27 desafios

511 recomendações

A consolidação orçamental, sendo condição necessária, não é condição suficiente para o crescimento. Precisamos de um novo modelo de desenvolvimento e não apenas de um resgate económico- financeiro.

 

Assim surgiu o “Relatório para o Crescimento Sustentável – Uma visão pós-troika”, que identifica 27 desafios estratégicos e 511 recomendações para libertar o potencial de crescimento de Portugal.

Sumário Executivo

Orientações Estratégicas

Em outubro de 2011, momento da nossa constituição enquanto associação cívica, fomos claros quanto à nossa natureza e aos nossos propósitos.

Somos patriotas. Amamos Portugal e acreditamos nos portugueses. Temos orgulho na nossa história. Mas não queremos viver no passado, nem do passado. O que nos motiva é a capacidade de transformar o futuro.

Defendemos um País aberto e atuante no mundo. A esfera nacional não é suficiente para abraçar os desafios globais e, até, os desafios nacionais.

Acreditamos no multilateralismo e na consagração dos bens públicos globais.

Consideramos a globalização como uma oportunidade e a necessidade da sua regulação, colocando-a ao serviço do desenvolvimento sustentável, deve ser uma prioridade da nossa agenda nacional e internacional.

Somos inconformistas, reformistas e queremos assumir o risco. Grandes crises requerem audácia e arrojo. Não nos resignamos perante a crise e sabemos que só a superaremos com reformas estruturais e com alterações de comportamentos e de mentalidade.

Acreditamos que a realização de grandes coisas não depende, apenas, da possibilidade de as fazer; depende da vontade de as fazer.

Acreditamos no valor incontornável da liberdade e da dignidade de cada pessoa. Acreditamos no valor das comunidades. Assumimos a síntese personalista entre ambos.

Nascemos da convicção de que a consolidação orçamental, sendo condição necessária, não é condição suficiente para o crescimento. Precisamos de um novo modelo de desenvolvimento e não apenas de um resgate económico-financeiro. Por duas razões principais: primeiro, porque existem outros problemas estruturais, que nos acompanham há décadas, para além do endividamento e dos défices orçamentais, e que nos têm impedido de crescer de um modo – financeira, social, económica e ambientalmente – sustentável. Segundo, porque a estratégia de crescimento, em Portugal, não pode estar desligada dos grandes debates e tendências internacionais em matéria de demografia, de consumo de recursos naturais, de volatilidade do preço das matérias primas e de inovação tecnológica.

Há um ano assumimos a responsabilidade de contribuir, num quadro de grande participação, de articulação com outros think-tanks e de forte envolvimento internacional, para uma resposta, de natureza cívica, à imprescindibilidade de uma visão integrada para o modelo de desenvolvimento de Portugal que transcendesse o Memorando de Entendimento celebrado entre Portugal e o Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia (CE) e Banco Central Europeu (BCE).

Este Relatório não é o resultado de um exercício académico com a pretensão de indicar a via científica para o crescimento sustentável; não é um catálogo de medidas derivadas de uma matriz programática partidária, existente ou latente; não é um menu de consensos bi ou multipartidários; não é o produto do trabalho de uma empresa de consultadoria; não é o caderno de encargos ou a lista de desejos de um qualquer grupo de pressão; não é uma colagem de ideias mais ou menos originais elaboradas por um grupo diletante ou por um conjunto de “jovens turcos”.

Este Relatório é um ato de responsabilidade de uma associação independente, sem filiação partidária e sem fins lucrativos, composta por cidadãos que consideram não poder deixar de estar à altura de um momento tão difícil para Portugal e para os portugueses.
Durante mais de um ano, ouvimos dezenas de especialistas nacionais e internacionais, realizámos centenas de reuniões, produzimos milhares de páginas de diagnóstico e de recomendações e beneficiámos da incalculável generosidade do trabalho voluntário dos mais de 400 membros da PCS. Chegámos a esta síntese de 300 páginas, identificando 27 desafios estratégicos e 511 recomendações que consideramos importantes para libertar o potencial de crescimento de Portugal.

Estamos cientes da eventualidade de nem todas as recomendações apresentadas reunirem a concordância dos 400 membros da PCS e não ignoramos que algumas das recomendações poderão mesmo suscitar controvérsia. Apesar disso, consideramos que todas as recomendações merecem ser discutidas.

O Relatório que agora publicamos é um ponto de partida. Não é um ponto de chegada. Não é um trabalho perfeito, mas nunca teve a pretensão de o ser.
É a nossa visão pós-troika e estamos interessados em torná-la mais nítida, beneficiando do contributo de todos.
Com a publicação deste Relatório para o Crescimento Sustentável iniciaremos um debate, a decorrer de um modo aberto e descentralizado sobre as 511 recomendações que formulámos.
Essa discussão pública inspirar-nos-á a melhorar as nossas propostas.
Estamos todos convocados.

Em abril de 2011, Portugal viu-se confrontado com a necessidade de, pela terceira vez na sua história, pedir ajuda externa para evitar a bancarrota.

Longos anos de opções políticas erradas e de um modelo de desenvolvimento anacrónico originaram: a perda de competitividade da economia; um nível de crescimento medíocre (0,6%, em média, entre 2000 a 2010) acompanhado do acentuar da divergência com a média europeia; o aumento exponencial da despesa pública – entre 2000 e 2010, a despesa pública aumentou de 43% para 51% do PIB, as despesas sociais aumentaram de 25,4% para 30,2% do PIB, as pensões cresceram 4,5% mas a receita de impostos manteve-se em 34% do PIB; a operação sistemática de desorçamentação (nas empresas públicas e nas PPP); o crescimento do desemprego estrutural, conjugado com um nível crescente de desigualdade social, bem patente na forte assimetria na distribuição da riqueza e no proliferar de situações de dependência de muitos cidadãos face aos recursos públicos e com o consequente alastramento de fenómenos de pobreza endémica.

Este modelo de desenvolvimento insustentável despoletou um período prolongado de défices externos, para cobrir o excesso de despesa, dando origem a um excessivo endividamento perante o exterior, à perda de confiança dos mercados externos e, assim, à incapacidade para obter financiamento externo. A nossa dívida pública atingiu, em 2010, cerca de 100% do PIB (em 2005, era 62% do PIB).

O pedido de ajuda externa tornou-se, pois, inevitável. O atual Governo tem assumido o objetivo de respeitar o compromisso externo assumido com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, em torno da estabilização financeira, da consolidação das contas públicas e da concretização de uma agenda de reformas estruturais, procurando credibilizar a nossa posição junto dos nossos parceiros internacionais e do mercado e concluir o mais rapidamente possível o Memorando de Entendimento, reconquistando a nossa plena soberania financeira e recuperando o direito de fazermos escolhas inteiramente livres.

É verdade que o esforço de consolidação orçamental tem envolvido grandes sacrifícios dos cidadãos. Como é verdade que os riscos associados ao cumprimento do programa de ajustamento permanecem elevados, seja pelo agravamento do contexto externo, com o alastramento da crise da dívida soberana a mais Estados-Membros da UE e a tendência recessiva na Europa, seja pelas consequências macroeconómicas do aumento do desemprego nacional.
Mas, não é menos verdade que alguns resultados alcançados são extremamente positivos, dando um sentido útil aos sacrifícios que estão a ser pedidos aos portugueses: as sistemáticas avaliações positivas, por parte da troika, em relação ao cumprimento do Programa de Ajustamento, e a credibilização da posição de Portugal junto do mercado, dos credores e das instituições internacionais; a redução do défice primário e a despesa pública, com um ritmo inédito face às últimas três décadas; o aumento significativo das exportações e o quase equilíbrio da nossa balança comercial; a queda consistente dos juros da dívida soberana e do risco de incumprimento.

Esta é a estratégia de curto-prazo. E é a estratégia mais adequada no curto-prazo.
Mas é preciso mais.
Não podemos iludir-nos, como desde sempre esta Plataforma tem alertado, quanto à verdadeira dimensão dos nossos problemas. O défice e o endividamento, sendo muito graves, são apenas uma parte do problema português.
Quando encaramos os outros défices e as outras dívidas – produtividade baixa, terceira maior taxa de abandono escolar da UE, elevadas dependência energética e intensidade energética, grave dependência alimentar do exterior, baixo nível de investimento privado em investigação e desenvolvimento, competências reduzidas dos nossos jovens nas áreas da leitura, matemática e ciências, níveis intoleráveis de desigualdade social, de imobilidade social e de pobreza, lentidão no sistema de justiça, sinuosidade de regras no ordenamento do território – facilmente se constata que estamos perante um desafio de maior dimensão do que aquela que se intui dos debates focados nas urgências do presente.

