membros convergirão para o limite fixado dentro dos prazos propostos pela Comissão;
  • Os países em situação de défice excessivo submeterão um programa de convergência monitorado pela Comissão e pelo Conselho;
  • Prevê-se que o seu cumprimento seja monitorizado por Instituições nacionais independentes;
  • O tratado entrará em efeito em janeiro de 2013.

Nesta introdução, identificámos as razões dos desequilíbrios macro-económicos de que sofre a economia portuguesa correntemente. É possível concluir que estes se foram acumulando ao longo do tempo e têm origem nos seguintes fatores:

  • Explosão do crédito disponível à economia, nomeadamente, do crédito externo;
  • Este crédito fez uso, em grande medida, da intermediação bancária, provocando um alavancamento exagerado das instituições financeiras;
  • A política orçamental não procurou corrigir estes desequilíbrios tendo, pelo contrário, sido pró-cíclica;
  • A utilização, cada vez mais exagerada, de mecanismos de desorçamentação (no âmbito das empresas públicas e das PPP) escondeu a dimensão do problema orçamental acentuando a acumulação de dívida pública ocorrida nos últimos anos, sendo que, em parte, esta acumulação se deveu à resposta à crise ocorrida em 2009.

Neste contexto, apresentamos propostas que visam criar um ambiente orçamental rigoroso e disciplinado, limitando o recurso à desorçamentação e fomentando a transparência. Por outro lado, reconhecemos a necessidade de se optar por uma regulação financeira mais atenta e menos adaptativa, de forma a não permitir a acumulação de riscos sistémicos na economia e limitar o excesso de alavancagem.

De modo a assegurar que os benefícios destas medidas são alcançados, será necessário desenhar instituições independentes com responsabilidades de monitorização, aliás em sintonia com o novo Tratado Europeu de Estabilidade, Coordenação e Governação.

Convém lembrar que, no passado, outros países que passaram por crises financeiras resultantes da aceleração do crédito na economia seguiram caminhos similares.

Nestes casos específicos, foi a resolução das crises financeiras que originou a acumulação de dívida pública. Um exemplo claro é o da Suécia que reformou o sistema financeiro e, em paralelo, introduziu regras orçamentais incidindo sobre a despesa. Um dos primeiros exemplos bem documentados da introdução de regras orçamentais é a introdução de “Budget Balanced Rules” em muitos Estados dos Estados Unidos da América. Estas foram adotadas no seguimento dos défices induzidos pela crise de bancária ocorrida na década de 40 do século XIX.

Neste contexto defendemos as seguintes orientações estratégicas e recomendações:

  • Criar novas regras orçamentais incidindo sobre a despesa além do défice
  • Estabelecer uma regulação bancária que limite o recurso excessivo dos bancos ao crédito externo
  • Atingir uma base orçamental sólida e um sistema financeiro robusto

Orientações Estratégicas

De forma a justificar as nossas propostas na área da disciplina orçamental, que passam pela criação de novas regras orçamentais, convém começar por classificar os vários tipos de regras orçamentais disponíveis:

  • Regras sobre o défice público: incidem apenas sobre o défice público anual limitando-o a um teto máximo. O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) é um exemplo reconhecido deste tipo de regra;
  • Regras sobre o défice público ajustado ciclicamente: estabelecem limites que incidem sobre o défice estrutural, ou seja o défice corrigido das suas componentes cíclicas;
  • Regras sobre a despesa (Utilizadas nos Estados Unidos durante a administração Clinton no início dos anos 90 do século XX, Budget Enforcement Act -“BEA”, 1990-2002): determinam um teto sobre a despesa pública. 

Existe literatura empírica vasta que suporta a escolha de regras que incidem especificamente sobre a Despesa Pública. O objetivo desta área de investigação é o de estimar a eficácia destas regras sobre a diminuição dos défices públicos. Ayuso-i-Casals, Debrun, Kumar, Moulin e Turrini analisam o impacto de regras fiscais na UE-25 a diferentes níveis da administração. Os resultados empíricos obtidos sugerem uma relação de causalidade forte entre a existência de regras fiscais numéricas e performance fiscal. Por regras fiscais numéricas entenda-se a fixação de tetos ou objetivos numéricos sobre agregados orçamentais. Mostram, igualmente, que uma maior proporção do orçamento de Estado coberta por regras orçamentais e a existência de mecanismos de coação fortes são determinantes robustos da sua eficácia. Esta eficácia corresponde a menores défices orçamentais primários. Sutherland, Price e Joumard mostram que um índice agregador das regras fiscais para os países da União Europeia apresentou uma correlação negativa com o crescimento da dívida/PIB durante o período de 1999 a 2003. Deroose, Moulin e Wierts mostram, com um índice similar, que regras orçamentais mais amplas (no sentido de abrangência orçamental) e robustas (eficácia das regras) estão associadas com uma redução maior do aumento da despesa pública.