É tempo de assumirmos que o nosso problema é estrutural, que não resulta apenas da falta de financiamento externo e que não se resolverá sem uma alteração radical do nosso modelo de desenvolvimento: um modelo de desenvolvimento verde, inteligente, competitivo e inclusivo, que necessita de novas opções estratégicas e de um quadro ambicioso de reformas capaz de transcender, simultaneamente, o horizonte temporal de uma legislatura e as heranças político-culturais do passado.

Temos de preparar uma visão pós-troika que liberte o potencial de crescimento de Portugal.
No quadro da troika, isto é, do atual cumprimento do Memorando de Entendimento, a nossa estratégia tem sido baseada, por um lado, na consolidação orçamental – através da redução de desperdícios na administração pública, dos cortes nos consumos intermédios, do aumento da carga fiscal e do programa de privatizações – e, por outro lado, nas reformas estruturais que, designadamente, têm procurado criar as condições para mais concorrência, democratização e internacionalização da economia nacional.

Ora, no contexto pós-troika, é preciso avançar para uma nova estratégia.

Em primeiro lugar, afirmando a responsabilidade orçamental em torno de três novas linhas de orientação: definir, não apenas limites ao défice orçamental, mas também limites à despesa; concretizar uma reforma fiscal amiga do crescimento, aumentando os impostos sobre a poluição e sobre a degradação de recursos naturais e reduzindo os impostos sobre o trabalho e sobre o rendimento das empresas; redefinir, em nome da liberdade dos cidadãos e da eficiência da utilização dos recursos, as funções a atribuir ao Estado.

Em segundo lugar, avançar para uma estratégia de crescimento e emprego assente numa agenda de transformações estruturais e de investimentos seletivos e reprodutivos em três áreas: o conhecimento e empreendedorismo; as alterações climáticas e a economia verde; e a política industrial. Sendo verdade que não foi por falta de despesa, na última década, que Portugal não deixou de exibir os sinais de insustentabilidade do seu modelo de desenvolvimento, não é menos verdade que não é possível crescer sem investimento.
A questão essencial está na seletividade – de setores e projetos – e na reprodutividade desse investimento. Para que a despesa gere riqueza e não, simplesmente, gasto e desperdício.

Em terceiro lugar, tirar partido dos talentos, das infraestruturas, dos recursos naturais, da História e do posicionamento geopolítico para competir e vencer à escala global, no contexto de uma economia de rede e não de escala, para enfrentar as novas ameaças globais – a crise climática, a crise alimentar, a crise demográfica, a perda de biodiversidade, o terrorismo e a cibersegurança – e para tirar partido das novas oportunidade globais, como: a economia verde e a revolução energética, a economia da saúde e a biotecnologia, a economia digital e dos novos materiais. Temos de fazer de Portugal um país de atração de talentos, de investimento e de projetos.

Em quarto lugar, contribuir ativamente para a refundação do projeto europeu, no quadro de um significativo aprofundamento político, económico e financeiro, de modo a enfrentar, de forma estrutural e não meramente conjuntural, a maior crise europeia desde o pós-guerra – uma crise da dívida, do desemprego, da recessão e, não menos grave, uma crise de confiança.

A consolidação orçamental do presente é condição necessária para o crescimento, na medida em que é instrumental para a libertação de recursos para a economia.
Mas não é condição suficiente para o crescimento. Este só poderá ser alcançado com uma visão pós-troika que enfrente todos os nossos problemas estruturais, e não apenas os de natureza orçamental e financeira; que dê mais liberdade aos cidadãos e menos peso ao Estado; que reconfigure a economia social de mercado, dando uma leitura moderna da equidade e da igualdade de oportunidades; que tire partido das potencialidades de competição global de que dispomos; e que reclame da Europa a liderança política que encontre, no nosso tempo, um instrumento da dimensão política (obviamente, com outra adequação do nível de recursos financeiros) do Plano Marshall no pós-guerra.
Mas só o conseguiremos se o fizermos todos, no quadro de uma democracia mais participada e de uma melhor representação política.

A insatisfação dos portugueses com a sua democracia tem de ser encarada. É da razão e do mérito que deve emergir o poder, que só com transparência pode ser exercido.
Num momento de crise económica e de crise de identidade, nacional e europeia, é fundamental estimular a participação cívica e assegurar um debate transparente e aberto sobre as escolhas políticas, evitando que a insatisfação se transforme em deriva antidemocrática.
A regeneração do sistema político português envolve não apenas a sempre proclamada e raramente concretizada revisão dos sistemas eleitorais mas principalmente uma maior participação cívica.
É, aliás, no contexto mais amplo do reforço da cidadania que devemos avançar para o aprofundamento da democracia, reforçando a confiança dos cidadãos nas instituições e no próprio sistema político.
Participar é fazer parte de uma sociedade e tomar parte no desenvolvimento desta, segundo os princípios de que quem participa deve ser ouvido, deve estar informado e deve ter retorno quanto aos resultados do seu contributo. E isto é válido na relação dos cidadãos com os órgãos e agentes do sistema político (nacional, local e europeu), com as organizações e os movimentos cívicos, com os serviços públicos e com os seus interlocutores no mundo do trabalho.

É chegado o momento de levar a democracia mais longe.

O aprofundamento da democracia e da participação cívica deverá passar por:

  • Desenvolver novos mecanismos de participação cívica e envolver mais diretamente os cidadãos na definição e na aplicação das políticas públicas. Nesse sentido, é importante conferir aos cidadãos o direito de poder pronunciar-se em referendo sobre as grandes opções estratégicas e alargar o direito de petição de cidadãos à apresentação de iniciativas legislativas;
  • Reforçar a relação entre os representantes políticos e os eleitores pela reforma dos mecanismos de representatividade, designadamente, através da revisão o sistema eleitoral, prevendo círculos uninominais e o voto preferencial no círculo nacional; da consagração da possibilidade do voto eletrónico; e da contabilização dos votos em branco na eleição presidencial e no referendo;
  • Assegurar a descentralização político-administrativa e o maior envolvimento dos cidadãos no governo local, designadamente, aprofundando a experiência dos orçamentos locais participativos, com verdadeira dimensão deliberativa;
  • Alargar as responsabilidades e influência das instituições intermédias, das ONG, do setor da economia social e das organizações de voluntariado, que estão em condições de prestar muitos serviços públicos, com maior qualidade e eficiência do que o Estado; 
  • Reforçar o acesso à informação e a participação dos cidadãos na avaliação das políticas públicas e valorizar a base científica das opções estratégicas, envolvendo a comunidade científica, através de uma Comissão específica a funcionar em permanência no âmbito da Assembleia da República, na avaliação custo-benefício das iniciativas legislativas e suscitando a discussão pública das decisões de caráter estratégico;
  • Conferir maior transparência e escrutínio no exercício de cargos públicos, assumindo um combate determinado à corrupção e a todas as atuações desviantes no exercício desses cargos;
  • Melhorar as condições de abertura, transparência e reconhecimento do mérito nos partidos políticos, em torno de mecanismos que gerem concorrência interna, com eleições primárias nas escolhas dos candidatos, com financiamento exclusivamente público e com fiscalização e aprovação judicial dos financiamentos e das contas das respetivas campanhas internas;
  • Facilitar o acesso de todos – instituições, cidadãos, jornalistas e investigadores – aos documentos da administração pública e dos órgãos de soberania e aos dados estatísticos relevantes, e reforçar o papel dos painéis de cidadãos que acompanham o desenvolvimento de determinados serviços públicos.

É preciso libertar a sociedade portuguesa do peso do Estado. O Estado já consome metade da riqueza nacional. Na última década, entre 2000 e 2010, a despesa pública aumentou de 43% para 51%, as despesas sociais cresceram quase 5% (de 25,4% para 30,2% do PIB), as pensões cresceram 4,5%, mas a receita de impostos manteve-se em 34% do PIB. 

Três em cada quatro euros da despesa pública são gastos em salários, pensões e subsídios. Isto é, cerca de 70% da população vive direta ou indiretamente da despesa do Estado.
Essa dependência representa, não apenas um problema orçamental mas, também, uma deficiente relação entre o Estado, os cidadãos e as instituições.
A sociedade existe antes do Estado e o Estado não pode determinar toda a vida social.
A dignidade da pessoa humana exige a contenção do Estado na esfera pessoal.
Ao Estado não compete impor um modelo de sociedade e de realização individual mas assegurar o direito de cada um ser livre e perseguir os seus objetivos, pelos caminhos que considere mais adequados.
Não são as pessoas que devem estar ao serviço do Estado, mas o Estado que deve estar ao serviço das pessoas.
Queremos um Estado que valorize a criatividade, a iniciativa e a inovação da sociedade. A excessiva intervenção do Estado atenta contra o dinamismo, a autonomia e a vitalidade da sociedade, dando origem, muitas vezes, a fenómenos de dependência que se eternizam.
A diminuição da extensão e da presença do Estado, indispensável para reduzir a despesa pública e permitir a sua sustentabilidade financeira, deve ser acompanhada por uma modernização que garanta ganhos de eficiência e a proteção adequada da justiça social e da sã concorrência.
Temos de não só eliminar os desperdícios ou a ineficiência da administração pública mas, principalmente, eliminar subsídios e protecionismos injustificados e redesenhar as funções do Estado, tendo em atenção o quadro macroeconómico europeu e nacional e as tendências demográficas e sociais.

Aliás, as funções a desempenhar pelo Estado na sociedade portuguesa não são algo de apriorístico e imutável. Constituem uma opção estruturante do nosso desenvolvimento como nação e da própria modernização do setor público.
Para além das funções de soberania, as funções do Estado deverão cumprir três objetivos intermédios fundamentais do desenvolvimento sustentável: acesso justo às condições de vida, incluindo de desenvolvimento individual; funcionamento livre e democrático das instituições intermédias; mercado plenamente concorrencial e regulado independentemente.

Que funções devemos hoje, em nome da liberdade dos cidadãos e da eficiência da utilização dos recursos, atribuir ao Estado, sabendo que o imobilismo ou a tibieza darão sempre origem, no presente ou no futuro, a um aumento de impostos? Ao Estado devem, cada vez mais, ser reservadas as funções essenciais de soberania (segurança, defesa, justiça, ação externa e ordenamento do território), as funções de serviço público nos setores estratégicos, com destaque para as falhas de mercado e a provisão não exclusiva de bens de mérito, e as funções de regulação e fiscalização nos restantes setores.
Não sendo dono da economia nem a comandando, o Estado português nela peca por ação e por omissão: porque consome demasiada riqueza; porque não cria estabilidade e previsibilidade na vida interna do país nem permite a resolução célere de conflitos; porque não concebe as empresas como clientes da Administração Pública; porque é devedor e não paga como deve; porque é credor e reclama os seus créditos de forma arbitrária e porque decide arbitrariamente dos estímulos à atividade económica; porque não disponibiliza uma diplomacia económica eficaz e não tem compreendido, nem os verdadeiros constrangimentos do empreendedorismo nacional para a modernização da nossa economia, nem os reais fatores de atração do investimento estrangeiro de qualidade.

Assim, defendemos que a revisão das funções do Estado passe, designadamente, por:

  • Concretizar uma menor presença do Estado enquanto agente económico na área empresarial e aumentar a eficácia reguladora na promoção da concorrência e na arbitragem dos interesses privados. O papel de fomento económico do Estado não pode ignorar-se, nomeadamente na alocação prioritária de recursos financeiros a setores estratégicos; mas só pode concretizar-se com critério rigoroso e transparente. É, pois, fundamental criar as condições para que a economia se desenvolva como um espaço aberto, que reconheça o empreendedorismo, o mérito, o trabalho e o talento;
  • No âmbito das políticas sociais, nomeadamente na área da Educação e da Saúde, caminhar gradualmente de um Estado monopolista na provisão de prestações rígidas, para um Estado promotor de prestações complementares, mais próximas e mais adequadas às necessidades individuais, num quadro de liberdade de opção pelos cidadãos e de sã complementaridade e concorrência entre os vários prestadores dos serviços (públicos e privados), assegurando-se que nenhum cidadão deixe de aceder a serviços de qualidade por razões económicas;
  • Alargar as responsabilidades e a influência das instituições intermédias, das empresas do “terceiro setor”, das organizações de voluntariado e das Organizações Não Governamentais (ONG), que estão em condições de prestar muitos serviços públicos, com maior qualidade e eficiência do que o Estado. O Estado não pode ter o monopólio do Estado Social.

Mas não basta redefinir as funções do Estado. 
É urgente modernizar a Administração Pública e estabelecer boas práticas de gestão e de serviço aos cidadãos. Este setor é de tal forma relevante que não se pode levar a sério uma agenda de mudança ou de reformas estruturais, por parte de qualquer governo, se estas não começarem precisamente por aqui.
A par dos exemplos de bons funcionários e de boas instituições públicas, em regra não compensados pelo seu mérito, grassam exemplos de ineficiência, opacidade e burocracia, que prejudicam o Estado, as empresas, os cidadãos e a própria democracia.
Torna-se urgente a execução de um verdadeiro programa de transformação do Estado, que oriente a Administração Pública para o cidadão; que reduza custos; que reveja o modelo organizativo e fomente as boas práticas de gestão; e que desenvolva uma cultura de excelência.
A implementação deste programa requer uma visão clara do modelo futuro, capacidade de mobilização dos funcionários públicos, utilização das melhores ferramentas de gestão da mudança, um âmbito de atuação transversal e um elevado grau de energia e perseverança dos líderes.
A reforma do Estado pode e deve ser um programa mobilizador da sociedade, que devolva a autoestima aos funcionários públicos, que reconcilie os cidadãos com o Estado e que demonstre as fortes capacidades de reinvenção dos portugueses.

Temos de estabelecer uma reforma do modelo de governação da Administração Pública assente em 5 passos:

  • Definição de objetivos e prioridades a alcançar, no setor público, durante uma legislatura;
  • Mobilização de toda a Administração Pública em torno dessas prioridades, estabelecendo contratos, com objetivos vinculativos, a atingir por cada dirigente;
  • Conferir autonomia, ao nível da gestão operacional, para a obtenção daqueles objetivos;
  • Amplo escrutínio público dos resultados atingidos e do desempenho orçamental de cada instituição estatal;
  • Avaliação anual, justa e exigente, de desempenho dos funcionários e dirigentes, conferindo-lhe peso significativo na remuneração individual.

Não se confunda esta visão – ao nível das funções do Estado e do seu modelo de gestão – com uma qualquer opção de Estado mínimo. O papel do Estado é fundamental na garantia da liberdade e da integridade plena dos seus cidadãos e na consagração da ordem do Direito. É, em especial, fundamental na plena consagração da igualdade de oportunidades e de uma das mais solenes promessas do regime democrático moderno: a da mobilidade social. Esta é uma opção por uma nova visão do Estado: um Estado mais pequeno, mas muito mais criterioso, transparente e eficaz.

As razões dos desequilíbrios macroeconómicos de que sofre a economia portuguesa estão bem documentadas: a explosão do crédito disponível à economia, nomeadamente, do crédito externo, com o concomitante alavancamento exagerado das instituições financeiras; a incapacidade da política orçamental para corrigir estes desequilíbrios tendo, pelo contrário, sido pró-cíclica; a utilização, cada vez mais exagerada, de mecanismos de desorçamentação (no âmbito das empresas públicas e das PPP), escondendo a dimensão do problema orçamental e acentuando a acumulação de dívida pública ocorrida nos últimos anos.

A insustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento, cristalizado durante décadas, a par da tomada de decisões políticas erradas, agravada pela conjuntura externa, despoletou um período prolongado de défices externos, para cobrir o excesso de despesa, dando origem a um excessivo endividamento perante o exterior, à perda de confiança dos mercados externos e, assim, a incapacidade para obter financiamento externo. A nossa dívida pública atingiu, em 2010, cerca 100% do PIB (em 2005 esse valor estava nos 62% do PIB).

O resgate tornou-se inevitável. Nos últimos 18 meses, no âmbito do cumprimento do Memorando de Entendimento, a nossa estratégia de consolidação orçamental e de redução do endividamento tem sido baseada na redução de desperdícios na Administração Pública, nos cortes nos gastos intermédios das Administrações Públicas, no aumento da carga fiscal e no programa de privatizações no setor empresarial do Estado.
Esta estratégia foi adequada, com resultados positivos, mas, neste momento, o seu prosseguimento já se encontra comprometido.