Outra vantagem, bem documentada, do estabelecimento de regras orçamentais, é o impacto positivo sobre os custos de financiamento da economia. Este resultado é esperado já que, se as regras orçamentais são realmente eficazes, e portanto credíveis, é natural que sejam esperados défices futuros mais baixos e, portanto, os custos de financiamento da economia deveriam ser mais baixos do que se estas regras não existissem. Este impacto é especialmente relevante para Portugal nas circunstâncias atuais e constitui, só por si, um argumento forte em defesa das regras orçamentais.

Outra das vantagens da definição de regras nacionais incidindo sobre a despesa, para além das previstas para o défice, reside na sua transparência e administrabilidade. As regras sobre a despesa são de implementação mais óbvia e clara, desde que exista um mecanismo que permita contabilizar a despesa trimestralmente, contabilizando todos os compromissos assumidos à data pela administração pública aos seus diferentes níveis. A nova Lei dos Compromissos é a expressão desta nova vontade política. Por outro lado, as regras sobre o défice dependem bastante da qualidade das estimativas ex-ante para o crescimento económico. Pelo contrário, as regras de despesa tendem a ser mais eficazes pois, sendo fixadas ex-ante, dependem menos de erros de previsão macro-económica. Citamos aqui Fabrizio e Modi: “This discipline, apparently, acts through constraints on expenditures, which is where the scope for indiscipline is greatest, since politicians, while benefitting themselves and their constituents from additional expenditures, do not fully bear the costs of those additional expenditures”.

A nossa proposta para o período de duração das regras abrange toda a legislatura de forma a que estas estejam alinhadas o mais possível com o mandato político de cada governo eleito e confirmadas pelo voto de uma maioria parlamentar.

Em relação aos bons exemplos a seguir ao nível internacional, convém recordar que a Suécia, a Finlândia, a República Checa, a Holanda, a Nova Zelândia, o Canadá, a Austrália e os Estados Unidos todos têm uma versão de Regra de Despesa implementada. Mais uma vez, a Suécia e a Finlândia estabelecerem a sua versão depois da crise financeira do princípio dos anos 90 do século XX.

RECOMENDAÇÕES

  • Implementar regras sobre a despesa ao nível da Administração Central, impondo um limite, em termos reais, sobre todos os itens da despesa do Estado que não dependam do ciclo económico (todos os itens exceto as prestações sociais). Estes limites seriam fixados para toda a legislatura, garantindo limite para o défice estrutural. Seriam também introduzidas limitações sobre alterações de legislação incidindo sobre a receita (impostos) e prestações sociais de modo a estabilizar as regras com impacto sobre a componente cíclica. Estas regras serviriam para complementar a utilização de regras sobre o défice introduzidas pelo novo Tratado Europeu de Estabilidade, Coordenação e Governação e permitiriam atingir, mais eficazmente, os limites estabelecidos para o défice estrutural no quadro deste Pacto. Estas regras seguiriam o exemplo do “Budget Enforcement Act” americano.
  • Fixar o equilíbrio orçamental das administrações regionais e municipais, à semelhança das regras – Budget Balance Rules – introduzidas nos Estados Unidos, na sequência da crise bancária dos anos 40 do século XX. Os estudos empíricos concluem que, quanto mais ampla é a cobertura das regras orçamentais, maior o seu impacto na redução do défice e portanto maior a sua eficácia.
  • Proibir o endividamento pelo Setor Empresarial do Estado junto da banca ou através da emissão de obrigações, cobrindo os seus défices através de subsídios estatais com repercussão imediata no Orçamento do Estado. No caso do Setor Empresarial do Estado, caso seja prestado um serviço público, este deve ser coberto diretamente pelo Orçamento de Estado. Os subsídios são a forma mais transparente de refletir no orçamento do Estado os custos do serviço público. É fundamental trazer todas as formas de despesa para o quadro orçamental. Desta forma, aumenta-se a transparência orçamental e diminuem-se as possibilidades de desorçamentação por parte do Estado. No caso de despesas de investimento, o recurso ao endividamento através de divida junto da banca ou de emissão de obrigações teria de ser feito de forma a que estas sejam contabilizadas como  Divida Directa do Estado e devidamente justificadas em termos de cobertura de despesas de juros.
  • Avaliar as obrigações futuras anuais para o Estado provenientes das PPP e limitá-las de acordo com limites orçamentais de longo prazo pré-estabelecidos. Se se assumirem responsabilidades do Estado no quadro das PPP para os próximos anos, isso tem de ficar espelhado nas responsabilidades do Estado.
  • Fixar um horizonte de responsabilidade orçamental para o médio e longo-prazo (2020/2030): Reduzir o rácio de despesa sobre o PIB para valores inferiores a abaixo dos 40%; Reduzir a dívida pública sobre o PIB para valores inferiores a 60%; Manter o défice estrutural cerca dos 0.5% do PIB como determinado pela União Europeia; Reduzir rácio de Crédito por Depósitos para um valor mais equilibrado e próximo dos 100%; Eliminar gradualmente recurso ao endividamento por parte do Setor Empresarial do Estado.