O aumento da carga fiscal foi inevitável mas não é repetível. O aumento da carga fiscal atingiu níveis que, não só limitam a capacidade de angariação de receita adicional, como induzem um efeito recessivo na economia, com consequências negativas sobre o emprego, sobre as despesas sociais e sobre a própria consolidação orçamental.

Por outro lado, apesar dos bons resultados ao nível da redução da despesa pública (traduzidos, em 2011 e 2012, numa redução em mais de 10 000 milhões de euros de despesa pública e de 6% de redução do défice estrutural primário), já não é possível concentrar a nossa atenção apenas no cortes das rendas e subsídios excessivos, na eliminação de desperdícios e na redução dos consumos intermédios.

Finalmente, o programa de privatizações, com efeitos na redução do endividamento, sendo meritório, encontra-se próximo da sua conclusão. Logo, o potencial de encaixe financeiro com as próximas privatizações é menor do que aquele que já foi alcançado.
Assim, teremos de passar a uma nova fase da consolidação orçamental.
Uma consolidação mais estrutural e mais alinhada com o crescimento sustentável, em torno de três novas linhas de orientação: redefinição das funções do Estado e modernização da Administração Pública; definição, não apenas dos tradicionais limites ao défice orçamental, mas também de limites à despesa (à semelhança da estratégia adotada, por exemplo, na Suécia e nos Estados Unidos); reforma fiscal indutora do crescimento sustentável, reconhecendo o valor do trabalho dos cidadãos e da capacidade de criar riqueza por parte das empresas e agravando os comportamentos ambientais insustentáveis, contribuindo, assim, para a reorientação de comportamentos dos consumidores e dos produtores no sentido da inovação tecnológica e da proteção ambiental.

Nesse sentido, defendemos uma estratégia de responsabilidade orçamental que considere:

  • Fixar um horizonte de responsabilidade orçamental para o médio e longo-prazo que passe por: reduzir o rácio de despesa sobre o PIB para valores inferiores a 40%; reduzir a dívida pública sobre o PIB para valores inferiores a 60%; manter o défice estrutural em cerca dos 0,5% do PIB como determinado pelo Tratado Europeu de Estabilidade, Coordenação e Governação; reduzir o rácio de Crédito por Depósitos para um valor mais equilibrado e próximo dos 100%; eliminar gradualmente o recurso ao endividamento por parte do Setor Empresarial do Estado;
  • Introduzir, para além das metas relativas ao défice orçamental, limites, em termos reais, fixados para toda a legislatura, sobre todos os itens da despesa do Estado que não dependam do ciclo económico. Estes limites à despesa permitirão atingir, mais eficazmente, os limites estabelecidos para o défice estrutural no quadro do novo Tratado Europeu de Estabilidade, Coordenação e Governação;
  • Proibir o endividamento pelo Setor Empresarial do Estado junto da banca ou através da emissão de obrigações, cobrindo os seus défices através de subsídios estatais com repercussão imediata no Orçamento do Estado. No caso do Setor Empresarial do Estado, sendo prestado um serviço público, este deve ser coberto diretamente pelo Orçamento do Estado. No caso de Despesas de Investimento, o recurso ao endividamento através de dívida junto da banca ou de emissão de obrigações terá de ser feito de forma a que estas sejam contabilizadas como Dívida Direta do Estado e devidamente justificadas em termos de cobertura de despesas de juros;
  • Prosseguir a estratégia de pagamento integral da dívida portuguesa tendo por base o cumprimento dos objetivos orçamentais e da calendarização fixados no Memorando de Entendimento monitorizado pela troika, continuando a explorar a possibilidade de realizar alguns ajustamentos, no quadro de uma flexibilidade que é tanto mais elevada quanto maior for a nossa credibilidade, aferida pela determinação em honrar os nossos compromissos;
  • Concretizar uma reforma fiscal que, em harmonia com a reavaliação responsável das funções do Estado, caminhe no sentido: (i) da simplificação do sistema fiscal e da reposição de níveis equilibrados de carga fiscal; (ii) da promoção do crescimento sustentável, através do aumento da tributação ambiental que desincentive a degradação dos recursos naturais, compensada, num quadro de neutralidade fiscal, com a redução da tradicional tributação do rendimento das pessoas singulares e coletivas; (iii) da significativa promoção do investimento empresarial, de fonte externa ou interna, aqui incluindo um novo padrão de transparência, colaboração, segurança jurídica, rigor e eficiência entre a Administração Fiscal e os Contribuintes, bem como uma visão renovada do sistema de tributação dos rendimentos, visando incentivar fortemente o reinvestimento dos lucros empresarias não distribuídos;
  • Substituir o eventual prolongamento, em 2014, da sobretaxa de 3,5% do IRS de 2013 pela introdução de uma taxa de carbono de € 9,00 por tonelada de CO2, desincentivando as emissões nacionais de gases com efeito de estufa e induzindo padrões de produção e consumo mais sustentáveis. Esta nova orientação fiscal reconhece o valor do trabalho dos cidadãos e da capacidade de criar riqueza por parte das empresas e, agravando comportamentos ambientais insustentáveis, contribui para a reorientação de comportamentos dos consumidores e dos produtores no sentido da inovação tecnológica e da proteção ambiental. 
  • Racionalizar o sistema de forma a diminuir o número de horas necessárias ao cumprimento das obrigações fiscais e consolidar o regime simplificado de tributação para sujeitos passivos de menor dimensão. 
  • Assumir uma visão integrada do combate à corrupção e fraude fiscal, conferindo a esse combate uma totalmente nova dimensão de obrigações preventivas e de instrumentos de controlo.

O investimento é um elemento central em qualquer estratégia que vise o crescimento e emprego. Mas não nos enganemos. Durante mais de uma década, Portugal beneficiou de acesso a financiamento abundante e em condições de preço favoráveis, sendo que essa grande disponibilidade de recursos, não só agravou o nosso endividamento externo, como acabou por não se traduzir no crescimento da economia e na geração de emprego. Pelo contrário, assistimos, nos últimos 10 anos, a um desempenho medíocre da nossa economia, ao crescimento estrutural do desemprego e a uma incapacidade para superar os nossos problemas estruturais.

Logo, a estratégia para o crescimento sustentável deve passar pelo investimento seletivo e reprodutivo.
A concretização da necessária seletividade do investimento depende de uma nova política industrial, que identifique setores prioritários, nos quais temos condições de valorizar as nossas vantagens comparativas e, portanto, crescer mais depressa.
Quando tudo é prioritário, nada é prioritário. É importante promover a abertura e concorrência em todos os setores. Mas é igualmente, necessário – facto infelizmente olvidado durante longos anos – assegurar, no quadro de uma política industrial, que Portugal valoriza as suas vantagens comparativas e melhora as suas vantagens competitivas. Temos de realizar apostas estratégicas, apoiando prioritariamente as atividades de maior sustentabilidade, produtividade e competitividade.

Não existe, na política industrial, uma contradição com a imprescindibilidade de uma economia aberta e concorrencial. Não confundamos empresas com setores. O Estado não deve escolher vencedores, distorcendo a concorrência. Mas o Estado, em especial na nossa atual situação, não pode deixar de ter sentido estratégico e de alocar os recursos, hoje mais escassos, prioritariamente a setores estratégicos. O desafio implica desenhar e coordenar políticas industriais, em ambiente concorrencial, que sejam amigas do crescimento.

Algumas razões justificam, como defendeu Philippe Aghion nas discussões que connosco travou, a identificação de algumas opções estratégicas de natureza sectorial: a concorrência com alguns países emergentes, como a China, Índia e Brasil, que têm tirado partido de políticas industriais sectoriais; a circunstância de a ausência de escolhas ter levado alguns governos (incluindo o português) a privilegiar investimentos nos setores de bens não transacionáveis, com prejuízo das exportações e da diminuição de importações; e, finalmente, a necessidade de, na política industrial, serem internalizadas algumas externalidades ambientais, nomeadamente, as alterações climáticas e a biodiversidade.

Assim, no caso português, temos de:
→ Definir e coordenar políticas industriais que apostem, estrategicamente, tanto ao nível das reformas estruturais como do investimento, em setores com maior potencial de crescimento e emprego, e de competição à escala global, como é o caso da energia, da biotecnologia e das ciências da vida, do turismo, dos novos materiais, da economia do mar, da agricultura, da floresta, do design e das indústrias criativas – relativamente aos quais exibimos vantagens comparativas, para além dos setores tradicionais em que já hoje competimos com sucesso. Portugal deve tirar partido do facto de nestas áreas ter realizado apostas de apetrechamento científico-tecnológico, qualificação dos recursos humanos e de infraestruturação, para além de dispor de recursos naturais e de posicionamento geoestratégico favoráveis.

A segunda dimensão da estratégia para concretizar o investimento seletivo e reprodutivo reside, precisamente, no papel da inovação e do empreendedorismo na capacidade para maximizar a criação de valor económico, de um modo disruptivo e duradoiro, isto é, na reprodutividade do investimento.
Num mundo globalizado não basta ter competências; é indispensável convocar e desenvolver o espírito empreendedor e criar um ambiente institucional mais amigo do sentido de risco e da iniciativa individual. Só aqueles que forem capazes de assumir a mudança, olhando-a pelo prisma das oportunidades, e de arriscar, inovando, serão competitivos a nível global.

O Estado tem de aprender a valorizar e a diferenciar em razão da capacidade para inovar e empreender, incentivando pelo reconhecimento do mérito e fomentando uma cultura empreendedora e a iniciativa individual.

Assim, mais do que desesperadamente tentar encontrar a nossa NOKIA (empresa-âncora da economia finlandesa), é fundamental que sejamos capazes de, a partir de uma cultura de inovação e empreendedorismo:

  • Gerar centenas de start-up que funcionem no mesmo ecossistema – isto é, com uma relação de proximidade e de cumplicidade– com as grandes empresas, com as grandes Universidades e com o sistema financeiro. Para o sucesso das start-up é mais importante poder beneficiar de economias de rede do que de economia de escala.
  • Considerar o empreendedorismo como uma competência transversal a usar ao longo da vida, quer dentro de uma organização quer no autoemprego, e promover o seu desenvolvimento na educação e formação. 
  • Fomentar o investimento em start-up através, por exemplo, do aumento para 25% da dedutibilidade das entradas de capital das empresas nos primeiros 3 anos de vida.
  • A terceira dimensão do investimento seletivo e reprodutivo relaciona-se com a origem do investimento. A esse respeito, é necessário:
  • Aumentar a capacidade de investimento público na área do conhecimento, da economia verde e da política industrial a partir do reforço do orçamento da UE; isto é, precisamos, no momento em que vivemos a maior crise desde o pós-guerra, de um novo programa de apoio à economia europeia que se inspire na ambição do Plano Marshall;
  • Assegurar a articulação dos instrumentos públicos e privados disponíveis de financiamento à criação e desenvolvimento de projetos empresariais (incentivos fiscais, apoio à atividade de I&D, linhas PME-Crescimento, mercado de capitais e capital de risco), gerando massa crítica na capacidade de análise e financiamento de projetos inovadores.
  • Captar investimento externo, não só em torno de novos projetos, mas também através da entrada de capital estrangeiro nas empresas portuguesas, prosseguindo os esforços de diplomacia económica e tirando partido dos instrumentos passíveis de negociação que, na atual lei fiscal, já fomentam a atração de investimento estrangeiro em condições altamente vantajosas, como foi o caso da Autoeuropa, bem como de profissionais de atividades de valor acrescentado;
  • Reforçar o investimento privado, desenvolvendo mecanismos inovadores de matching funds para apoiar o crescimento das novas empresas de base tecnológica, premiando, através do financiamento público, a capacidade das empresas angariarem a maior parte do financiamento a partir do setor privado, e integrando a indústria de capital de risco portuguesa nas plataformas internacionais, de modo a garantir o financiamento dos projetos com elevado crescimento potencial e impacto económico significativo.

Na área do ambiente e recursos naturais, conjugam-se grandes riscos e grandes oportunidades. 

Temos a 11ª maior Zona Económica Exclusiva e somos um dos países do mundo com maior consumo de pescado per capita, mas temos de importar 62% do que consumimos e a economia do mar representa apenas 2% do nosso PIB.
Temos recursos energéticos renováveis – vento, sol e água – muito vantajosos e somos um dos maiores produtores europeus de eletricidade a partir de fontes renováveis, mas exibimos uma elevada dependência energética do exterior (cerca de 80%), principalmente do petróleo, e uma muito elevada intensidade energética dos transportes no PIB.
Somos um dos países europeus mais ricos em biodiversidade (20% do território nacional integra a Rede Natura) mas, no plano sócio-económico, as populações que vivem em áreas protegidas continuam a não beneficiar da valorização dessa riqueza.
A floresta portuguesa tem enorme potencial económico (quase 2% do PIB) mas fomos incapazes de evitar que, na última década, os incêndios florestais tivessem destruído 15 mil km2, com prejuízos na ordem dos 3 mil milhões de euros.

Conseguimos enormes avanços na infraestruturação na área dos resíduos, abastecimento de água e saneamento, mas ainda existe um milhão de portugueses sem saneamento e o setor das águas depara-se hoje com um problema sério de sustentabilidade económico-financeira, com desigualdades acentuadas no preço dos serviços entre as regiões do interior e do litoral.
Temos muitos planos de ordenamento, mas assistimos à desertificação do interior, à destruição do litoral, à degradação da qualidade de vida nas cidades, assim como a fenómenos inaceitáveis de corrupção, que encontram na sinuosidade e incongruência das regras o seu campo mais fértil.
Temos, na área da agricultura, ambiente, energia e mar, recursos naturais valorizáveis, várias instituições científicas, especialistas e empresas reconhecidos internacionalmente, e realizámos grandes investimentos ao nível das infraestruturas, mas ainda não conseguimos fazer deste setor um motor de criação de emprego e de exportação nacional.
Temos de virar a página. Urge resolver os problemas ambientais que afetam a qualidade de vida dos portugueses e a solidariedade intergeracional. Mas é chegado, também, o tempo de tirar pleno partido das condições únicas de que dispomos, nesta área, para competir à escala global e para gerar valor económico e social a partir do uso eficiente dos recursos naturais.

É necessário reconhecer a relevância crescente da economia verde. O ambiente e a gestão dos recursos naturais são hoje fatores de crescimento. Quem, inovando, produzir de um modo mais limpo vencerá na nova economia verde.
Teremos, em especial, de dar uma resposta à altura nas nossas responsabilidades perante um dos maiores problemas que se deparam a esta e às próximas gerações: as alterações climáticas.
O combate à mudança climática é urgente, é possível e é recompensador. O que temos pela frente é um desafio tão grande e tão estimulante como o de verdadeiramente transformar economias. Mais do que uma desculpa para o adiamento, a crise económica e financeira deve ser encarada como mais uma razão para acelerar o combate às alterações climáticas.
Para que esta revolução tecnológica conducente a uma economia de baixo carbono ocorra é imprescindível fixar, também em Portugal, metas e instrumentos ambiciosos de redução das emissões de gases de efeito de estufa, no período pós-2012, num quadro de equidade de esforços entre todos os setores e de custo-eficiência.

A política de energia necessita de liderança, estratégia e reformismo. Temos de apostar numa maior eficiência energética no consumo (nas habitações, nos escritórios, nas indústrias e nos transportes) e numa maior produção a partir de fontes renováveis– num quadro mais eficiente, mais coerente e mais competitivo. Temos, igualmente, de dotar o mercado de energia de maior concorrência, no âmbito ibérico e europeu, com uma política tarifária de maior racionalidade e com uma política fiscal de maior coerência.
Esta nova atitude, consumindo melhor e produzindo de modo mais limpo, só traz vantagens: combate as alterações climáticas; reduz a dependência energética do exterior, em especial, do petróleo; e, finalmente, gera novas oportunidades de negócio e estimula a inovação tecnológica e a investigação avançada.
A aposta na ecoeficiência, nas tecnologias limpas e na valorização dos recursos naturais endógenos – energia, biodiversidade, água, oceano e floresta – é, não apenas um requisito essencial à qualidade de vida dos cidadãos, à proteção dos recursos e à solidariedade intergeracional, mas também uma oportunidade para o crescimento económico, através da criação de novas empresas e empregos nos novos mercados mundiais de maior crescimento.