Como já se referiu, a propósito da origem do aumento dos défices externos e, em consequência do endividamento externo, para além do descontrolo das contas públicas, o aumento do crédito ao setor privado teve um papel significativo.

É importante encontrar medidas que possam, no futuro, limitar o recurso excessivo dos bancos ao crédito externo e, por outro lado, limitar fatores que potenciem o risco sistémico no setor financeiro português e, desta forma, sirvam de desestabilizador do crescimento.

RECOMENDAÇÕES

  • Limitar a concessão de crédito não financiada diretamente por depósitos. Propor um limite máximo para o rácio de crédito concedido sobre depósitos de forma a diminuir e controlar a dependência dos bancos do mercado grossista que tende a desaparecer muito rapidamente quando ocorre uma crise financeira. No caso português, sem o apoio de financiamento do BCE, os bancos teriam tido um problema de liquidez bastante grave. Esta medida visa estabelecer o sistema financeiro sobre bases mais sólidas. No acordo com a Troika esta medida já está prevista e o objetivo para o rácio será de 120% no final do programa de ajustamento.
  • Fazer depender os custos de capital, para os bancos, da concentração de riscos no setor financeiro, tanto do ponto de vista de setores da economia como do ponto de vista do colateral dos empréstimos. De forma a garantir um setor financeiro mais sólido, que possa apoiar de forma sustentada o crescimento económico futuro, propomos que o Banco de Portugal diferencie o custo de capital para cada crédito dependendo da exposição que o sistema, como um todo, tem a cada setor ou, pelo menos, seguir com especial atenção as concentrações de riscos por parte da banca em certos setores. O Banco de Portugal poderia, igualmente, fazer com que o custo de capital dependesse dos colaterais do empréstimo onerando mais, por exemplo, os empréstimos garantidos por ações em que uma percentagem grande do free float estivesse a servir de colateral no sistema ou encontrar outras formas de desencorajar o recurso excessivo a este tipo de garantias. Poderia também fazer depender os custos de capital alocados a empréstimos ao setor da construção civil da percentagem de terrenos colateralizados numa determinada zona geográfica. O Banco de Portugal consideraria, assim, dados agregados para poder lidar mais eficazmente com riscos sistémicos.
  • Acompanhar as maturidades dos ativos e passivos dos bancos, através do regulador, exigindo o seu equilíbrio e estabelecer mecanismos de forma a poder recapitalizar ou liquidar um banco de forma ordenada. Preparar um plano de intervenção em bancos com dificuldades de forma a que as duas saídas possíveis para uma situação de stress estejam bem definidas e sistematizadas à anteriori. O facto dos processos estarem definidos de antemão permitirá aumentar a celeridade do processo e a sua transparência. Permitirá também mais facilmente isolar os problemas desta instituição e evitar riscos sistémicos.
  • Integrar a indústria de capital de risco portuguesa nas plataformas internacionais, de modo a garantir o financiamento dos projetos com elevado crescimento potencial e impacto económico significativo.

Para que estas propostas sejam eficazes, terão de ser monitorizadas por instituições independentes e com capacidade técnica para o fazer.

É, por isso, essencial complementar as propostas acima formuladas com propostas de teor organizacional.

RECOMENDAÇÕES 

  • Estabelecer um organismo independente com a missão produzir as projeções necessárias ao processo orçamental. Este organismo poderá ser sedeado no recém-criado Conselho de Finanças Públicas. Para que as regras orçamentais atinjam os seus objetivos, é crucial que as projeções sejam estabelecidas de forma mais robusta possível. É crucial que esta instituição tenha as melhores condições técnicas para fazer bem o seu trabalho. Mas também é crucial que esta seja independente de forma a resistir a qualquer tentativa de manipulação das projeções. Por exemplo, uma regra sobre o défice estrutural, como a proposta pela União Europeia, vai depender crucialmente do método escolhido para diferenciar a componente cíclica da componente estrutural para o défice e para o produto. Estes problemas só poderão ser mitigados através da criação de instituições independentes que se responsabilizarão pela separação dos elementos cíclicos dos estruturais para o défice e para o PIB. Mesmo no caso das regras sobre a despesa, a sua eficácia vai depender das projeções governamentais para as diferentes variáveis macro-económicas relevantes. Os limites para a despesa serão calculados de forma a atingir certos valores para os défices estruturais e a sua eficácia vai depender, por exemplo, do crescimento realizado da economia por oposição ao crescimento previsto por esta instituição.
  • Criar uma instituição independente para as PPP, com responsabilidade pela avaliação dos projetos ex-ante para, nomeadamente: limitar a aprovação de projetos para as PPP a parcerias que apresentem benefícios claros em relação à alternativa de financiamento direto por parte do Estado; avaliar as obrigações futuras anuais para o Estado e limitá-las de acordo com limites orçamentais de longo prazo pré estabelecidos.