Nesse sentido, consideramos importante:

  • Reduzir em 75% o défice da balança comercial do setor agroflorestal – apostando na substituição de importações com produção interna e na internacionalização da floresta, do vinho, da cortiça e das hortofrutícolas – e limitar a área ardida, nos próximos 10 anos, a um terço da verificada na última década;
  • Valorizar os serviços prestados pelos ecossistemas, integrando o seu valor no cálculo do PIB, remunerando esses serviços – via fiscalidade, transferências para os municípios ou sistema de créditos de biodiversidade – e definindo um modelo de gestão económica e financeira sustentável para parques e reservas naturais;
  • Assumir, no âmbito de um amplo acordo a alcançar na Assembleia da República, uma visão de médio e longo prazo de descarbonização do nosso desenvolvimento, visando a redução das emissões de gases com efeito de estufa per capita para 6,5tCO2eq até 2020 e 2tCO2eq até 2050 e estabelecer um “Orçamento de Carbono”, atribuindo responsabilidades diretas, a cada Ministério, pelas metas de redução das emissões no respetivo setor;
  • Reduzir a dependência energética para 73% e reduzir a intensidade energética do PIB, equiparando-a à média da UE, até 2020, prosseguindo a aposta nas energias renováveis e assumindo a prioridade de melhorar a eficiência energética do lado do consumo – designadamente, através da generalização de um sistema de atribuição e transação de certificados brancos a toda a economia nacional;
  • Fazer convergir para o plano diretor municipal todas as opções de planeamento do território, consolidando toda a legislação sobre o ordenamento do território, incluindo dos regimes territoriais sectoriais que se repercutem no uso do solo;
  • Criar “zonas francas urbanas” para que, através de uma significativa redução dos encargos fiscais, aí se permita e incentive os proprietários à realização de ações de reabilitação urbana;
  • Reorganizar as diferentes autoridades administrativas na área da economia do mar, criando um Balcão Único do Mar, de forma a reconduzir os processos de licenciamento a uma única entidade pública que congregue as relações entre os requerentes e as restantes entidades; 
  • Definir um modelo de financiamento dos transportes públicos, na vertente de exploração e de novos investimentos, que beneficie do reconhecimento das emissões de CO2 evitadas face ao transporte individual (através da alocação de uma parte das receitas dos leilões de CO2 ou das receitas de uma taxa de carbono), das receitas resultantes de portagens urbanas (que urge criar) e do estacionamento, da tributação sobre o transporte individual (combustível, registo automóvel e portagens rodoviárias).

Não existe área de maior importância para a plena consagração das mais solenes promessas do regime democrático moderno – como a igualdade de oportunidades e a mobilidade social– do que a Educação. Mas, num momento em que a competição global se faz em torno de projetos assentes na qualificação, na investigação e na inovação, a Educação e, num sentido mais lato, o Conhecimento, assumem não só esse papel preponderante, ao nível individual, na igualdade de oportunidades, mas também na competitividade das organizações e dos Estados.

Portugal, tendo realizado significativos progressos, nas últimas décadas, ao nível da formação, educação e investigação, não conseguiu ainda superar, não por falta de investimento mas por erros de política pública, de organização e de gestão, problemas estruturais que nos impedem de consagrar a coesão social e de crescer. Os dados comprovam-no: existe uma correlação entre, por um lado, os resultados dos estudos, designadamente da OCDE, que aferem as competências dos jovens na matemática, na leitura e nas ciências, e, por outro, a taxa de crescimento dos países. O mesmo tipo de correlação está demonstrado entre a escolaridade média e o crescimento económico.
A circunstância de Portugal apresentar a terceira maior taxa de abandono escolar da UE, níveis de exigência muito baixos no ensino, resultados dececionantes nas competências na matemática, português e ciências e, finalmente, um investimento privado em Investigação & Desenvolvimento (I&D) de apenas 0,7% do PIB, permite compreender melhor a razão pela qual a última década pode ter sido considerada uma década praticamente perdida ao nível do crescimento económico e da coesão social.

É urgente apostar na qualificação, exigente, abrangente e inclusiva, de todos os portugueses, na reprodutividade do investimento público que tem vindo a ser realizado
em ciência e educação, no reforço do investimento privado em I&D e no acesso eficiente a fontes internacionais e comunitárias de financiamento direto.

O objetivo do sistema educativo deve residir na concretização da igualdade de oportunidades e na capacidade para formar gerações criativas, competentes e confiantes. Para que isso aconteça consideramos fundamental:

  • Estabelecer uma nova visão da autonomia e responsabilização das escolas, alicerçada na definição de projetos educativos próprios, adequados à comunidade escolar, na liberdade de escolha por parte das famílias e na concorrência entre projetos educativos, no âmbito de uma rede nacional de educação e formação que integre as escolas públicas, particulares e cooperativas. As competências do Ministério da Educação devem ser limitadas à garantia de uma uniformidade curricular de base, à inspeção educativa e à regulação, supervisão e avaliação de todo o sistema;
  • Conferir aos agrupamentos de escolas o poder de contratar os seus recursos humanos e financiar aqueles agrupamentos tendo por base critérios transparentes que, entre o mais, premeiem os bons resultados dos projetos educativos – reconhecendo os esforços de melhoria dos resultados escolares face às dificuldades específicas de cada comunidade educativa– e que tenham em atenção o número de turmas constituídas, enquanto elemento de valorização da escolha da escola por parte das famílias.

O mesmo sentido reformista, ao nível das orientações estratégicas e do modelo de organização, terá de ser concretizado na área da ciência. É verdade que, em Portugal, já temos alguns exemplos de excelência – cientistas de elevadíssima qualidade e de prestígio internacional, instituições consideradas de excelência na investigação e algumas bem sucedidas parcerias universidade-empresa, de que resultaram inovação e reforço da competitividade. Mas precisamos de fazer mais em matéria de I&D e, sobretudo, temos de fazer melhor.

Não é suficiente exibir um eventual aumento do financiamento público.
O que é verdadeiramente importante são os resultados que se alcançam com esse financiamento. Importa que cada euro investido em educação e em ciência aumente as competências dos nossos alunos, assim como a capacidade de publicar mais artigos científicos, de registar mais patentes, de celebrar novos contratos de transferência de conhecimento, de criar novos produtos e novas empresas de base tecnológica.
Para que isso possa ocorrer, é imprescindível:

  • Adotar um modelo de financiamento do sistema científico mais centrado na procura de ciência, por parte do tecido produtivo, em vez do atual modelo baseado essencialmente na oferta, e atribuir, mediante avaliação, o estatuto de entidade do sistema científico e tecnológico nacional às unidades de I&D empresariais;
  • Reorganizar e racionalizar a rede do ensino superior em Portugal, através da fusão, extinção e associação de instituições, com recurso à avaliação das instituições e a um novo modelo de financiamento, que promova a definição de missões distintas para as instituições de ensino superior, num quadro de competição e cooperação dentro do sistema e de criação de massa crítica indispensável à internacionalização do ensino superior.

Mas não é apenas da aposta na educação e na ciência que poderá emergir uma estratégia de valorização económica e social do nosso capital humano. O crescimento económico e o verdadeiro desenvolvimento da sociedade só poderão ser alcançados, de forma integral e duradoura, se forem acompanhados por um efetivo desenvolvimento cultural.
O Estado não pode exercer uma política de gosto mas deve exercer políticas públicas na área da cultura que promovam o seu acesso, presença e pluralidade, enquanto bem social reconhecido como bem social básico.
Sendo que, para além de um direito inalienável dos cidadãos, a cultura tem um valor económico e um potencial de crescimento, com impacto nos mais variados domínios, designadamente, no turismo, na arquitetura, na inclusão social, na economia local e na exportação de bens e serviços, sem esquecer o contributo decisivo para a valorização e prestígio de Portugal no mundo. Nesse sentido, é importante, por exemplo:

  • Apoiar o desenvolvimento de clusters de indústrias culturais e criativas, beneficiando dos património, dos talentos, das competências e das infraestruturas existentes em diversas regiões do país, e apostar na promoção internacional da cultura e da criação artística contemporânea portuguesas;
  • Reabilitar e ter em uso integral todo o património declarado como património nacional. Um dos elementos dessa estratégia passa por fazer reverter 1% do valor da despesa do Estado em empreitadas públicas para um fundo de reabilitação do património.

Finalmente, temos de encarar a língua portuguesa como um dos principais ativos com potencial para reforçar a universalidade, o prestígio e a capacidade de influência de Portugal no plano internacional, assim como a competitividade da economia portuguesa no mundo.
A língua portuguesa beneficia atualmente de condições para se tornar uma língua de importância e uso internacional de que muito poucas línguas dispõem: os países de língua oficial portuguesa possuem já uma dimensão demográfica relevante, com tendência acentuada para crescer; alguns desses países revelam um potencial de crescimento económico que os coloca no patamar das potências económicas de importância regional e, mesmo, global; a influência global do português só é comparável à da língua inglesa, pois, ao contrário do castelhano, estende a sua presença em todos os continentes.

Assim, é importante adotar uma estratégia de afirmação do português como língua global e língua oficial de trabalho das instituições internacionais, desenvolvendo programas específicos vocacionados para o crescimento da língua portuguesa que incluam, entre outras medidas, programas de formação de professores de português no estrangeiro, cursos de língua portuguesa dirigidos a quadros de empresas estrangeiras e ações de formação inicial e contínua de tradutores e intérpretes.

Portugal encontra-se numa autêntica encruzilhada social. À dupla armadilha demográfica, traduzida por uma baixa natalidade – até 2015, Portugal vai ter a segunda taxa de fecundidade mais baixa entre os países do mundo, com 1,3 filhos por mulher– e pelo envelhecimento da população, soma-se o aumento do desemprego, com dimensões estruturais, o agravamento da pobreza (cerca de 20% da população vive no limiar da pobreza) e as acentuadas desigualdades sociais.

Na atual conjuntura económica e financeira, a nossa capacidade para alocar os recursos financeiros adicionais que permitam enfrentar as causas e mitigar as consequências destes problemas de natureza social encontra-se limitada. Mas não podemos encontrar, nessa dificuldade, um pretexto para deixar de assumir a responsabilidade de promover ativamente a inclusão social e a igualdade de oportunidades, dignificando a pessoa e o trabalho e proporcionando os amortecedores sociais necessários face à crise atual e aos novos riscos resultantes da globalização.
A equidade é uma condição indispensável à coesão e portanto à sustentabilidade de Portugal, independentemente do patamar de desenvolvimento económico em que nos consigamos colocar.

A revisão das funções do Estado, caminhando, gradualmente, nos setores da Educação e da Saúde, para um Estado não monopolista, como referido noutra secção deste Sumário-Executivo, é uma parte da resposta. Contudo, existem outras respostas, ao nível da inovação social, que devem ser orientadas para contrariar a atual tendência demográfica, para assegurar a igualdade de oportunidades, para socorrer os mais necessitados e para criar emprego.

Em primeiro lugar, é importante reforçar o papel da família, reconhecendo-a como o primeiro contexto de coesão social e de diversidade – tendo em atenção as transformações nos modos de vida das famílias, na composição das famílias e na reorganização do quotidiano da vida em família – e incentivando a natalidade. As políticas de família não têm alcance suficiente para alterar a decisão de um casal em relação à parentalidade, mas podem afetá-la. De entre as várias recomendações identificadas neste Relatório, destaca-se a necessidade de promover uma flexibilização responsável dos horários de trabalho e dos horários de funcionamento dos serviços (de educação, de apoio à família, de promoção da cultura e lazer), favorecendo a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar, assumindo a centralidade da família.

Em segundo lugar, é necessário alargar as responsabilidades e a influência das instituições intermédias, das empresas do “terceiro setor”, das organizações de voluntariado e das Organizações Não Governamentais (ONG), que estão em condições de prestar muitos serviços públicos, com maior qualidade e eficiência do que o Estado. Temos de tirar partido da capacidade instalada, material, humana e económica das instituições da economia social no planeamento e desenvolvimento dos sistemas sociais públicos e criar as condições para que aquelas instituições possam passar a desenvolver algumas atividades económicas que lhes garantam sustentabilidade financeira.

Em terceiro lugar, é fundamental desenvolver um sistema de saúde inclusivo e financeiramente sustentável, num quadro de maior liberdade de escolha e de concorrência. Isso passa por redesenhar o modelo de financiamento do Serviço Nacional de Saúde, substituindo o atual modelo contabilístico, centrado no pagamento dos atos, por um modelo centrado nos resultados e nos ganhos para a saúde, assegurando a universalidade do acesso através de uma política de preços que estimule a competitividade entre prestadores, independentemente da sua natureza pública, privada ou social, e se constitua como uma verdadeira ferramenta de indução de uma prestação eficiente.

No fundo, a liberdade de escolha do utente face ao prestador deve constituir-se como um motor da competição e do bom desempenho, preservando o princípio constitucional da provisão dos cuidados sob a responsabilidade dos Estado, mas não a sua prestação exclusiva através de operadores públicos, garantindo-se, assim, a plena separação entre financiamento e prestação, exigência fundamental para a melhoria da competitividade.
Atendendo ao aumento da esperança de vida e consequente aumento das doenças não transmissíveis, o Serviço Nacional de Saúde deve promover a transferência de cuidados agudos para cuidados na comunidade e no domicílio, preparando os sistemas de saúde para responder ao desafio da multimorbilidade.
Por outro lado, é chegado o momento de disponibilizar aos cidadãos o seu processo clínico, incluindo informação básica dos episódios associada à gestão da saúde ou da doença crónica – estando o mesmo disponível e acessível à comunidade médica ou unidades hospitalares onde o doente é atendido.

Em quarto lugar, é absolutamente urgente criar as condições para aumentar o emprego, num contexto de maior diversidade e flexibilidade nos regimes de contratação e de formação.
A rigidez do mercado de trabalho não é a única razão dos elevados índices de desemprego em Portugal. Mas essa rigidez laboral, que nos colocou na 110ª posição do ranking da competitividade do Fórum Económico Mundial, prejudica a economia e as empresas e, dessa forma, o emprego. A pretendida segurança laboral transformou-se em rigidez, precariedade e desemprego.
Por outro lado, assiste-se a uma verdadeira segmentação do mercado de trabalho: embora exista em Portugal um conjunto diverso de regimes de contratação – contrato sem termo, contrato a termo certo ou termo incerto, contrato de curta duração, contrato intermitente, trabalho temporário e ainda trabalho independente – verifica-se uma forte tendência para a contratação sem termo, com mais benefícios, para uma população mais velha, e a contratação a termo, com menos benefícios, para uma população mais jovem. Os custos das indemnizações contribuem para a rigidez laboral e promovem o ciclo vicioso dos contratos de trabalho a termo, cujos custos de caducidades e de formação se tornam compensadores perante a possibilidade de uma eventual cessação onerosa de um posto de trabalho permanente.

Assim, é fundamental diminuir os custos de indemnizações por cessação de contrato de trabalho sem termo, aproximando o quadro normativo português dos regimes mais flexíveis da Europa, induzindo um aumento do número dos contratos sem termo e, desta forma, protegendo mais os trabalhadores ao nível da estabilidade laboral e do acesso a mais benefícios.
Por outro lado, devem ser estabelecidas quotas, desde que criteriosas e flexíveis, para contratos de trabalho a termo e temporário, limitando o número de trabalhadores neste regime.
No plano da formação, deve ser aprofundado um sistema de formação dual, com a oferta centrada nos alunos e nas empresas, articulando as aprendizagens em sala e laboratório e em contexto laboral. Do mesmo modo, devem ser fomentadas as modalidades de formação em contexto de trabalho e considerar créditos para períodos de formação em empresas nos currículos escolares, de modo a aumentar a percentagem de jovens abrangidos por sistemas de dupla certificação.

O mundo precisa de uma resposta global, a Europa precisa de um novo impulso político e todos temos a obrigação de participar no desenho dessas respostas. 

Portugal tem condições para assumir, por história, vocação e convicção, a sua condição de país europeu e atlântico, tomando um papel central no diálogo entre países industrializados e países em vias de desenvolvimento. Temos de assumir por inteiro a nossa vocação atlântica e universalista.
Assumir o papel que, neste contexto, pode e deve caber a Portugal passa por assumir, em plenitude, a condição de Estado-Membro da União Europeia (UE), contribuindo ativamente para o aprofundamento da construção europeia.
Aliás, o êxito na resolução da nossa crise depende, não apenas, das decisões tomadas em Lisboa mas, cada vez mais, do sentido de urgência na resolução da crise europeia.
A UE tem de estar à altura das suas responsabilidades enfrentando, sem tibiezas, a sua maior crise desde o pós-guerra.

A visão realista das instituições comunitárias e dos Governos dos Estados-Membros, encontrando, nos últimos meses, soluções expeditas para enfrentar a crise do Euro, tem sido determinante, para a viabilidade do projeto político e económico europeu.
Só a irresponsabilidade ou o maniqueísmo ideológico justifica a circunstância de alguns desvalorizarem esta dimensão de emergência na resposta política europeia.
Mas a contingência do curto-prazo não dispensa, por outro lado, a definição de respostas estruturantes de alcance no médio e de longo-prazo.

Estamos perante uma crise europeia da dívida, do desemprego, da recessão e, não menos grave, perante uma crise de confiança. Esta crise requer audácia, sentido estratégico e liderança. Chegou o momento de refundar a Europa em torno de um projeto inédito de aprofundamento político, económico e financeiro.
É importante compreender os problemas antes de, apressadamente, tomar decisões de curto alcance. Estamos perante a maior crise europeia desde o pós-guerra devido: a uma incompleta integração económica (a integração é apenas monetária); a uma excessiva focalização nas finanças públicas, tendo olvidado durante muito tempo as consequências da dívida dos privados; à falta de caráter vinculativo e de eficácia das várias estratégias europeias para o crescimento e emprego; à inexistência de mecanismos institucionais eficientes (apesar dos sucessivos Tratados, não foi ainda possível encontrar um modelo de governação institucional adequado); a um Pacto de Estabilidade e Crescimento demasiado orientado para o equilíbrio orçamental, negligenciando a importância de políticas de promoção do crescimento e emprego; ao estatuto mitigado do Banco Central Europeu (BCE).

Perante estes problemas, precisamos de uma resposta estrutural e de longo alcance e, não só, de respostas parcelares e de contingência, por muito essenciais que tenham sido para a gestão da crise do Euro nos últimos meses.
A Europa não pode dispensar uma autêntica refundação, traduzida no reforço da governação financeira, no reforço da governação económica e no aprofundamento político. Esta nova visão para a UE, concretizável no quadro de um novo Tratado Europeu, deverá passar, designadamente, por:

  • Promover o reforço dos poderes da Comissão Europeia, bem como da sua legitimidade democrática. Neste âmbito, a curto prazo e ainda no atual quadro político-institucional, a escolha do seu Presidente deve recair no candidato previamente apresentado pelo partido político mais votado nas eleições para o Parlamento Europeu. A prazo deve ser operada uma modificação dos Tratados para consagrar a eleição do Presidente da Comissão Europeia por sufrágio direto;
  • Aumentar o Orçamento da União Europeia de modo a que os recursos próprios, hoje limitados a cerca de 1% do Rendimento Nacional Bruto da UE, sejam aumentados para 1,24%, em 2014, 1,8% até 2020 e 2% a partir de 2020. Este acréscimo de dotação orçamental, herdeiro do espírito do Plano Marshall, deve ser totalmente alocado à dinamização do crescimento e emprego na UE, investindo no conhecimento e empreendedorismo, na economia verde e numa nova política industrial; 
  • Assegurar mecanismos adequados de supervisão e de coordenação europeia das políticas orçamentais nacionais e estabelecer uma gestão coordenada do sistema bancário com o intuito de combater o ciclo vicioso entre a crise da dívida soberana de alguns países, como Portugal, e a crise do sistema bancário;
  • Avançar para a regulação das agências de notação existentes e para a eventual criação de uma agência de notação europeia e preparar, a prazo, a introdução de instrumentos de mutualização europeia da divida soberana dos Estados (eurobonds) associado à constituição de um tesouro europeu e ao reforço do papel do BCE;
  • Reformar o Pacto de Estabilidade e Crescimento de modo a que, continuando a assumir a preocupação em evitar políticas orçamentais irresponsáveis e em manter a estabilidade de preços, tenha igualmente em atenção a importância do investimento reprodutivo em áreas que representam fatores de crescimento, como a educação, a ciência, o empreendedorismo, o ambiente e a política industrial.

Não vale a pena mistificar a realidade, criando ilusões de facilidade que nos afastam do nosso sentido de futuro ou convocando o espírito derrotista que nos impede de lutar com esperança. 

Portugal vive numa verdadeira encruzilhada, de que não sairemos sem competência, persistência e mobilização coletiva. Mas esta não é a primeira vez, em 870 anos de história, que somos convocados para uma jornada difícil.
A presente crise não se vencerá, antes de mais, sem termos verdadeira noção da dimensão das nossas dificuldades – existem outros problemas estruturais, que nos acompanham há décadas, para além do endividamento e dos défices orçamentais, e que nos têm impedido de crescer de um modo sustentável.
No entanto, o inconformismo no diagnóstico e o reformismo nas respostas a dar não podem ser operados numa perspetiva de “terra queimada”, esquecendo os progressos notáveis, realizados em Portugal, nos planos económico e social, nas últimas décadas.

A verdadeira questão está, pois, em saber qual deve ser a nova estratégia para que um país com enorme potencial para crescer e vencer – infraestruturas, talentos, instituições, recursos naturais, posicionamento geostratégico, para além da sua História e da importância da cultura e língua portuguesa – vença, de facto, cumprindo os objetivos de uma sociedade mais justa e mais próspera.

Neste Relatório assumimos a nossa responsabilidade, enquanto movimento cívico, e damos o nosso contributo para uma estratégia que permita libertar o potencial de crescimento de Portugal.
Acreditamos, mas estamos disponíveis e, mesmo interessados, em ser confrontados com outras visões, que o crescimento sustentável – dando uma resposta aos problemas da pressão orçamental, das alterações demográficas, da degradação dos recursos naturais, da exclusão social e falta de equidade – depende essencialmente da nossa capacidade de:

  • Aprofundar a democracia e a participação cívica, reforçando a confiança dos cidadãos nas instituições e no próprio sistema político, estimulando um debate transparente e aberto sobre as escolhas políticas, evitando que a insatisfação se transforme em deriva antidemocrática;
  • Afirmar a responsabilidade orçamental em torno da definição de limites à despesa pública, da concretização de uma reforma fiscal mais amiga do crescimento e da modernização e redefinição das funções do Estado;
  • Avançar para uma estratégia de transformações estruturais e de investimentos seletivos e reprodutivos nas áreas que constituem as verdadeiras alavancas do crescimento – conhecimento, empreendedorismo, economia verde e política industrial;
  • Transformar Portugal num País de atração internacional de talentos, de investimento e de projetos, competindo e vencendo no contexto de uma economia de rede e não de escala, enfrentando as novas ameaças e oportunidades globais; 
  • Contribuir ativamente para a refundação do projeto europeu, enfrentando, corajosa e estruturalmente, e não tímida e parcelarmente, a maior crise europeia desde o pós-guerra – uma crise da dívida, do desemprego, da recessão e, não menos grave, uma crise de confiança – através de um significativo aprofundamento político, económico e financeiro.

Hoje, como ontem, temos de dar uma resposta à altura das nossas responsabilidades.
Teremos de ser capazes de, no final da jornada, responder, perante os nossos filhos e os nossos netos, ao juízo ético: num momento exigente da história de Portugal, com a informação, o talento e as condições de que dispunha, esta geração fez aquilo que devia ou, pelo contrário, por cobardia, incompetência ou egoísmo, acabou por tergiversar, adiar e falhar na resolução dos grandes problemas, comprometendo a liberdade das próximas gerações?

Este é um tempo de escolhas claras, no qual todos têm a obrigação de apresentar as suas propostas. O maniqueísmo dos que querem vencer ou perder sozinhos, o comodismo dos que preferem viver na sombra da troika – desta ou doutras– ou o calculismo dos que esperam que outros façam a sua própria luta, não podem ter lugar num tempo de tamanha exigência.

Nós vamos conseguir.
Acreditamos que, para Portugal e para os portugueses, o melhor está para vir.

27 desafios

Cidadania, Democracia e Liberdade

Num momento de crise económica e de crise de identidade, nacional e europeia, é fundamental estimular a participação cívica e assegurar um debate transparente e aberto sobre as escolhas políticas, evitando que a insatisfação se transforme em deriva antidemocrática.

Sustentabilidade

Estamos no limiar de uma verdadeira revolução energética e o que a nossa geração tem pela frente, nos próximos anos, é um desafio tão grande e tão estimulante como o de verdadeiramente transformar economias. Logo, mais do que uma desculpa para o adiamento, a presente crise económica e financeira deve ser encarada como mais uma razão para acelerar o combate às alterações climáticas. Este combate é urgente, é possível e é compensador.

Desafios Globais

Portugal deve contribuir ativamente, no atual contexto de crise europeia, para a “refundação da Europa” em torno de um projeto inédito de aprofundamento político, económico, social e financeiro. É do interesse nacional que Portugal aposte decisivamente na transformação da União numa verdadeira União Política.

Relatório para o Crescimento Sustentável

Faça download do Relatório para o Crescimento Sustentável – Uma visão pós-Troika.